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Senador Sá é uma jóia no agreste cearense
do enviado especial
Para quem gosta de cartões-postais, esse pequeno município do
norte cearense (5.500 habitantes),
próximo ao açude Tucunduba, é
uma jóia. Num de seus distritos, o
governo montou em 1993 um ambicioso projeto de irrigação de 75
hectares de terra plana. No centro
da cidade, perto da Academia Julie
de Dança e Alongamento, está o
hospital. Um brinco. Em oito meses, atendeu 10 mil pessoas. Tem
12 leitos, 11 vagos. No único ocupado, descansa um garoto de 11
anos, com diarréia.
Na escola, os bebedouros têm
água gelada, e a merendeira tem
congelador. Na sala de informática há dez computadores. Disseram
ao prefeito que era necessário prevenir eventuais quedas de corrente e que isso poderia ser feito comprando-se um estabilizador de
voltagem ou um equipamento que
mantivesse os micros funcionando por alguns minutos em caso de
blecaute. Comprou os dois. Tem
vagas para todas as séries.
Visto pelos fundos, Senador Sá
não tem atividade econômica, rede de água ou de esgoto. O equipamento do projeto de irrigação tornou-se sucata. Sua principal fonte
de renda monetária está nos R$ 60
mil que o Funrural remete mensalmente a 500 aposentados. A
prefeitura já empregou mais de
15% da população e hoje emprega
7,5%. O último prefeito é hoje o
homem mais rico do pedaço, com
uma frota de carretas.
O médico do hospital não mora
no município, e há algo como 20
casos de hanseníase na área rural.
Lá, um professor ganha R$ 46
mensais por jornada de três horas.
Mas há lugares onde as professoras não aparecem. Por conta da seca do ano passado, manteve-se no
município uma frente de trabalho
de 180 homens, mas ela foi desativada em janeiro. Em Senador Sá,
mão-de-obra vale R$ 3 por dia,
mas falta quem a queira.
No início da manhã de 4 de
maio, 500 pessoas estavam diante
do portão de ferro da casa murada
do prefeito José Rui Nogueira
Guerra, um comerciante de 49
anos, filho e neto de notáveis do
lugar, transpondo-se do PL para o
PSDB. Uns 200 vieram das vizinhanças do açude, os demais eram
pobres do vilarejo. "Eles queriam
derrubar o portão", lembra Guerra. "Fiquei em casa, preocupado.
No meio daquela multidão, podia
arriscar minha vida. Liguei para
Fortaleza, mas não achei ninguém. Era muito cedo."
"Ele não tinha como evitar. Fiquei com medo, porque podiam
bater nele", lembra Vicente de
Paula Carvalho, 36 anos, que desceu do lugarejo de Córrego de Cima. "Nós fomos para o depósito.
Teve gente que pegou 60 pacotes.
Eu peguei duas latas de óleo. Se
não aparecer serviço, vai ter de
novo."
"Levaram uns R$ 6.000 em mercadoria da merenda escolar",
lembra o prefeito: "A televisão
tem culpa nisso. Fica dizendo coisas".
Difícil, porque Senador Sá já foi
invadida cinco vezes (1983, 1987,
1991, 1993 e 1997). Alguma comida
ou lotes de mantimentos evitaram
que os saques avançassem. Na
lembrança de um velho morador,
saque mesmo só houve em 1970,
em plena ditadura, no tempo em
que a televisão não ficava dizendo
coisas. Vicente, por exemplo, não
é um calouro. Esse foi o seu segundo saque. Não teme a polícia: "Levo meus quatro filhos para a cadeia". Também não é um incendiário. Registra com satisfação
que "o MST nunca passou por
aqui, nem a gente quer, porque
nós não queremos tomar as coisas
dos outros". Explicando melhor:
"Sou de fora dos sem-terra.
Quando um sem-terra morre, a
mulher e os filhos ficam sem nada". Votou em FFHH e voltará a
fazê-lo.
Francisco Alves da Silva, 25
anos, cinco filhos e nenhuma instrução, também. Esteve no saque,
mas não conseguiu pegar nada. A
fome entrou em sua casa há dois
anos. "Já teve dia em que não comi nada. Na fome dói a dor da fome, na barriga."
Na eleição de 1994, Luiz Inácio
Lula da Silva teve 35 dos 3.000 votos de Senador Sá.
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