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ELIO GASPARI
A polícia precisa
da lei de Serpico
Os candidatos a presidente da República começam a
se dar conta de que o eleitor brasileiro pode estar pouco se lixando para o FMI. O que ele quer é segurança pública. O que lhe levam no assalto da taxa de juros
pode não incomodar. O que incomoda é o trabuco do assaltante. Aqui vai (de novo) uma proposta para animar o debate.
Trata-se de levar a polícia brasileira a seguir a lei de Serpico: "O
policial corrupto deve ter medo
do policial honesto, e não o contrário".
Frank Serpico era um policial
nova-iorquino. Em 1972 ele denunciou policiais desonestos e
meses depois foi atender um
chamado no Brooklin. Subiu ao
andar suspeito, aproximou-se
da porta e tomou um tiro na cara. Seus colegas esperaram um
bom tempo até chamar por socorro. Ele sobreviveu, foi morar
na Suíça, e Al Pacino fez o filme.
A polícia brasileira precisa ser
enquadrada na lei de Serpico.
Os candidatos a presidente da
República podem oferecer o papel persuasório da União, bem
como sua capacidade de coordenação de iniciativas, para articular um sistema que dignifique
a polícia.
Com o salário que os Estados
pagam aos policiais, a sociedade
está comprando uma segurança
de má qualidade. E, se pagar o
dobro, vai gastar mais dinheiro
pela mesmo porcaria. As polícias corromperam-se, em graus
variáveis, porque o policial não
consegue fazer uma carreira
digna -como sucede, por
exemplo, no Ministério Público
e na magistratura.
Vale a pena lembrar que, na
calçada direita de quem sobe a
Quinta Avenida, em Nova York,
há nos apartamentos que vão
da rua 59 à rua 100 muitas centenas de milhões de dólares em
jóias e obras de arte. Enquanto
bairros do andar de cima de
Pindorama têm cancelas e exércitos privados, a Quinta Avenida tem uns velhinhos de boné,
porteiros cuja maior utilidade é
chamar um táxi. A segurança
desses prédios é feita por uma
associação de interesses entre as
companhias de seguros e as forças da lei. Não há na Quinta
Avenida uma só aquarela de saguão sem seguro, assim como no
Brasil há enormes mansões sem
seguro algum.
O governo federal pode coordenar uma moldura institucional para iniciativas estaduais
que venha a colocar o mercado
de seguros na briga pela segurança. Por meio de negociações
que exigem muita boa vontade,
o sistema financeiro e a iniciativa privada em geral podem organizar uma fundação de direito privado destinada a amparar
os policiais. Coisa assim:
Os policiais contribuem para
um fundo. Pagam R$ 50 por
mês, uma taxa simbólica, enquanto os patrocinadores ficam
com o grosso da conta. A fundação subsidia o automóvel do policial, a educação de seus filhos,
a casa própria e o complemento
da aposentadoria. Tudo isso e
mais um seguro de vida que faça diferença. Trata-se de pensar
um conjunto de incentivos que
dê ao policial civil ou militar de
carreira um nível de segurança
social que só se adquire na sociedade brasileira com uma renda familiar superior a R$ 3.000.
(Não se trata de pagar R$ 3.000
de salário, pois isso seria jogar
dinheiro fora.)
Em troca, o policial se compromete a viver com a ficha limpa, entendendo-se por ficha limpa um padrão de comportamento definido pela fundação e
aceito pelo associado. Sujou, recebe o seu dinheiro de volta e vai
passear. (A casa própria está em
nome da fundação.)
Resta uma pergunta: o que fazer com os policias de ficha
imunda? Procede-se a uma
anistia, cuja extensão será definida pelo Congresso.
Uma fundação dessas, mesmo
que seja discutida pioneiramente num só Estado, só fica de pé se
o governo federal entrar na sintonia fina da engenharia financeira. Maluquice não é. Será se
for considerado remédio infalível, ou virar uma FunPoliBrás.
Pode dar trabalho e certamente
custa dinheiro, mas o que mais
se precisa na segurança pública
brasileira é de trabalho. Dinheiro e fórmulas prontas há de sobra. Servem para custar mais
dinheiro, comprar mais viaturas, computadores e burocracia.
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