São Paulo, domingo, 14 de julho de 2002

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PT SOB SUSPEITA

Licitações que renderam ações à Prefeitura de Santo André haviam sido considerados lícitos pela Promotoria

Contratos alvos de ação foram arquivados

LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os mesmos dois contratos que renderam à Prefeitura de Santo André, há cerca de três semanas, duas ações por improbidade administrativa (má gestão pública), com pedido de ressarcimento de cerca de R$ 46 milhões aos cofres públicos, foram considerados lícitos e, por isso, arquivados pelo Ministério Público Estadual há um ano e quatro meses.
As decisões opostas partiram de duas instâncias diferentes do Ministério Público. As ações que condenam os contratos foram assinadas por nove promotores cíveis de Santo André, no último dia 26. O pedido de arquivamento, de março de 2001, é do procurador de Justiça José Benedito Tarifa, que atuava no setor de investigação de crimes praticados por prefeitos -Celso Daniel (PT), assassinado em janeiro deste ano, era o prefeito da cidade.
O Ministério Público informou que as decisões opostas são "normais" pois partiram de esferas distintas: a criminal e a cível.
Mesmo assim, chama a atenção o fato de tanto os promotores cíveis quanto o procurador criminal terem se baseado nos mesmos pareceres do TCE (Tribunal de Contas do Estado) para justificarem atos diferentes.
Os dois polêmicos contratos envolvem a empresa Rotedali (de coleta de lixo e manutenção de aterro sanitário), o seu proprietário Ronan Maria Pinto e o secretário afastado de Serviços Municipais, Klinger Luiz de Oliveira Sousa, responsável pelas contratações e amigo do empresário.
Em um dos contratos (nš 173/ 99), a Rotedali é chamada, em caráter emergencial e sem concorrência pública, a substituir a Enterpa na prestação de serviço de limpeza pública de Santo André, por R$ 1,16 milhão.
Em outro (nš 426/98), a Rotedali venceu uma licitação para fazer a manutenção do aterro sanitário por cerca de R$ 40 milhões, durante 60 meses. Para participar do certame, o edital exigia uma caução de 1% do valor. Após ser classificada, a Rotedali alegou dificuldades financeiras e assinou um contrato com a prefeitura de R$ 6,31 milhões, por 12 meses de serviço prestado.
Nos dois casos, a Promotoria da Cidadania afirmou que a Rotedali foi favorecida e que deve ser condenada a devolver aos cofres públicos duas vezes o valor do "dano provocado", ou seja, aproximadamente R$ 46 milhões.

Emergência
A Promotoria considerou ilegal a contratação emergencial da Rotedali no primeiro contrato (nš 173/ 99), sem licitação pública. Para os promotores, a administração de Santo André "criou" ou "fabricou" a emergência com o objetivo de favorecer a empresa de Ronan Maria Pinto. A decisão dos promotores foi baseada em parecer do TCE, de 1999, que julgou irregular o contrato.
Ancorado no mesmo parecer, o procurador considerou justificável a contratação emergencial da Rotedali, principalmente porque isso representou uma economia mensal para o município de Santo André de R$ 44 mil em relação ao que era pago à antiga contratada, a Enterpa.
Tarifa disse ainda que "não há indícios de que Rotedali tenha sido favorecida" e que "não vislumbra nenhuma irregularidade na dispensa [de licitação]".
"Não há indícios de que a Rotedali tenha sido favorecida, cabendo consignar que o próprio Tribunal de Contas reconheceu não ter ocorrido prejuízo econômico-financeiro algum ao município", afirmou em seu arquivamento.

Dirigido
Em relação ao contrato nš 426/ 98, de R$ 40 milhões como valor inicial, os promotores de Cidadania e o procurador criminal usam os mesmos argumentos para conclusões distintas.
Tanto na ação civil pública quanto no despacho de arquivamento, eles citam a cláusula 7.2.8.2 do edital de convocação, que estabelece uma série de critérios obrigatórios para as licitantes participarem do certame. Exige, por exemplo, que a empresa tenha coletado pelo menos 12 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos por mês.
"Tais exigências são expressamente vedadas pela Lei de Licitações, justamente porque é uma forma de o administrador público tornar a competição restrita a um pequeno grupo de interessados e possibilitar a fraude à licitação, como de fato ocorreu", informaram os promotores cíveis.
A Promotoria considerou irregular também a redução do valor inicial do contrato de R$ 40 milhões (por 60 meses) para R$ 6,31 milhões (por 12 meses). "Com certeza, se o edital fosse no valor e no prazo contratados, inúmeras outras empresas teriam apresentado propostas."
Como prova do caráter restritivo do edital, os promotores apresentaram o resultado da licitação: das 30 empresas interessadas, 6 apresentaram propostas e apenas 2 foram habilitadas (a Rotedali e a Enterpa).
Tarifa, em seu arquivamento, apresentou uma visão diferente.
Em relação às exigências elencadas pela Prefeitura de Santo André na referida cláusula, o procurador entendeu que se tratava de uma forma de o administrador estabelecer critérios mínimos e de assegurar a contratação de uma "empresa capacitada".
Sobre a alteração do valor contratual, afirmou que a "falha" é de ordem formal.
"Além do mais, se tivesse sido realizado o estratagema criminoso para beneficiar a Rotedali, a Enterpa não seria habilitada também", concluiu o procurador.


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