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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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RALOS DA REPÚBLICA

Controladoria Geral da União fiscalizou 81 cidades do país

Verba social "evapora" na corrupção dos municípios

ELVIRA LOBATO
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

As verbas repassadas a fundo perdido pelo governo federal, sob a forma de convênios e de programas de complementação de renda, são o principal foco de corrupção, fraudes e irregularidades nas 81 prefeituras fiscalizadas neste ano, após sorteio, pela Controladoria Geral da União.
Entre os programas com mais indícios de fraudes estão os convênios da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) para construção de redes de água e esgoto e instalação de banheiros domiciliares em regiões carentes, no programa de erradicação de doenças. Outros dois grandes focos de problemas são os repasses dos ministérios da Educação e da Integração Nacional.
Dos 4.500 convênios da Funasa, 500 estão sob tomada de contas especial, por suspeita de desvios. As obras são administradas pelas prefeituras, que entram com contrapartida de 10% dos custos. Os 90% restantes vêm da União.
Os relatórios da CGU mostram dezenas de casos de desvio de dinheiro da Funasa. A prefeitura de Oiapoque (AP) desperdiçou R$ 96.400 destinados à construção de um sistema de abastecimento de água na aldeia Kumarumã.
Segundo a fiscalização, a obra parou nos alicerces, mas o dinheiro foi gasto. A prefeitura confirma o desvio e atribui a responsabilidade ao prefeito afastado Milton Rodrigues (PMDB). Ela diz que está investigando a destinação do dinheiro.
Em Taperoá (BA), obras de um sistema de abastecimento, que custaram R$ 100 mil à Funasa, estão igualmente abandonadas.
O auditor-chefe da Funasa, Rômulo Lins, diz que as informações trazidas pelos auditores da CGU que visitaram os municípios não o surpreendem. Ele afirma que a Caixa Econômica Federal passará a fiscalizar a execução dos projetos e que só estão sendo liberados novos recursos após comprovada a execução dos já concedidos.

"Sovaco de aleijado"
O programa Bolsa Escola, do Ministério da Educação, também aparece nos relatórios da CGU como uma fonte de fraudes. Em Cachoeira do Piriá (PA), os fiscais flagraram a chefe de gabinete do prefeito, uma diretora da rede municipal de ensino e um vereador entre as famílias contempladas com o complemento de renda mínima do governo de R$ 15 por mês por criança.
Segundo a CGU, os três têm rendimento familiar acima do teto admitido para o cadastramento das famílias (R$ 90 mensal per capita) e não poderiam receber o benefício.
O prefeito da cidade, Ademir Oliveira, do PSDB, diz que reprova o comportamento deles, mas que aceitou a argumentação que lhe apresentaram de que também são pobres. ""Somos o município mais pobre do Pará. A cidade inteira sofre mais do que sovaco de aleijado", diz o prefeito.

Ociosidade no DNOCS
No pequeno município de Alvorada do Gurguéia (4.211 habitantes, no Piauí), os fiscais da CGU acharam 32 funcionários do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, do Ministério da Integração Nacional) completamente ociosos.
No local, está um dos seis projetos de irrigação construídos pelo DNOCS no Piauí nos anos 70.
Ele custou cerca de US$ 50 milhões e se encontra sucateado. Da estrutura original, para irrigação de 1.800 hectares, restam apenas 300 hectares irrigados, que produzem feijão com baixíssima produtividade.
O quadro desolador se completa com a falência da cooperativa dos produtores de Gurguéia, formada por famílias assentadas pelo governo federal, que tomaram empréstimos no Banco do Nordeste para comprar equipamentos agrícolas e hoje acumulam R$ 5 milhões em dívidas.
Para o coordenador do DNOCS no Piauí, José Carvalho Rufino, o projeto Gurguéia é símbolo do mau gerenciamento do dinheiro público de vários governos.
Rufino diz que o departamento tem 38 projetos de irrigação em situação semelhante no Nordeste e que a meta do departamento é recuperá-los.
No município de Vicentina (MS, a 240 Km de Campo Grande), o ginásio construído com R$ 143 mil repassados, a fundo perdido, pelo Ministério dos Esportes desabou dez meses depois de inaugurado, em outubro de 2000. Como a recuperação foi orçada em R$ 250 mil, a construção foi definitivamente abandonada.
O prefeito da cidade, Francisco Figueiredo (PMDB), diz que entrou com ação judicial para que seja identificado o responsável pela má qualidade do projeto, executado na gestão de seu antecessor, Odilson Dias (PSDB). Não foi feita a prestação de contas e o município ficou inadimplente perante o governo federal, diz ele.
Entre os exemplos de mau uso do dinheiro público pinçados pela Folha nas auditorias da CGU está a construção de uma granja comunitária e de um matadouro em Amajari (RR).
As obras custaram R$ 888 mil e o dinheiro foi repassado à prefeitura, a fundo perdido, pela Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus).
As construções estão prontas desde 1998, mas nunca funcionaram. O motivo, segundo o secretário de finanças do município, Alzani Gladson, é a inexistência de energia elétrica.



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