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ANÁLISE
Ações simples e frutos magníficos
ANDRÉ RICARDO DE SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Além de ser o trabalho social
mais visível e admirado no Brasil, a Pastoral da Criança é também a entidade nacional que
mais reúne voluntários: 260
mil pessoas, sendo 92% de mulheres e a absoluta maioria de
áreas pobres. Valendo-se da capilaridade das comunidades católicas, atende mensalmente
cerca de 2 milhões de crianças
menores de seis anos, 80 mil
gestantes e 1,4 milhão de famílias carentes em mais de 4.000
municípios. De fato, milhões de
vidas foram salvas através dessa obra, liderada até 12 de janeiro último pela pediatra e sanitarista Zilda Arns Neumann.
Em 1982, viúva havia cinco
anos, doutora Zilda foi incentivada por seu irmão, dom Paulo
Evaristo Arns, a implementar a
proposta de James Grant, então diretor-executivo do Unicef, de desenvolver no Brasil
um projeto para combater a
mortalidade infantil, provocada sobretudo pela diarreia. No
Paraná, ela começou a realizar
o sonho da sua formação, ao
orientar e formar "multiplicadores" na instrução a gestantes
e mães de recém-nascidos sobre como transformar sal, açúcar e água em soro. Além disso,
passaram a transmitir conhecimentos sobre educação alimentar, amamentação, vacinas
e prevenção de doenças.
A Pastoral da Criança ficou
conhecida também por produzir e distribuir uma composição barata (casca de ovo, folha
de mandioca e algumas sementes), chamada "multimistura" e
usada no combate à desnutrição. Doutora Zilda logo atraiu
para seu projeto profissionais
tais como médicos, dentistas e
professores. Como resultado, a
mortalidade de crianças nas
áreas em que a pastoral está
presente é de 13 a cada mil nascidas vivas, contra a média de
34,6 do restante do país.
A pastoral também promove
alfabetização de adultos e combate à violência doméstica. Seu
trabalho teve apoio dos ministérios da Saúde e da Educação,
e de outras instituições públicas e privadas. Zilda disseminou seu projeto para 15 países
pobres da América Latina, da
África e da Ásia, contando com
o aval de organismos como
Unicef, Unesco e Organização
Pan-Americana de Saúde. Um
ano após a morte de uma filha
em acidente automobilístico,
em 2004, doutora Zilda começou a organizar a Pastoral da
Pessoa Idosa, que reúne hoje 12
mil voluntários, atendendo 100
mil idosos por mês. Em 2008,
ela formalizou a Pastoral Internacional da Criança no intuito
de levar seu trabalho a outros
países, como o Haiti.
Todo o trabalho social dessa
médica lhe rendeu muitos prêmios honoríficos nacionais e
internacionais, inclusive a indicação quatro vezes pelo governo brasileiro ao Nobel da Paz.
Em 2006, foi uma das escolhidas pelo projeto "Mil Mulheres" da ONG suíça Mulheres
para o Prêmio Nobel da Paz.
No Brasil, Zilda Arns teve liderança nas instâncias representantes da sociedade civil na
interlocução com o poder público federal, sobretudo no
Conselho Nacional de Saúde e
no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social. Católica conservadora e
crítica da mera transferência
de renda como forma de enfrentar a desigualdade social,
doutora Zilda também incomodou feministas e governistas. Mas o feito que a coloca em
posição destacada na história
foi ter ensinado mães humildes a orientar mães semelhantes a como salvar e fortalecer
seus filhos.
ANDRÉ RICARDO DE SOUZA é pesquisador da
PUC-SP e doutor em sociologia pela USP com a
tese "Igreja, Política e Economia Solidária"
(2006).
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