São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

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ELIO GASPARI

A polícia precisa da lei de Serpico

Os candidatos a presidente da República começam a se dar conta de que o eleitor brasileiro pode estar pouco se lixando para o FMI. O que ele quer é segurança pública. O que lhe levam no assalto da taxa de juros pode não incomodar. O que incomoda é o trabuco do assaltante. Aqui vai (de novo) uma proposta para animar o debate. Trata-se de levar a polícia brasileira a seguir a lei de Serpico: "O policial corrupto deve ter medo do policial honesto, e não o contrário".
Frank Serpico era um policial nova-iorquino. Em 1972 ele denunciou policiais desonestos e meses depois foi atender um chamado no Brooklin. Subiu ao andar suspeito, aproximou-se da porta e tomou um tiro na cara. Seus colegas esperaram um bom tempo até chamar por socorro. Ele sobreviveu, foi morar na Suíça, e Al Pacino fez o filme.
A polícia brasileira precisa ser enquadrada na lei de Serpico. Os candidatos a presidente da República podem oferecer o papel persuasório da União, bem como sua capacidade de coordenação de iniciativas, para articular um sistema que dignifique a polícia.
Com o salário que os Estados pagam aos policiais, a sociedade está comprando uma segurança de má qualidade. E, se pagar o dobro, vai gastar mais dinheiro pela mesmo porcaria. As polícias corromperam-se, em graus variáveis, porque o policial não consegue fazer uma carreira digna -como sucede, por exemplo, no Ministério Público e na magistratura.
Vale a pena lembrar que, na calçada direita de quem sobe a Quinta Avenida, em Nova York, há nos apartamentos que vão da rua 59 à rua 100 muitas centenas de milhões de dólares em jóias e obras de arte. Enquanto bairros do andar de cima de Pindorama têm cancelas e exércitos privados, a Quinta Avenida tem uns velhinhos de boné, porteiros cuja maior utilidade é chamar um táxi. A segurança desses prédios é feita por uma associação de interesses entre as companhias de seguros e as forças da lei. Não há na Quinta Avenida uma só aquarela de saguão sem seguro, assim como no Brasil há enormes mansões sem seguro algum.
O governo federal pode coordenar uma moldura institucional para iniciativas estaduais que venha a colocar o mercado de seguros na briga pela segurança. Por meio de negociações que exigem muita boa vontade, o sistema financeiro e a iniciativa privada em geral podem organizar uma fundação de direito privado destinada a amparar os policiais. Coisa assim:
Os policiais contribuem para um fundo. Pagam R$ 50 por mês, uma taxa simbólica, enquanto os patrocinadores ficam com o grosso da conta. A fundação subsidia o automóvel do policial, a educação de seus filhos, a casa própria e o complemento da aposentadoria. Tudo isso e mais um seguro de vida que faça diferença. Trata-se de pensar um conjunto de incentivos que dê ao policial civil ou militar de carreira um nível de segurança social que só se adquire na sociedade brasileira com uma renda familiar superior a R$ 3.000. (Não se trata de pagar R$ 3.000 de salário, pois isso seria jogar dinheiro fora.)
Em troca, o policial se compromete a viver com a ficha limpa, entendendo-se por ficha limpa um padrão de comportamento definido pela fundação e aceito pelo associado. Sujou, recebe o seu dinheiro de volta e vai passear. (A casa própria está em nome da fundação.)
Resta uma pergunta: o que fazer com os policias de ficha imunda? Procede-se a uma anistia, cuja extensão será definida pelo Congresso.
Uma fundação dessas, mesmo que seja discutida pioneiramente num só Estado, só fica de pé se o governo federal entrar na sintonia fina da engenharia financeira. Maluquice não é. Será se for considerado remédio infalível, ou virar uma FunPoliBrás. Pode dar trabalho e certamente custa dinheiro, mas o que mais se precisa na segurança pública brasileira é de trabalho. Dinheiro e fórmulas prontas há de sobra. Servem para custar mais dinheiro, comprar mais viaturas, computadores e burocracia.


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