São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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ANÁLISE

Ações simples e frutos magníficos

ANDRÉ RICARDO DE SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Além de ser o trabalho social mais visível e admirado no Brasil, a Pastoral da Criança é também a entidade nacional que mais reúne voluntários: 260 mil pessoas, sendo 92% de mulheres e a absoluta maioria de áreas pobres. Valendo-se da capilaridade das comunidades católicas, atende mensalmente cerca de 2 milhões de crianças menores de seis anos, 80 mil gestantes e 1,4 milhão de famílias carentes em mais de 4.000 municípios. De fato, milhões de vidas foram salvas através dessa obra, liderada até 12 de janeiro último pela pediatra e sanitarista Zilda Arns Neumann.
Em 1982, viúva havia cinco anos, doutora Zilda foi incentivada por seu irmão, dom Paulo Evaristo Arns, a implementar a proposta de James Grant, então diretor-executivo do Unicef, de desenvolver no Brasil um projeto para combater a mortalidade infantil, provocada sobretudo pela diarreia. No Paraná, ela começou a realizar o sonho da sua formação, ao orientar e formar "multiplicadores" na instrução a gestantes e mães de recém-nascidos sobre como transformar sal, açúcar e água em soro. Além disso, passaram a transmitir conhecimentos sobre educação alimentar, amamentação, vacinas e prevenção de doenças.
A Pastoral da Criança ficou conhecida também por produzir e distribuir uma composição barata (casca de ovo, folha de mandioca e algumas sementes), chamada "multimistura" e usada no combate à desnutrição. Doutora Zilda logo atraiu para seu projeto profissionais tais como médicos, dentistas e professores. Como resultado, a mortalidade de crianças nas áreas em que a pastoral está presente é de 13 a cada mil nascidas vivas, contra a média de 34,6 do restante do país.
A pastoral também promove alfabetização de adultos e combate à violência doméstica. Seu trabalho teve apoio dos ministérios da Saúde e da Educação, e de outras instituições públicas e privadas. Zilda disseminou seu projeto para 15 países pobres da América Latina, da África e da Ásia, contando com o aval de organismos como Unicef, Unesco e Organização Pan-Americana de Saúde. Um ano após a morte de uma filha em acidente automobilístico, em 2004, doutora Zilda começou a organizar a Pastoral da Pessoa Idosa, que reúne hoje 12 mil voluntários, atendendo 100 mil idosos por mês. Em 2008, ela formalizou a Pastoral Internacional da Criança no intuito de levar seu trabalho a outros países, como o Haiti.
Todo o trabalho social dessa médica lhe rendeu muitos prêmios honoríficos nacionais e internacionais, inclusive a indicação quatro vezes pelo governo brasileiro ao Nobel da Paz. Em 2006, foi uma das escolhidas pelo projeto "Mil Mulheres" da ONG suíça Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz. No Brasil, Zilda Arns teve liderança nas instâncias representantes da sociedade civil na interlocução com o poder público federal, sobretudo no Conselho Nacional de Saúde e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Católica conservadora e crítica da mera transferência de renda como forma de enfrentar a desigualdade social, doutora Zilda também incomodou feministas e governistas. Mas o feito que a coloca em posição destacada na história foi ter ensinado mães humildes a orientar mães semelhantes a como salvar e fortalecer seus filhos.


ANDRÉ RICARDO DE SOUZA é pesquisador da PUC-SP e doutor em sociologia pela USP com a tese "Igreja, Política e Economia Solidária" (2006).


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