São Paulo, Sábado, 14 de Agosto de 1999
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REPÚBLICA DE ALAGOAS
Ex-presidente, que pensa em candidatar-se a prefeito de SP, faz festa de nove horas
Collor, 50, tenta "recauchutar" imagem

FLÁVIA DE LEON
enviada especial a Maceió

ARI CIPOLA
da Agência Folha, em Maceió

A República de Alagoas, como ficou conhecido o grupo que dominou a política e os acontecimentos sociais do Brasil no período de 89 a 92, prepara seu retorno ao cenário nacional em estilo que em nada lembra a megalomania da era Collor.
Na comemoração dos 50 anos do líder-mor do grupo, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, o uísque Logan, o 12 anos que nunca faltou na Casa da Dinda, foi substituído por Johnny Walker oito anos. O próprio Collor mostrou seu novo gosto: uma mistura de vodca Absolut com concentrado de morango.
No lugar do champanhe Cristal, Veuve Clicquot, que acabou pouco depois da meia-noite. Petit Liquorelle, então, nem pensar. O licor de champanhe foi substituído por outros mais simples, como Amaretto, servidos em copinhos de chocolate.
A festa, que durou quase nove horas, foi no bufê Favo de Mel, que não é o melhor de Maceió. Os talheres de prata cederam lugar ao aço inox, e as taças de cristal, às de vidro. Do serviço de mesa, apenas os guardanapos lembravam os usados nos tempos do poder: eram de linho.
O guarda-roupa também mudou. A maioria das mulheres da nova República de Alagoas imitou a ex-primeira-dama Rosane Collor e deixou o tafetá de lado. Longos na cor preta dominaram a festa, mas um ou outro modelito exibiu plumas cor-de-rosa ou lantejoulas prateadas.
A própria Rosane, que tinha um Versace bordô na reserva, preferiu um modelo sóbrio, em tom cinza-claro, do inglês Alexander McQueen -"um costureiro moderno", ensinou. Collor vestiu terno Armani e gravata Zucca.
Na mão, Rosane carregou uma pequena bolsa, em forma de cachorro, com jeito de suvenir indiano. "Fernando me deu essa bolsa há muito tempo. Mas, como agora o hippie-chique voltou à moda, resolvi usar", disse.

Rei do brega
O gosto musical, porém, permanece inalterado. No início, um cantor local, Gleno Rossi, comandava o palco. Sua banda tocou inclusive o bolero "Besame Mucho", símbolo da paixão entre os ex-ministros colloridos Zélia Cardoso de Mello (Economia) e Bernardo Cabral (Justiça).
A surpresa da noite foi o show do cantor Reginaldo Rossi. "É o rei, é o rei", dizia Collor ao abraçar o amigo que embala seus comícios desde o tempo em que disputava a Assembléia Legislativa.
Quando Collor chegou ao local, às 22h45, um coral entoava a música "Amigos para Sempre", que foi repetida até o momento em que o ex-presidente já havia alcançado a metade do salão, lotado pelos 600 convidados sentados e outros 200 em pé.
"Canção da América", música de Milton Nascimento que embalou momentos de comoção nacional, como o funeral do piloto Ayrton Senna, foi cantada pelo coral e repetida no vídeo preparado por Joaquim Pedro, o filho do meio, para homenagear o pai.
O vídeo, recheado com imagens da família -inclusive uma foto ao lado do irmão Pedro Collor, autor das denúncias que levaram Collor ao impeachment- e da trajetória eleitoral e política de Collor, foi encerrado com o "Tema da Vitória", música tocada pela TV Globo sempre que Senna ganhava uma corrida.
Enquanto assistiam ao vídeo, Collor e os filhos não pararam de chorar. O mais emocionado era Fernando James Braz, 19, que hoje ostenta Collor de Mello em seu sobrenome. "No dia de seu aniversário, quem ganhou um presente fui eu. Ganhei um pai", disse no vídeo o estudante de administração que se submeteu a teste de DNA para ser reconhecido.
Arnon, o mais velho, mais parecido com o pai e que vem sendo preparado para herdar o espólio político, contou para o público dois episódios em que caiu da garupa da moto pilotada por Collor.
"(...) E você, sendo um aventureiro, viu um buraco e teve a brilhante idéia de acelerar. Não deu muito certo (...). Quero lhe dizer que, na vida, estarei sempre na sua garupa. Mas em moto, não conte comigo."
A passagem das cenas familiares para as políticas foi marcada pela declaração do irmão mais velho, Leopoldo. "Você está começando uma nova fase. É só saber levar. E eu sei que você vai saber."
No momento em que começaram a surgir imagens de comícios, do frei Damião e de encontros com autoridades estrangeiras, como o ex-presidente norte-americano George Bush, o fundo musical deu o tom: "Amanhã", popularizada por Guilherme Arantes.
Pouco antes do vídeo, Collor exibiu todo seu fôlego ao apagar, de uma só vez, as 50 velinhas que acompanhavam o bolo redondo decorado com uma bola de futebol e uma raquete de tênis.
Ao perceber sua própria façanha, Collor não resistiu e deu um soco no ar, gesto que o tornou conhecido nos discursos.
O único integrante do governo Collor (90-92) que viajou para cumprimentar o ex-chefe foi Pedro Paulo Leoni Ramos, ex-secretário de Assuntos Estratégicos, que hoje mora em São Paulo. "Não poderia deixar de vir", disse a Collor quando se encontraram.
Já os amigos do empresário Paulo César Farias, assassinado em 96, mantiveram a fidelidade que marcou o relacionamento de Collor com seu ex-tesoureiro.
"O sonho não acabou", afirmou na chegada o piloto Jorge Bandeira, que ao lado de Collor, PC e outros respondeu a processo no Supremo Tribunal Federal. Bandeira afirmou que "faria tudo de novo" e que servirá a Collor como piloto ou "como o que ele precisar" em uma próxima campanha.
Flavio Almeida, chefe da segurança de PC e ex-namorado de Suzana Marcolino, que morreu ao lado do ex-tesoureiro, foi cumprimentar Collor. E até mesmo o advogado tributarista de PC, Paulo Jacinto, marcou presença.
Dos Farias, só apareceu Luiz Romero, ex-presidente da extinta Central de Medicamentos do governo. O deputado federal Augusto está recluso desde que delegados responsáveis pela nova investigação sobre a morte de PC, admitiram indiciá-lo no inquérito.
O presidente do sindicato dos usineiros, Jorge Toledo, resumiu a importância dos convidados. "Acho que é uma manifestação regional. Basta ver que 100% do PIB (Produto Interno Bruto) alagoano está presente", afirmou.
Entre os políticos locais, 14 dos 27 deputados estaduais, o vice-governador, Geraldo Sampaio (PDT), o presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Jairon Maia Fernandes, do Tribunal de Justiça, Orlando Manso, e o do Tribunal de Contas do Estado, Luiz Eustáquio.

"V" de vitória
Collor tentou camuflar o espírito político do encontro, mas não conseguiu. No discurso após o parabéns, ele se traiu: "Meu coração não guarda mágoa nem ressentimento. (...) Este Brasil tem solução, tem um grande destino a cumprir e vai achar a saída para essa crise em que nos encontramos. O povo saberá escolher seus representantes".
No encerramento, a auto-traição final: "Mesmo que por força da política tenha de me distanciar de Alagoas, meu coração estará aqui". Collor cogita candidatar-se a prefeito de São Paulo.
Ao sair, às 5h42, entrou no carro de Rosane, cuja placa explica a pretensão política do ex-presidente: MUP (Mais Uma Presidente) 2002. Nesse momento, Collor virou-se para os fotógrafos e fez o "V" da vitória com os dedos.
Rosane foi a grande redimida da festa. A mulher que amargou a humilhação pública de ver o marido esfregar o dedo para mostrar que estava sem a aliança, foi chamada de "grande mulher" por várias pessoas, inclusive Collor.
A colunista social da "Gazeta de Alagoas", de propriedade de Collor, Cândida Palmeira, chegou a dizer que a festa era da ex-primeira-dama e deu a Rosane a responsabilidade pelo bem-estar físico e emocional do ex-presidente.
Collor fez deferência a Rosane até no momento em que anunciou que o jantar seria servido, no final de seu discurso. "Não é nenhuma buchada (de bode) do Canapi (cidade natal de Rosane). Mas me disseram que é muito bom", afirmou.


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