São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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JANIO DE FREITAS

Promessa branca

A providência escolhida para atenuar a crise da não-intervenção no Espírito Santo avança com mais vigor para a ilegalidade do que para o Estado em desordem. Já no nome que lhe deu o novo ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ribeiro, a medida se denuncia: "intervenção branca" é a que não se faz de pleno direito e plena efetividade.
O método operacional a ser aplicado por policiais federais e procuradores da República, segundo a animada exposição ministerial, será buscar "indícios" de que a autoridade estadual visada participa de narcotráfico ou outras modalidades do crime organizado. Tal como feito em São Paulo contra inúmeras pessoas, em procedimento já reconhecido como repleto de ilegalidades, a pretexto do assassinato de Celso Daniel, mas com propósitos a que não faltaram inspirações políticas já bem nítidas.
É para proteger os Estados contra "intervenções brancas" do governo federal que a Constituição exige determinadas precondições e a prévia aprovação, segundo o caso, do Conselho da República, do Conselho de Defesa Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. A "intervenção branca" burla tudo isso e, portanto, a Constituição.
Os métodos descritos, com "diálogos especiais" (seja lá o que isso signifique) e interferência sem autorização legal em áreas que a legislação reserva às polícias estaduais, são mais um avanço indevido da "missão especial", como a qualificou o novo ou neófito ministro. E por que 90 dias, "até a eleição para o governo estadual", para a "intervenção branca"? Se a finalidade relaciona-se com a eleição, seja para defender sua lisura ou para servir a certo candidato, a Justiça Eleitoral deveria estar na origem ou, pelo menos, na discussão da "missão especial", e nem foi considerada.
A "intervenção branca" foi formulada, no Ministério da Justiça, a pedido de Fernando Henrique Cardoso para o envio rápido de uma força-tarefa ao Espírito Santo, dada a multiplicidade de reflexos negativos do recuo, pelo procurador Geraldo Brindeiro e pelo próprio presidente, na intervenção por meios legais e efetivos. A força-tarefa é incabível, por implicar a integração da polícia estadual a ser investigada. Mas já no pedido esteve o reconhecimento de Fernando Henrique de que a situação do Espírito Santo contém as precondições que requerem a intervenção federal legítima, sem burlas.
Não bastou, porém, o recuo, fosse proposto por Brindeiro ou por Fernando Henrique, dependendo da versão de cada um dos dois. Ao deputado petista Orlando Fantazzini, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Fernando Henrique disse (na sexta-feira, enquanto o governo idealizava a "intervenção branca"), que não decretava a intervenção por lhe faltarem poderes para tanto, cabendo só ao procurador geral da República fazer o pedido ao STF.
O deputado convenceu-se e atendeu ao pedido de Fernando Henrique para não denunciar à ONU, como a comissão da Câmara decidira, a recusa do governo a uma intervenção em defesa dos direitos humanos.
"Das atribuições do presidente da República" é o título de uma seção da Constituição. Diz o seguinte: "Art.84. Compete privativamente ao presidente da República: (...) decretar e executar a intervenção federal". Cumpridas, claro, as exigências constitucionais. O que nenhum artigo lhe permite é a "intervenção branca".
A providência escolhida é mais uma farsa, esta muito perigosa. O caso do Espírito Santo é, mesmo, de intervenção, por uma particularidade em comparação com Estados também violentados pela criminalidade. A óbvia diferença é que no Espírito Santo não há combate ao crime organizado, porque ele penetrou nas instituições do Estado. Em São Paulo, Rio de Janeiro e outros, o que há é combate incapaz -e não só por deficiência sua- de derrotar a criminalidade.
Negar que os atuais e os mais recentes governantes desses Estados não se tenham empenhado contra a criminalidade, o que seria uma das precondições para intervenção, é uma injustiça. Cega e disseminada. O que me lembra a indignação do atual secretário de Direitos Humanos e um dos produtores da "intervenção branca", Paulo Sérgio Pinheiro, quando era crítico, ou seja, antes de receber um posto governamental.
Escrevi, referindo-se à exposição de um governador à crítica fácil no caso da criminalidade, que bastava uma rebelião qualquer na Febem e Mário Covas já seria atacado por todos os lados. Paulo Sérgio Pinheiro me mandou várias críticas atribuindo-me, por sua evidente má leitura do artiguinho, defesa da política de segurança do governo Mário Covas, da qual pensava e dizia o pior. Poderia, agora, pelo menos não fazer o que criticava nos que foram incumbidos de direitos humanos e segurança pública -e isso não o impediria de defender o governo até no mais indefensável.
Segurança, lembra-se?, era um dos dedos das cinco promessas fundamentais de Fernando Henrique. Era uma das "promessas brancas".


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