São Paulo, domingo, 15 de abril de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ROMBO AMAZÔNICO

Osmar Borges, citado no caso Sudam, conheceu senador em 94

Empresário diz que amizade com Jader "atrapalhou muito"

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ele se chama José Osmar Borges. Seu nome virou sinônimo de irregularidade. Frequenta o noticiário como maior fraudador da Sudam. Acusam-no de ter desviado mais de R$ 100 milhões em verbas da autarquia. Os valores são corrigidos.
Na última sexta, Osmar Borges quebrou o silêncio. Em entrevista à Folha, defendeu-se pela primeira vez. Revelou que mantém, desde 94, relações de amizade com Jader Barbalho (PMDB-PA). "Atrapalhou muito."
O cipoal de denúncias trouxe "desgaste" à relação. Ainda assim, conversaram antes e depois da eleição de Jader para a presidência do Senado, realizada em 15 de fevereiro.
Osmar Borges fala da sociedade que manteve com a mulher de Jader, Márcia Cristina Zahluth Centeno, numa fazenda no Pará.
E explica por que depositou cheques na conta de José Artur Guedes Tourinho, um dos apadrinhados que o senador acomodou na chefia da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia).
O empresário se nega a falar sobre as notas fiscais. Uma delas figura nos arquivos da Sudam com um valor (R$ 486 mil) e no talonário do fornecedor com outro (R$ 26,00). "Estou numa aura superior a essa coisa de notas", diz o empresário.
Ele desafia o procurador Pedro Taques, seu principal algoz, a visitar as suas empresas. "Ele poderia ir ticando, a bico de lápis, cada item que eu me comprometi a adquirir nos projetos da Sudam." Abaixo, a entrevista.

Folha - Quanto o sr. recebeu em recursos da Sudam?
José Osmar Borges -
Em números aproximados: Pyramid Confecções, R$ 9 milhões; Royal Etiquetas, R$ 9 milhões; Pyramid Agropastoril, R$ 22 milhões; Santa Júlia, R$ 11 milhões; Moinho Santo Antônio, R$ 10 milhões; Saint Germany, R$ 22 milhões. Somando tudo, R$ 83 milhões, desde 91.

Folha - Quanto ainda tem para receber?
Osmar Borges -
Uns R$ 100 milhões.

Folha - Em que estágio se encontram os empreendimentos?
Osmar Borges -
Estão implantados: Pyramid Confecções, Royal Etiquetas, Pyramid Agropastoril e Agropecuária Santa Júlia. A Saint Germany está em implantação, com 90% do projeto funcionando. O Moinho Santo Antônio está com 7.000 metros de área construída e o maquinário adquirido.

Folha - Quantos empregos o sr. gera em suas empresas?
Osmar Borges -
Antes das denúncias, cheguei a ter 1.400 funcionários. Quando começaram as denúncias, eu estava com aproximadamente 900 empregados. Com todas as perdas que tive, o número de funcionários ainda passa de 600. Se não tiver nenhum impedimento judicial, fecho o ano com mais de mil empregos.

Folha - O Ministério Público diz que o sr. é um dos maiores fraudadores da Sudam. É verdade?
Osmar Borges -
A Procuradoria da República está 100% errada. Eles se detêm em documentos e nunca se preocuparam em fazer uma visita física a cada projeto. Se o procurador Pedro Taques visitasse os projetos, poderia ir ticando, a bico de lápis, cada item que me comprometi a adquirir.

Folha - A Receita Federal e a Secretaria Federal de Controle também acham que o sr. cometeu irregularidades. Há um complô?
Osmar Borges -
Não foi assim: a Procuradoria, depois a Receita e depois a Secretaria de Controle. Eles não foram às minhas empresas separadamente. Fizeram um time, foi de uma vez.

Folha - Suas empresas levaram notas frias aos arquivos da Sudam?
Osmar Borges -
Imagina, imagina. Não tem nada disso.

Folha - O sr. foi multado pela Receita em R$ 80 milhões, não?
Osmar Borges -
Recorri e ganhei mais da metade do débito. Restaram R$ 40 milhões. Aderi ao Refis e estou pagando mensalmente.

Folha - O sr. diz que não há notas frias. Mas a Santa Júlia, firma de sua propriedade, arquivou na Sudam nota de compra de máquinas na Rondomaq, por R$ 486 mil. A Receita foi à Rondomaq. Manuseando o talonário da empresa, encontrou aquela mesma nota com um valor de R$ 26,00. Isso não é nota fria?
Osmar Borges -
Não sou credenciado para falar sobre documentos fiscais. Prefiro dizer que os tratores foram comprados. Estão e estavam na fazenda. Se reclamam da saúde do documento fiscal, o que posso dizer?
Digo que comprei os tratores. Não sei se hoje aqueles tratores a que você se refere estão na fazenda porque faz muito tempo. Talvez eles já tenham sido até trocados. A Santa Júlia é o projeto mais antigo que eu tenho.

Folha - Há outras notas. Uma delas registra a compra de três caminhões na firma Gravataí, por R$ 182 mil. No talonário da empresa, verificado pela Receita, está registrada a compra de um rolamento de R$ 132,00. Outra, referente à compra de uma Toyota na empresa Canopus por R$ 42 mil, virou aquisição de uma barra de ligação e pivô de limpador de pára-brisas, ao custo de R$ 15,00. Nota de compra de implementos agrícolas de R$ 111 mil, da firma Jocar, virou compra de peças de reposição para tratores de R$ 356,00. Ou há uma bagunça na contabilidade de todas essas empresas ou houve fraude em seus empreendimentos.
Osmar Borges -
Sobre a Toyota e os três caminhões, eu tenho em mãos os certificados de registro no Detran, que o Ministério Público diz que eu não tenho.

Folha - Quem investigou coletou o número das placas e do chassi de cada veículo nos arquivos da Sudam. Depois, bateu com o Detran. Os dados dos certificados que o sr. tem em mãos conferem com os registrados na Sudam?
Osmar Borges -
Como eu disse, a Santa Júlia é um projeto muito antigo. Se não é esse, é porque foram substituídos. O que quero dizer é que os carros estão lá. Eu estou numa aura superior a essa coisa de notas fiscais e vou me ater a isso, se você me deixar.

Folha - O sr. responde o que quiser, mas a dúvida permanece.
Osmar Borges -
Quem sou eu para dizer que a minha nota fiscal é 100% correta e quem está errada é a pessoa que me vendeu? Não sou perito nisso.

Folha - Não é preciso ser perito para ver que uma nota de R$ 486 mil não pode virar outra de R$ 26.
Osmar Borges -
A minha nota é de R$ 486 mil.

Folha - O problema então é da empresa que vendeu?
Osmar Borges -
Não estou dizendo isso. Não sou perito. Digo que o bem existe e que eu autorizei o pagamento com uma nota de R$ 486 mil.

Folha - O sr. concorda que é estranho que notas de determinado valor, quando confrontadas com as vias dos talonários, ganhem valores muito inferiores?
Osmar Borges -
Concordo plenamente. Alguma coisa está errada. Mas sustento que comprei o bem, paguei por ele e ele está no ativo imobilizado de minhas empresas.

Folha - Como o sr. conheceu o senador Jader Barbalho?
Osmar Borges -
Eu o conheci em 94. Nessa época, já estava com três projetos implantados. Fui a uma fazenda dele, na companhia do doutor Frederico Alberto de Andrade, superintendente da Sudam na época. Ele me apresentou ao senador.

Folha - Depois o sr. adquiriu uma fazenda vizinha à do senador?
Osmar Borges -
Sim, foi em 96.

Folha - Por que, afinal, justamente a mulher do senador virou sua sócia nessa fazenda?
Osmar Borges -
Naquela época, eu tinha 12 empresas. Sou e era muito ocupado. Partiu de mim a iniciativa de pedir à atual mulher do senador, a dona Márcia, que fizesse parte da sociedade, mesmo sendo com uma quantia pequena de ações. Se precisasse, ela podia representar a empresa lá no Pará e seria também alguma coisa para ela ter ocupação.

Folha - Por que o senador Jader adquiriu toda a fazenda em 98?
Osmar Borges -
Em 96, essa fazenda foi invadida por mais de 200 famílias sem terra. Fiz uma romaria. Fui ao Incra, ao Ibama, à Secretaria da Justiça do Estado. Consegui reintegração de posse. O secretário da Justiça à época não quis ou não pôde executá-la.
Transmiti o meu desgosto ao senador e ele se dispôs a comprar a propriedade. No momento da compra, em 98, ela ainda estava invadida.

Folha - O sr. é amigo do senador?
Osmar Borges -
Não sou um amigo íntimo, mas sou amigo.

Folha -Essa amizade o ajudou a liberar recursos na Sudam?
Osmar Borges -
Quando eu o conheci, tinha três projetos implantados e outro em fase de implantação. Depois disso, só houve pepino. Atrapalhou muito.

Folha - O senador indicou dois dos últimos três superintendentes da Sudam. Deveria ter facilitado, não?
Osmar Borges -
Se não facilitasse, era para no mínimo ter sido neutro. Pelo que eu sei, foi ele mesmo quem indicou o Tourinho [José Artur Guedes Tourinho, ex-superintendente da Sudam". Da entrada de Tourinho para cá, só fui atrapalhado.

Folha - Não por conta do senador Jader nem do Tourinho, mas por causa das investigações iniciadas pelo Ministério Público.
Osmar Borges -
Lógico. Até hoje me pergunto o porquê dessa investigação. Se você dissecar qualquer empresa do jeito que dissecaram as minhas, nenhuma passa sem a descoberta de alguma coisa irregular. Isso não existe, é utopia.

Folha - As denúncias prejudicaram a sua amizade com o senador?
Osmar Borges -
Houve desgaste.

Folha - O sr. não tem falado mais com ele?
Osmar Borges -
Muito raramente.

Folha - Quando foi a última fez que conversaram?
Osmar Borges -
Foi antes da eleição dele para a presidência do Senado. Acho que falei uma vez depois disso com ele.

Folha - A Polícia Federal encontrou depósitos do sr. na conta do José Artur Guedes Tourinho. Por que foram feitos?
Osmar Borges -
Quando conheci o Tourinho, ele era diretor da Diban, órgão do Banco da Amazônia que libera recursos da Sudam. Na época, o Tourinho era uma pessoa muito apertada. Ele tinha uma chácara e queria vender. Empresário com tantos projetos, eu ia muito à sala dele. Ele propôs que eu comprasse a chácara. Comprei e pagava parceladamente. Nesse intervalo, ele se tornou superintendente da Sudam. Eu tinha pago não mais que R$ 60 mil. Ao assumir a Sudam, ele disse que não queria mais vender a chácara, queria morar nela. Desfizemos o negócio. Ele me devolveu o dinheiro.

Folha - Da transação não resultou nenhum documento. Não é estranho?
Osmar Borges -
Ele ficou de passar a escritura. Mas o tempo foi muito curto. Tudo dentro do ano de 96. Fizemos um documento, com firma reconhecida, de quando ele me devolveu o dinheiro. Um empresário com o nível de patrimônio que eu tenho não iria emitir um cheque nominal e depositar na conta do beneficiário se tivesse comprado favores dele. Seria imaginar que a minha inteligência é muito pequena.

Folha - O sr. acha que a Sudam deve ser extinta?
Osmar Borges -
Acho que deve ser feita uma reformulação geral. Extinguir jamais. A Sudam e a Sudene são as molas propulsoras dos Estados pobres.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Desvios na Sudam chegam a R$ 1,963 bi
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.