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São Paulo, sábado, 15 de março de 2003

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ARTIGO

O caminho das pedras

MAURO MORELLI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Segundo a mídia, o projeto Fome Zero estaria afundando depois de dois meses e meio de inauguração do novo governo.
Dentro do limite de minhas competências, isto é, como integrante do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e militante do direito ao alimento e à nutrição desde 1993, ousaria apontar o caminho das pedras aos condutores da proposta.
Além da burocracia que amargura a vida dos governantes e muito mais do povo, nos palácios se aninham as víboras das intrigas e maledicências. Rixas e disputas de poder solapam projetos e fazem ruir as esperanças do povo.
O bom ministro do combate à fome foi empurrado pelos seus assessores mais diretos para o caminho que percorreu. De modo especial, gostaria de entender por que o assessor religioso do presidente se meteu numa seara onde jamais trabalhou. Com o aprendizado do tempo da UNE, nada mais vai conseguir do que inventar a roda e atropelar não só o ministro, mas toda a sociedade brasileira! Falo daquilo que fui testemunha, pois estive ao lado do professor José Graziano durante o processo de elaboração da proposta até o início da segunda quinzena de dezembro.
O pobre ministro foi induzido a propor a criação de um ministério que não foi criado e nem deveria ter sido. Deram-lhe apenas um gabinete, um balcão e um conselho sem autonomia.
Se o presidente quiser ver a proposta avançar e o povo curtir a vida com dignidade e esperança, sugiro que retome a proposta original. Que o Consea tenha autonomia e instrumentos para conduzir amplo diálogo que culmine numa conferência nacional de segurança alimentar sustentável. Definidas as diretrizes, metas e prioridades da promoção do direito humano básico ao alimento e à nutrição, crie-se então a secretaria nacional de segurança alimentar para cuidar do processo de planejamento e da articulação das parcerias com os outros ramos e níveis do poder e das organizações da sociedade civil.
O ministro Graziano sempre foi e deverá continuar sendo um bom assessor e amigo ao lado do presidente Lula. Fico intrigado e sem entender por que não daria certo não só o Fome Zero, mas o próprio governo Lula. Não o elegemos na dúvida ou por falta de alternativa! Com a autenticidade e o carisma do presidente e pessoas de excepcional gabarito no ministério, o que falta no governo é a opção pelo planejamento.
A vitória de Lula tem de se transformar numa auto-estrada de participação e de cidadania. Coisa mais sem graça e perigosa, um governo ciumento e fechado sobre si mesmo.


Dom Mauro Morelli, 67, é bispo católico de Duque de Caxias (RJ) e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.


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