São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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Elio Gaspari
Um pesticida para o "caixa dois"

Lula meteu-se em grande encrenca ao dizer que uma parte do dinheiro da privatização da Telebrás possivelmente vai para o "caixa dois" da campanha de FFHH. Terá que se explicar e dificilmente sai dessa sem se desdizer. Tentou consertar dizendo: "Não acusei, apenas insinuei". E ficou pior a emenda que o soneto. Apesar disso, levantou uma questão que bem poderia começar a ser discutida a sério: o dinheiro dos financiamentos eleitorais.
A legislação eleitoral brasileira avançou significativamente em 1994. Ao criar um bônus, permitiu que se registrasse o ervanário recebido pelos candidatos. (Não vale argumentar que esse registro revela apenas uma parte do que circulou, porque nesse caso se está desqualificando a conduta do candidato que declara e, sobretudo, a transparência de quem dá por cima da mesa.)
Ficando-se apenas com os números da campanha presidencial, FFHH recebeu R$ 33,6 milhões, e Lula, R$ 4,2 milhões. O Banco Itaú, por exemplo, deu R$ 1,7 milhão a FFHH e R$ 500 mil a Lula. O Bradesco foi o maior doador dos tucanos, com R$ 2,3 milhões, e não deu um centavo ao PT.
Esses números podem parecer desbalançados, mas o dinheiro é deles e o dão para quem bem entenderem. Sobretudo quando se trata de ajudar a eleição de um presidente que poderá legislar sobre seus patrimônios.
Nas contas, porém, há uma anomalia. Enquanto as doações para Lula estão mais ou menos divididas entre pessoas físicas e jurídicas, o dinheiro que foi para FFHH tem outra composição. Dos R$ 33,6 milhões, pouco mais de R$ 100 mil vieram de pessoas que coçaram o próprio bolso. A banca pingou R$ 10 milhões do dinheiro dos seus acionistas, mas não há registro do nome de diretor de grande banco, grupo industrial ou empreiteira na lista das pessoas físicas. Esquisito: são generosos com o dinheiro das empresas e avarentos com o que está em suas carteiras. Exatamente o contrário do que acontece nos Estados Unidos, num contexto diferente. Em 1992, Robert Rubin, principal executivo da casa bancária Goldman Sachs, e atual secretário do Tesouro, deu a Bill Clinton US$ 275 mil de seu próprio bolso. (Não lhe farão falta, está montado em US$ 100 milhões.)
A transparência resultante da divulgação da lista de doadores brasileiros provocou desconfortos e hoje não há empresário que veja virtudes nesse sistema. Aí é que está o problema: ou a coisa funciona com o bônus, ou o que sobra é espaço para roubalheira e "caixa dois". Pela esquiva, é comum ouvir-se que o novo sistema não deu certo porque acabou provocando mais constrangimentos do que transparência.
Isso é tão falso quanto uma nota de R$ 3. O sistema de bônus revelou que FFHH recebeu oito vezes mais do que Lula. Revelou também que as grandes empresas descarregaram o que puderam em sua candidatura. Finalmente, revelou que os bancos foram seus principais financiadores. (Confirmou-se assim a lição de PC Farias, o tesoureiro de Collor. Ele insistia em dizer que os maiores financiadores eram os bancos, não os empreiteiros.)
Os bônus podem não ter mostrado o tamanho exato do bicho, mas deram aos cidadãos informações jamais reveladas. Nada impede que FFHH, Lula e Ciro Gomes venham a público e anunciem à choldra que estão dispostos a submeter as suas contas ao exame de uma comissão de notáveis escolhida de comum acordo. Ela não teria poder contábil. Só poder moral. Quando os financiadores informam que preferem o "caixa dois" à lei, é disso que se precisa.

O carro resolveu desafiar o computador

Bill Gates foi brincar com a General Motors e saiu machucado. Numa feira de micreiros, comparou a indústria de computadores e de automóveis, repetindo uma velha brincadeira:
-Se a General Motors tivesse uma tecnologia semelhante à da indústria de computadores, nós estaríamos dirigindo carros de US$ 25 cujo consumo de gasolina seria irrelevante.
Reponderam-lhe o seguinte:
-Tudo bem, mas você gostaria que seu carro morresse duas vezes por dia?
1) Toda vez que a estrada fosse repintada, você teria que comprar um novo carro.
2) De vez em quando, você está na estrada e, sem qualquer motivo, seu carro morre. Você achará isso natural.
3) Às vezes, você tentará fazer uma determinada manobra e seu carro parará. Você será obrigado a reinstalar o motor. Por alguma estranha razão, você aceitará isso também.
4) No seu carro só cabe uma pessoa, a menos que você tenha comprado um modelo Car95 ou CarNT. Mesmo nesse caso, você tem que comprar os novos assentos.
5) O Macintosh construirá um carro movido a energia solar, cinco vezes mais rápido, mais seguro e duas vezes mais fácil de dirigir. Mesmo assim, você só poderá usá-lo em 5% das estradas.
6) A Microfost venderá aos donos de Macintosh novas e caras versões de seus programas. Ela farão com que esses carros se tornem mais lentos.
7) Os sinais de controle do óleo, energia e combustível serão substituídos por uma única luz de alerta, informando o seguinte: "Problema geral no carro".
8) Novos assentos obrigarão todos os usuários a ter o mesmo tamanho de traseiro.
9) O sistema de "airbag" vai lhe perguntar: "Tem certeza?" E sairá do ar.
10) Se houver um acidente, você nunca saberá o que aconteceu.

Registro histórico
Vale deixar registrado que, ao contrário do que parece, o PT não se aliou ao PDT para dar ao engenheiro Leonel Brizola o lugar de vice na chapa de Lula. Entre o segundo semestre do ano passado e os primeiros meses deste, a manobra ia na direção oposta.
Tratava-se de atrair Brizola para que ele disputasse o governo do Rio de Janeiro, abrindo o caminho para entregar a vice a nomes do gênero Sepúlveda Pertence. A idéia era usar o complemento da chapa para ampliar a credibilidade e a respeitabilidade da chapa.
Deu no que deu.

Renda urbana
A pesquisa mensal de emprego de janeiro passado, feita pelo IBGE, detectou quedas de renda nas seis maiores regiões metropolitanas. Em São Paulo e Porto Alegre, quedas acentuadas.
Seus números informam que 40% dos habitantes das grandes regiões metropolitanas estão com uma renda per capita inferior a R$ 119. (Por cabeça, nada a ver com renda familiar.)
A renda per capita média dos 10% mais ricos está em R$ 1.353.

Baixa
Submergiu por tempo indeterminado o chefe do Gabinete Civil, doutor Clóvis Carvalho. Não demora, reaparece, mas dificilmente voltará a desempenhar o papel de conhecedor das ansiedades do eleitor. Com os amplos conhecimentos de quem nunca disputou uma eleição de condomínio, ele assegurava que FFHH levava o caneco no primeiro turno. E maltratava quem pensava diferente.
Mau sinal
Até agora não ocorreu a qualquer governador posar com FFHH para cartazes da campanha eleitoral.
É cedo, mas há algo de misterioso e inquietante nesse esquecimento.
Conversa dura
Diálogo ocorrido entre um poderoso mandarim do setor elétrico e um diretor de consórcio da privataria que ameaçava botar a boca no mundo se não fosse atendido num pleito:
"Se os senhores insistirem, nós vamos desmoralizar esse processo de privatizações", disse o diretor.
"Não se dê a tanto trabalho. O simples fato de vocês terem comprado as empresas já o desmoralizou suficientemente", respondeu o mandarim.

Dicas de Brasília, com pistas do poder

Saiu a nova edição de um tipo de publicação pouco falado, mas muito usado. É o catálogo "Dicas de Brasília". Tem os números de telefones de todo mundo, com os nomes das respectivas secretárias. Vai de FFHH ao terceiro escalão e cabe no bolso.
Folheando-o, surge uma curiosidade. Segundo a listagem, os ministros que têm mais secretárias (seis cada um) são exatamente aqueles que mais falam em reduzir o custo Brasil e em racionalizar a máquina da burocracia federal: Pedro Malan, da Fazenda, Paulo Paiva, do Planejamento, Bresser Pereira, da Reforma do Estado, e Luiz Carlos Mendonça de Barros, das Comunicações.
É obvio que essas funcionárias trabalham e, sem dúvida, merecem a confiança de seus chefes. O que há de intrigante nessa estatística é que o presidente dos Estados Unidos não tem seis secretárias atendendo-o diretamente. Ronald Reagan, por exemplo, servia seu próprio café e apontava seus lápis. O presidente do Brasil tem duas: Soraia e Fátima.

A diplomacia presidencial barrou Lampreia

Estão ruins, péssimas, as relações do chanceler Luiz Felipe Lampreia com a embaixada norte-americana.
Lampreia foi barrado na reunião de FFHH com Bill Clinton, em Camp David. Os americanos argumentaram que, como a secretária de Estado Madeleine Albright não estaria presente, Lampreia também não precisava aparecer.
O episódio tem a marca típica da truculência com que às vezes a diplomacia americana exibe sua antipatia em relação a ministros de quem não gosta. Como foi Lampreia quem inventou a tal de "diplomacia presidencial", sua presença acaba sendo desnecessária em Camp David e quem sabe mais onde.

Entrevista

Lauro Vieira de Faria
(42 anos, economista, redator-chefe da revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas.)

- A ekipekonômica e o governo vêm insistindo que além de FFHH não há opção eleitoral viável para a economia. Luís 15 disse uma frase famosa: "Depois de mim, o dilúvio". FFHH pode reescrevê-la: "Eu ou o dilúvio"?
- É absurdo que uma pessoa ou um grupo de pessoas suponha ter conseguido o monopólio do conhecimento econômico. Lembre-se que os militares e o próprio Fernando Collor diziam a mesma coisa. Não só é falso que o governo tenha o monopólio da estabilidade, como é falso que seja garantia contra o dilúvio. O dilúvio que afogou os tigres asiáticos é uma boa prova disso. O governo tem mostrado competência na adversidade, mas persistem as vulnerabilidades internas e externas resultantes de uma política que trava a economia e, ao mesmo tempo, engorda o déficit fiscal.
- O que o senhor acha da discussão em torno da natureza conservadora da estabilidade do real?
- Acho que é uma discussão mal colocada, com os dois lados defendendo idéias erradas. Para facilitar a conversa, vamos aceitar que o mundo esteja dividido entre políticas progressistas e conservadoras. Muito bem. É progressista baixar a inflação de 4.000% para 5% ao ano. É progressista porque tira de cima dos pobres o imposto inflacionário. Quando você tem uma inflação de um só dígito e aperta a economia, provocando desemprego, para impedir que ela passe de 2% para 6%, o que há é obsessão, histeria. Não me parece razoável arriscar uma recessão porque se considera intolerável uma inflação de 8%, por exemplo. De 88 para cá o Chile cresceu em média 7% ao ano, com uma inflação, declinante, de 15%. O governo deveria repensar suas obsessões, inclusive a cambial. Ele insiste em agir como se qualquer mexida no câmbio levasse invariavelmente ao descontrole da inflação. Essa idéia é falsa. Tome o exemplo do Japão: nos últimos 12 meses o iene perdeu 15% de seu valor externo, mas o valor interno permaneceu intocado. O preço do Big Mac, em Tóquio, continua o mesmo .
- O senhor acha que Lula tem mercadoria para oferecer ao eleitorado, mantendo a estabilidade e reduzindo as dificuldades sociais?
- Eu acho que Lula e o PT evoluíram. Mesmo que não o tivessem feito, não podem deixar de saber que temos US$ 320 bilhões de capital externo internado no Brasil. Além disso, temos R$ 320 bilhões de dívida pública. Temos tudo isso e mais um déficit fiscal intolerável. Uma política de hostilidade ao capital financeiro nacional e internacional seria um suicídio político. Seja quem for o governante, ele terá que reduzir o déficit. Lula pode prometer políticas sociais, mas isso deve vir acompanhado do esclarecimento de que a proeza só é possível arrecadando-se mais com os impostos, velhos ou novos, não importa. Sem uma tributação maior, o que se promete é mágica. Mesmo na questão do desemprego, a margem de manobra independe das intenções e, por agora, é muito pequena. Outra coisa: pelo menos no primeiro ano, o de 1999, o novo governante, seja ele quem for, dificilmente conseguirá uma taxa de crescimento superior a 3%.

Remédio impossível
Do senador Sarney a um interlocutor que defendia o lançamento de sua candidatura a presidente:
- Estão pensando que sou antibiótico. Só se lembram de mim quando pegaram uma infecção.



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