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ROMBO AMAZÔNICO
Osmar Borges, citado no caso Sudam, conheceu senador em 94
Empresário diz que amizade com Jader "atrapalhou muito"
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ele se chama José Osmar Borges. Seu nome virou sinônimo de
irregularidade. Frequenta o noticiário como maior fraudador da
Sudam. Acusam-no de ter desviado mais de R$ 100 milhões em
verbas da autarquia. Os valores
são corrigidos.
Na última sexta, Osmar Borges
quebrou o silêncio. Em entrevista
à Folha, defendeu-se pela primeira vez. Revelou que mantém, desde 94, relações de amizade com
Jader Barbalho (PMDB-PA).
"Atrapalhou muito."
O cipoal de denúncias trouxe
"desgaste" à relação. Ainda assim,
conversaram antes e depois da
eleição de Jader para a presidência do Senado, realizada em 15 de
fevereiro.
Osmar Borges fala da sociedade
que manteve com a mulher de Jader, Márcia Cristina Zahluth Centeno, numa fazenda no Pará.
E explica por que depositou
cheques na conta de José Artur
Guedes Tourinho, um dos apadrinhados que o senador acomodou na chefia da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento
da Amazônia).
O empresário se nega a falar sobre as notas fiscais. Uma delas figura nos arquivos da Sudam com
um valor (R$ 486 mil) e no talonário do fornecedor com outro (R$
26,00). "Estou numa aura superior a essa coisa de notas", diz o
empresário.
Ele desafia o procurador Pedro
Taques, seu principal algoz, a visitar as suas empresas. "Ele poderia
ir ticando, a bico de lápis, cada
item que eu me comprometi a adquirir nos projetos da Sudam."
Abaixo, a entrevista.
Folha - Quanto o sr. recebeu em
recursos da Sudam?
José Osmar Borges - Em números aproximados: Pyramid Confecções, R$ 9 milhões; Royal Etiquetas, R$ 9 milhões; Pyramid
Agropastoril, R$ 22 milhões; Santa Júlia, R$ 11 milhões; Moinho
Santo Antônio, R$ 10 milhões;
Saint Germany, R$ 22 milhões.
Somando tudo, R$ 83 milhões,
desde 91.
Folha - Quanto ainda tem para receber?
Osmar Borges - Uns R$ 100 milhões.
Folha - Em que estágio se encontram os empreendimentos?
Osmar Borges - Estão implantados: Pyramid Confecções, Royal
Etiquetas, Pyramid Agropastoril e
Agropecuária Santa Júlia. A Saint
Germany está em implantação,
com 90% do projeto funcionando. O Moinho Santo Antônio está
com 7.000 metros de área construída e o maquinário adquirido.
Folha - Quantos empregos o sr.
gera em suas empresas?
Osmar Borges - Antes das denúncias, cheguei a ter 1.400 funcionários. Quando começaram as
denúncias, eu estava com aproximadamente 900 empregados.
Com todas as perdas que tive, o
número de funcionários ainda
passa de 600. Se não tiver nenhum
impedimento judicial, fecho o
ano com mais de mil empregos.
Folha - O Ministério Público diz
que o sr. é um dos maiores fraudadores da Sudam. É verdade?
Osmar Borges - A Procuradoria
da República está 100% errada.
Eles se detêm em documentos e
nunca se preocuparam em fazer
uma visita física a cada projeto. Se
o procurador Pedro Taques visitasse os projetos, poderia ir ticando, a bico de lápis, cada item que
me comprometi a adquirir.
Folha - A Receita Federal e a Secretaria Federal de Controle também acham que o sr. cometeu irregularidades. Há um complô?
Osmar Borges - Não foi assim: a
Procuradoria, depois a Receita e
depois a Secretaria de Controle.
Eles não foram às minhas empresas separadamente. Fizeram um
time, foi de uma vez.
Folha - Suas empresas levaram
notas frias aos arquivos da Sudam?
Osmar Borges - Imagina, imagina. Não tem nada disso.
Folha - O sr. foi multado pela Receita em R$ 80 milhões, não?
Osmar Borges - Recorri e ganhei
mais da metade do débito. Restaram R$ 40 milhões. Aderi ao Refis
e estou pagando mensalmente.
Folha - O sr. diz que não há notas
frias. Mas a Santa Júlia, firma de
sua propriedade, arquivou na Sudam nota de compra de máquinas
na Rondomaq, por R$ 486 mil. A Receita foi à Rondomaq. Manuseando
o talonário da empresa, encontrou
aquela mesma nota com um valor
de R$ 26,00. Isso não é nota fria?
Osmar Borges - Não sou credenciado para falar sobre documentos fiscais. Prefiro dizer que os tratores foram comprados. Estão e
estavam na fazenda. Se reclamam
da saúde do documento fiscal, o
que posso dizer?
Digo que comprei os tratores.
Não sei se hoje aqueles tratores a
que você se refere estão na fazenda porque faz muito tempo. Talvez eles já tenham sido até trocados. A Santa Júlia é o projeto mais
antigo que eu tenho.
Folha - Há outras notas. Uma delas registra a compra de três caminhões na firma Gravataí, por R$
182 mil. No talonário da empresa,
verificado pela Receita, está registrada a compra de um rolamento
de R$ 132,00. Outra, referente à
compra de uma Toyota na empresa
Canopus por R$ 42 mil, virou aquisição de uma barra de ligação e pivô de limpador de pára-brisas, ao
custo de R$ 15,00. Nota de compra
de implementos agrícolas de R$
111 mil, da firma Jocar, virou compra de peças de reposição para tratores de R$ 356,00. Ou há uma bagunça na contabilidade de todas
essas empresas ou houve fraude
em seus empreendimentos.
Osmar Borges - Sobre a Toyota e
os três caminhões, eu tenho em
mãos os certificados de registro
no Detran, que o Ministério Público diz que eu não tenho.
Folha - Quem investigou coletou
o número das placas e do chassi de
cada veículo nos arquivos da Sudam. Depois, bateu com o Detran.
Os dados dos certificados que o sr.
tem em mãos conferem com os registrados na Sudam?
Osmar Borges - Como eu disse, a
Santa Júlia é um projeto muito
antigo. Se não é esse, é porque foram substituídos. O que quero dizer é que os carros estão lá. Eu estou numa aura superior a essa
coisa de notas fiscais e vou me ater
a isso, se você me deixar.
Folha - O sr. responde o que quiser, mas a dúvida permanece.
Osmar Borges - Quem sou eu para dizer que a minha nota fiscal é
100% correta e quem está errada é
a pessoa que me vendeu? Não sou
perito nisso.
Folha - Não é preciso ser perito
para ver que uma nota de R$ 486
mil não pode virar outra de R$ 26.
Osmar Borges - A minha nota é
de R$ 486 mil.
Folha - O problema então é da
empresa que vendeu?
Osmar Borges - Não estou dizendo isso. Não sou perito. Digo que
o bem existe e que eu autorizei o
pagamento com uma nota de R$
486 mil.
Folha - O sr. concorda que é estranho que notas de determinado valor, quando confrontadas com as
vias dos talonários, ganhem valores muito inferiores?
Osmar Borges - Concordo plenamente. Alguma coisa está errada.
Mas sustento que comprei o bem,
paguei por ele e ele está no ativo
imobilizado de minhas empresas.
Folha - Como o sr. conheceu o senador Jader Barbalho?
Osmar Borges - Eu o conheci em
94. Nessa época, já estava com três
projetos implantados. Fui a uma
fazenda dele, na companhia do
doutor Frederico Alberto de Andrade, superintendente da Sudam
na época. Ele me apresentou ao
senador.
Folha - Depois o sr. adquiriu uma
fazenda vizinha à do senador?
Osmar Borges - Sim, foi em 96.
Folha - Por que, afinal, justamente a mulher do senador virou sua
sócia nessa fazenda?
Osmar Borges - Naquela época,
eu tinha 12 empresas. Sou e era
muito ocupado. Partiu de mim a
iniciativa de pedir à atual mulher
do senador, a dona Márcia, que fizesse parte da sociedade, mesmo
sendo com uma quantia pequena
de ações. Se precisasse, ela podia
representar a empresa lá no Pará e
seria também alguma coisa para
ela ter ocupação.
Folha - Por que o senador Jader
adquiriu toda a fazenda em 98?
Osmar Borges - Em 96, essa fazenda foi invadida por mais de
200 famílias sem terra. Fiz uma
romaria. Fui ao Incra, ao Ibama, à
Secretaria da Justiça do Estado.
Consegui reintegração de posse.
O secretário da Justiça à época
não quis ou não pôde executá-la.
Transmiti o meu desgosto ao senador e ele se dispôs a comprar a
propriedade. No momento da
compra, em 98, ela ainda estava
invadida.
Folha - O sr. é amigo do senador?
Osmar Borges - Não sou um amigo íntimo, mas sou amigo.
Folha -Essa amizade o ajudou a liberar recursos na Sudam?
Osmar Borges - Quando eu o conheci, tinha três projetos implantados e outro em fase de implantação. Depois disso, só houve pepino. Atrapalhou muito.
Folha - O senador indicou dois
dos últimos três superintendentes
da Sudam. Deveria ter facilitado,
não?
Osmar Borges - Se não facilitasse,
era para no mínimo ter sido neutro. Pelo que eu sei, foi ele mesmo
quem indicou o Tourinho [José
Artur Guedes Tourinho, ex-superintendente da Sudam". Da entrada de Tourinho para cá, só fui
atrapalhado.
Folha - Não por conta do senador
Jader nem do Tourinho, mas por
causa das investigações iniciadas
pelo Ministério Público.
Osmar Borges - Lógico. Até hoje
me pergunto o porquê dessa investigação. Se você dissecar qualquer empresa do jeito que dissecaram as minhas, nenhuma passa
sem a descoberta de alguma coisa
irregular. Isso não existe, é utopia.
Folha - As denúncias prejudicaram a sua amizade com o senador?
Osmar Borges - Houve desgaste.
Folha - O sr. não tem falado mais
com ele?
Osmar Borges - Muito raramente.
Folha - Quando foi a última fez
que conversaram?
Osmar Borges - Foi antes da eleição dele para a presidência do Senado. Acho que falei uma vez depois disso com ele.
Folha - A Polícia Federal encontrou depósitos do sr. na conta do
José Artur Guedes Tourinho. Por
que foram feitos?
Osmar Borges - Quando conheci
o Tourinho, ele era diretor da Diban, órgão do Banco da Amazônia que libera recursos da Sudam.
Na época, o Tourinho era uma
pessoa muito apertada. Ele tinha
uma chácara e queria vender. Empresário com tantos projetos, eu
ia muito à sala dele. Ele propôs
que eu comprasse a chácara.
Comprei e pagava parceladamente. Nesse intervalo, ele se tornou
superintendente da Sudam. Eu tinha pago não mais que R$ 60 mil.
Ao assumir a Sudam, ele disse que
não queria mais vender a chácara,
queria morar nela. Desfizemos o
negócio. Ele me devolveu o dinheiro.
Folha - Da transação não resultou
nenhum documento. Não é estranho?
Osmar Borges - Ele ficou de passar a escritura. Mas o tempo foi
muito curto. Tudo dentro do ano
de 96. Fizemos um documento,
com firma reconhecida, de quando ele me devolveu o dinheiro.
Um empresário com o nível de
patrimônio que eu tenho não iria
emitir um cheque nominal e depositar na conta do beneficiário se
tivesse comprado favores dele. Seria imaginar que a minha inteligência é muito pequena.
Folha - O sr. acha que a Sudam deve ser extinta?
Osmar Borges - Acho que deve
ser feita uma reformulação geral.
Extinguir jamais. A Sudam e a Sudene são as molas propulsoras
dos Estados pobres.
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