|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONGRESSO
"Não é Sarney o principal responsável. O Fernando Henrique é o maior responsável", afirma senador pefelista a assessores
Derrotado, ACM errou e diz que foi traído
FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Antonio Carlos Magalhães sofreu ontem sua maior derrota na
política nacional. Mesmo com as
evidências apontando para seu
fracasso, insistiu numa estratégia
equivocada.
O senador tenta minimizar seus
erros atribuindo a perda de ontem ao que classifica de traição
por parte de José Sarney e do presidente Fernando Henrique Cardoso -além de uma posição subserviente de seu partido, o PFL, ao
Palácio do Planalto.
Um episódio relatado por ele
próprio revela sua mágoa com o
ex-presidente. "Cada uma dessas
pedras é uma traição que ele cometeu na vida", disse ao saber da
operação para a retirada de vesícula, cheia de pedras, a que se submeteu Sarney no dia 3 passado.
Ontem, como era previsto, Sarney não se lançou candidato à
presidência do Senado. O senador
pelo PMDB do Amapá repetiu várias vezes a frase "serei candidato"
para o cacique do PFL baiano.
ACM acreditou. Quando percebeu que poderia estar compreendendo erradamente a intenção de
Sarney, já era tarde para encontrar uma solução viável.
A versão é confirmada não só
por ACM. É fato relatado também
por políticos do PMDB, do PFL,
do PSDB e do PT. Sarney não falou ontem. A Folha procurou-o
várias vezes, mas ele não respondeu aos pedidos de entrevista.
Em conversas com aliados, Sarney relata ter resistido às ofertas
de ACM. Queria ser candidato
apenas se fosse de consenso. Isso
nunca foi possível. Acabou não
fazendo o jogo que ACM queria.
Mas não foi apenas uma história
de traição a grande derrota protagonizada por ACM e pelo PFL ontem. Houve muito erro de cálculo
por parte do até ontem principal
líder pefelista.
Desde quando decidiu mudar
sua imagem, ao assumir a presidência do Senado há quatro anos,
ACM foi municiado de pesquisas
de opinião quinzenais ou semanais, analisadas pelo marqueteiro
Fernando Barros, da agência de
publicidade Propeg, da Bahia.
ACM foi convencido de que higienizaria seu perfil adotando a
bandeira da moralidade e da ética.
Depois de comandar o processo
de cassação do senador Luiz Estevão, em junho do ano passado,
passou a combater Jader Barbalho. Jader era o adversário perfeito para as pretensões carlistas: tinha uma longa lista de acusações
de corrupção no seu currículo,
embora não tivesse sido condenado em nenhuma.
Destruir a candidatura de Jader
atenderia também a dois propósitos de ACM. Primeiro, reforçaria
sua imagem de neomoralista. Segundo, solaparia os plano do
PMDB de ser o parceiro preferencial de FHC na sucessão presidencial de 2002.
De quebra, ACM acreditava que
sua cruzada moralista o ajudaria a
vencer a barreira a seu nome entre os eleitores das regiões Sul e
Sudeste para uma eventual candidatura à Presidência.
Deu tudo errado para aquele
que se considerava imbatível. Jader venceu a eleição para presidente do Senado. O PMDB é, pelo
menos no momento, o parceiro
preferencial do PSDB para 2002. E
ACM continua sem se viabilizar
como candidato a presidente da
República -na última pesquisa
Datafolha, de dezembro, o senador baiano marcou apenas 6%.
A equação de ACM falhou também pelo fato de o PMDB ter sofrido amplas mudanças nos últimos anos. Jader conseguiu, na
presidência, unificar a cúpula
partidária em torno de si.
O grupo de Jader percebeu que
o jogo seria duro em março de
2000. ACM comprou uma disputa pública contra o governo, em
defesa de um salário mínimo
equivalente a US$ 100. O PMDB se
alinhou a FHC. Houve discursos
acalorados.
A degradação das acusações foi
constante no ano passado. ACM e
Jader se chamaram, várias vezes,
de "ladrão" e "corrupto".
Na ânsia de se mostrar o porta-voz da moralidade, ACM acabou
cometendo erros táticos e de avaliação política. Atacou o FHC ao
dar uma entrevista para correspondentes estrangeiros, em 11 de
dezembro. Disse que o presidente
era "tolerante" com a corrupção.
Esse tipo de atitude acabou jogando cada vez mais o Planalto na linha de apoio a Jader.
Até outubro do ano passado,
havia no Congresso a impressão
de que o veto de ACM a Jader vingaria. Mas o PMDB deu um golpe
matemático e fatal no baiano.
No dia em que o deputado federal Inocêncio Oliveira (PFL-PE)
anunciou sua candidatura a presidente da Câmara, 22 de novembro, o PSDB e o PMDB se uniram
para eleger Aécio Neves (PSDB-MG). Juntos, PSDB e PMDB têm
202 deputados (39,4% dos 513). O
PFL tem cem. Daí em diante, o
PFL só andou ladeira abaixo.
Nem o jovem deputado tucano
Aécio Neves, 40, acreditava que
poderia ter chances reais de vitória. Por causa de ACM, passou a
disputar e ganhou o terceiro cargo na hierarquia da República.
Todas as tentativas de ACM para neutralizar Jader fracassaram.
A operação mais malsucedida foi
tentar viabilizar Sarney. "Com a
sua obsessão, o Antonio Carlos
acabou inviabilizando o Sarney,
pois o carimbou como candidato
do ACM", diz Aloizio Mercadante
(PT-SP). "Foi o veto de ACM que
viabilizou minha candidatura",
repetia Jader desde novembro.
Foram vários os nomes tentados por ACM. Entre eles, os senadores José Fogaça (PMDB-RS),
Pedro Simon (PMDB-RS), Lúcio
Alcântara (PSDB-CE), Arthur da
Távola (PSDB-RJ) e Jefferson Péres (PDT-AM).
No caso de Jefferson Péres,
ACM procura transferir a culpa
pelo fracasso para seu partido, o
PFL. "Sou contra. Se for para
apoiar um senador de oposição,
posso até apresentar a proposta
para a Executiva do partido. Mas,
ao mesmo tempo, o PFL entregará todos os cargos que tem", disse
o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), numa conversa reservada da cúpula do PFL.
A expressão "entregará todos os
cargos" fez o PFL recuar e negar
apoio a Péres.
Quando ficou claro que Sarney
não concorreria, ACM lembrou-se do comportamento conciliador
do maranhense: "O Sarney é muito frouxo. Uma vez fui ao Maranhão para a inauguração de uma
estrada com o nome do Luís
Eduardo Magalhães. Ao chegar, a
imprensa começou a perguntar
sobre questões locais, e eu apontei
para o Sarney, que estava ao meu
lado. A Roseana (Sarney) interrompeu na hora: "Nada de Sarney.
Aqui no Maranhão quem fala
agora sou eu, que sou a governadora". Ela disse isso na frente do
pai, dos repórteres. Fiquei estupefato. O Sarney não reagiu".
É quase impossível precisar a
razão pela qual ACM insistiu tanto em Sarney, sabendo que o ex-presidente tem uma quase compulsão pela não-agressão.
A única explicação são as sucessivas ambiguidades que o maranhense usou no trato com ACM.
O embate decisivo se deu em 30
de janeiro, uma terça-feira.
O PMDB marcara essa data para reunir sua bancada e escolher
um candidato oficial do partido a
presidente do Senado. "Eles vão
ter mais de seis defecções. Podem
ser até nove", dizia um confiante
ACM às 22h da véspera do dia 30.
É fato que pelo menos seis peemedebistas tinham prometido ao pefelista que resistiriam a Jader, segundo a Folha apurou.
Dos 26 senadores peemedebistas, 25 compareceram. Jader ganhou de goleada: 23 a 2. Só Sarney
faltou. No dia seguinte, telefonou
no final da tarde para ACM. Eram
19h25. "Quando eu falo que ele
deve ajudar a arranjar uma opção,
já que ele não é candidato, dá a
impressão de que Sarney continua no páreo", filosofou ACM
após pôr o telefone no gancho.
Na realidade, o telefonema de
Sarney apenas deixou um pouco
mais claro o cenário que se desenhava, de derrota pefelista. Sobretudo pela perda de eficiência do
PFL, partido considerado antes o
mais bem-sucedido no trabalho
de bastidores.
A cada investida de ACM, os
peemedebistas agiam para neutralizar. A última ocorreu anteontem. Por algumas horas, José Fogaça (PMDB-RS) foi o candidato
do PFL. Mas Jader e seu grupo
abortaram a tentativa.
Ontem de manhã, a qualidade
das articulações em torno de
ACM revelavam que o fracasso
estava próximo. As duas principais ligações que ele recebeu foram de Eduardo Suplicy (PT-SP)
e Roberto Requião (PMDB-PR).
ACM atendeu os dois com paciência, mas pouca esperança. Suplicy sugeriu que o ideal era convencer Jader a desistir e indicar
outro nome. Requião tinha proposta ainda mais rocambolesca: o
PFL apoiaria a candidatura a presidente da Câmara do petista
Aloizio Mercadante, em troca de
receber os votos da oposição no
Senado a favor de Arlindo Porto
(PTB-MG).
ACM ponderou com Suplicy
que o ideal seria Jefferson Péres
indicar quem seria o seu candidato predileto no PMDB. Esse senador seria procurado e receberia a
garantia de que seu nome teria o
apoio da oposição e do PFL.
Para não constranger o peemedebista, o nome seria lançado "à
revelia". Mas ACM fez uma ressalva: "Tem de estar tudo combinado. O regimento permite candidatos lançados à revelia. Mas temos de articular".
De novo, ACM amargou um
fracasso. Pouco antes de sair para
o Senado, às 11h48, ACM já havia
atendido um telefonema do senador Jefferson Péres. O pedetista
não fez menção à estratégia.
Antonio Carlos Magalhães teve
um grande revés pessoal há quase
três anos. Seu filho predileto, Luís
Eduardo, morreu em abril de
1998. O episódio tirou de ACM
um dos artigos mais caros aos políticos: a perspectiva de poder.
Aos 73 anos, está saindo da presidência do Senado. Não tem
mais o filho que seria quase com
certeza um dos mais fortes candidatos a presidente pela aliança governista. E é o responsável maior
pela derrota de Inocêncio Oliveira
(PFL-PE) na Câmara.
A morte de Luís Eduardo tirou
dos pefelistas o peso que teriam
em 2002. Muitos dirigentes da sigla estão incomodados com o
baiano, mas sabem que a maior
força do partido está na Bahia.
Em 2000, no primeiro turno para as eleições municipais, o PFL
teve 12,973 milhões de votos. Desses, 1,958 milhão veio das cidades
baianas (15,1% do total).
Mesmo assim, aguarda-se agora
a abertura de um vácuo no carlismo. ACM terá quase que obrigatoriamente de voltar-se para a Bahia. E talvez ser candidato ao governo estadual em 2002.
ACM também tem dois problemas na política nacional. Primeiro, na direção nacional de seu partido. Embora não publicamente,
uma parcela razoável dos pefelistas torceu pela sua derrota. "Há
um clima de revanche contra o
Antonio Carlos", resumiu Sarney
para um aliado anteontem.
No Palácio do Planalto, FHC
também teve prazer em ver ACM
enfraquecido -embora negue isso ao baiano toda vez que o encontra. Essa ambiguidade levou
ACM a revelar a assessores suas
mágoas: "Não é Sarney o principal responsável. O Fernando
Henrique é o maior responsável".
O tempo pode arrefecer os sentimentos do baiano, mas hoje ele
nutre um ódio por Jader e FHC,
de forma equânime.
A saúde do pefelista já esteve
pior no passado. "Há dois dias
durmo muito bem, até para minha surpresa", afirmou ontem.
Seu último exame de sangue
mostra que o médico ACM está
bem para seus 73 anos. Antes de
sair de Salvador no último dia 5,
ACM coletou uma amostra de
sangue para análise. À tarde, já
em Brasília, recebeu o resultado.
Ao ler o fax, tranquilizou-se. Exceto por um único item. "O triglicérides está muito alto." O senador tinha 405 mg de triglicérides
(um tipo de gordura ruim). O nível normal é em torno de 200.
"Estou bem disposto. Se eu perder, volto um pouco para a Bahia.
E depois passo a percorrer um
pouco o Brasil. Você vai ver como
será a reação das pessoas nas ruas
de São Paulo daqui a quatro meses", prognosticou ontem.
Ao prever o pior, ACM discutiu
com assessores como faria a
transferência de cargo a Jader
Barbalho. Impôs uma condição:
"A mão dele eu não aperto". A
saída foi encontrada pelo próprio
baiano: "Vou dizer: "Convido
Vossa Excelência para assumir a
presidência do Senado". Fico observando por qual escada ele vai
subir. Aí, desço pela outra". Cumpriu rigorosamente o que havia
previsto. Às 18h55, Jader Barbalho subiu pelo lado direito. ACM
desceu pelo lado esquerdo.
Texto Anterior: Eleições/Senado: Duelo ACM-Jader começa na piscina de FHC Próximo Texto: Pefelista ataca os Três Poderes na despedida Índice
|