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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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NO PLANALTO

Terrorismo espreita Lula, Alencar e ministros

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O repórter buscava informações sobre cartões de crédito. Súbito, deu de cara com o furo jornalístico. O terror amedronta Brasília. Quem informa é o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) da Presidência.
Aqui se revelou, em 16 de novembro, que o Planalto reservara R$ 4,8 milhões para despesas com cartões de crédito corporativos em 2003. Em carta à Folha, a Casa Civil queixou-se da conclusão de que havia muito dispêndio e pouca transparência. Exigiu "reavaliação".
O raciocínio, diz a carta, poderia "dar margem para que se crie a falsa impressão de que se gasta de modo impróprio, o que não corresponde à marca de seriedade e transparência que tem caracterizado este governo".
Seduzido pela "transparência" da gestão petista, o repórter também enviou carta a José Dirceu. Pediu acesso aos extratos dos cartões de crédito da Presidência.
A resposta veio na quarta-feira. Em certidão, o secretário de Administração do Planalto, general Romeu Costa Ribeiro Bastos, atualizou o montante de despesas. Entre janeiro e outubro de 2003, o Planalto gastou com cartões R$ 5,045 milhões.
Negou-se acesso aos extratos. O "detalhamento" dos gastos, anotou o general Romeu, constitui "informação reservada". A divulgação colocaria em risco a "segurança do Estado".
Cioso da fragilidade do Estado, o repórter pediu, em contato verbal com subordinados de Dirceu, que lhe fosse fornecida ao menos uma lista com a discriminação genérica dos gastos. Nada feito.
Em nota aprovada pelo general Wellington Fonseca, chefe interino do GSI, alegou-se que "nem sequer valores nominais globais, discriminados por natureza de despesas devem ser divulgados".
Diz a nota: "No tocante à segurança presidencial, os assuntos revestem-se de especial cautela, pois a simples informação sobre compra de alimentos poderá aferir o número de pessoas que serão alimentadas ou o tipo de consumo alimentar capaz de ser atingido por atos de terrorismo".
Também "merecem proteção" as despesas com locação de veículos, hospedagem e transportes, porque "dizem respeito à segurança do chefe de Estado, do vice-presidente e respectivos familiares, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência e de outras autoridades".
Movido por curiosidade descabida, o repórter não se deu conta da mina que se esconde sob o dinheiro de plástico. Mina de pólvora, bem entendido.
Criado por FHC, o cartão de crédito governamental experimentou sob Lula um vertiginoso incremento. Há hoje 106 repartições públicas servindo-se da facilidade.
Só no Planalto, há cerca de 30 cartões. São manuseados por igual número de funcionários. Têm licença para gastar. Oito deles, a serviço dos gabinetes de Lula e dos ministros palacianos, respondem por despesas levadas à contabilidade oficial sob a rubrica "peculiaridades".
Esses oito servidores respondem por R$ 4,356 milhões dos R$ 5,045 milhões consumidos com cartões até outubro. O dinheiro pagou de comida a diárias de hotel. Gastos secretos, descobre-se agora.
Feitas as contas, restaram R$ 689 mil em dispêndios cujo detalhamento não ofereceria munição aos terroristas. Curioso incorrigível, o repórter pediu para ver os extratos relativos a esse universo. Foi atendido. Numa sala do Planalto, pôde manusear uma pilha de processos. Pinçaram-se alguns gastos.
Chama-se Maria da Penha Pires a servidora que administra o cartão de crédito posto à disposição do ministro Luiz Gushiken (Secom). Paga, por exemplo, despesas com "viagens a serviço".
Gushiken trabalha muito em São Paulo. Dá duro até nos finais de semana. Hospedou-se "a serviço" no Caesar Park de 15 a 17 de agosto (sexta a domingo). Ficou no mesmo hotel de 22 a 25 de agosto (sexta a segunda).
Entre 19 e 21 de setembro (sexta a domingo), preferiu acomodar-se "a serviço" no Hotel Cadoro. Afora as diárias, consumiu seis águas, três guaranás, um café, um chá, um suco de frutas, um almoço completo e um beirute de filé mignon (R$ 584).
Não foram franqueados ao repórter comprovantes de gastos de colegas de Gushiken. Entre eles Dirceu e Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência).
Os cartões da Presidência bancam também despesas com a segurança dos filhos de Lula e Marisa. Quatro deles moram em São Bernardo do Campo. Alugou-se uma casa na cidade para abrigar os agentes. Promoveram-se adaptações no imóvel. Coisa barata.
Em 28 de agosto, a firma Casimiro Equipamentos Industriais recebeu R$ 700 para subir o muro da casa e instalar portão e grades de proteção. Dinheiro sacado de cartão gerido pelo GSI. Em 29 de setembro, a Casimiro amealhou mais R$ 330. A nota fiscal menciona, de novo, o muro, o portão e as grades.
A mesma Casimiro recebeu, em 1º de outubro, um terceiro pagamento -mais R$ 750. A nota fiscal informa que se referem, de novo, ao portão, às grades e ao muro.
Como casa com três portões, camada tripla de grades e muro nas nuvens é coisa que nem o medo do terrorismo justifica, é provável que se tenha fracionado a despesa para acomodá-la nos limites do cartão (R$ 800 por compra, no caso do GSI).
Reconheça-se, porque é de justiça, que o grosso dos papéis manuseados tem aparência asséptica. A despeito de incluírem inúmeras compras de conveniência duvidosa: biscoitos, chocolates, doces, bolos, brioches, salgados, mussarela, presunto, cervejas, vasos de violeta e um interminável etc.
É pena que a ameaça terrorista impeça o acesso aos extratos que registram as despesas de Lula e de seu mais seleto grupo de auxiliares. Somam, não é demasiado repetir, R$ 4,356 milhões. Feitos assim, na escuridão própria das coisas secretas, todos esses gastos são pardos.


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