São Paulo, domingo, 15 de abril de 2001

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JANIO DE FREITAS

Proteção aos corruptos

A fórmula imaginada pelo governo para frear revelações de corrupção e refrear procuradores da República - os não submissos, claro - tem duas qualidades. Por sua natureza, é censura disfarçada; por sua obtusidade, um resumo perfeito do que são a lucidez e a decência disponíveis no governo.
Primeiro, Fernando Henrique Cardoso propôs, fez o Congresso aprovar e sancionou, em outubro do ano passado, uma alteração no Código Penal. A partir de então, ficava sujeito a processo criminal quem provocasse ação investigatória (mesmo que só em âmbito administrativo) ou suscitasse ação judicial, por atribuir "a alguém crime de que o soubesse inocente".
Já neste ano, os doutores planaltinos descobriram que muitas das revelações jornalísticas e das providências de procuradores atingiam o governo em cheio, mas se referiam a ilicitudes não caracterizáveis, propriamente, como crimes. A alteração no Código Penal, o velho Código que resiste desde l940, estava furada.
Os funileiros jurídicos do Planalto prepararam, o ministro José Gregori subscreveu e Fernando Henrique mandou ao Congresso, recentemente, um projeto de alteração da alteração. Saiu crime, entrou fato: ..."por atribuir a alguém fato de que o sabe inocente".
Pronto, assim caberia tudo. Mas o que cabe, mesmo, é nada. Como será provado que o responsável pela revelação ou o procurador sabe - efetiva, irrefutável e antecipadamente - que o sujeito do "fato" em questão é inocente?
No que respeita a futuras publicações aqui, fica tudo resolvido desde já: declaro, para todos os fins, não saber da inocência de Fernando Henrique Cardoso seja no que for. Muito pelo contrário. Deixo dita a mesma coisa sobre quem quer que esteja no governo ou tenha estado. Quem quiser processar, que processe, mas querer fazê-lo com arma obtusa e indigna, é recurso ultrapassado.
Pode-se ir mais longe, por solidariedade: fique também estabelecido, desde logo, que só os fernandistas, explícitos ou fantasiados, são passíveis do processo criminal se disserem, por descuido, alguma coisa útil. Afinal de contas, são os únicos a "saber" que quem está no poder (seja quem for e que poder for) é sempre um inocente angelical, porque no atual governo não há corrupção.

Definição
Era só uma figura esquisita, um tipo indefinível porque indefinido. Diziam que estudou com Hannah Arendt e era entusiasta do pensamento de Norberto Bobbio, duas recomendações de idéias refratárias a arbitrariedades e restrições à liberdade de pensamento e expressão.
Era o que diziam de Celso Lafer. Sua volta ao ministério como se nada houvesse acontecido, embora dele tivesse saído em dispensa humilhante praticada por Fernando Henrique, emitiu uma primeira definição. Completaram-na os dois únicos atos perceptíveis de Celso Lafer como ministro das Relações Exteriores.
Baixou um ucasse proibindo os funcionários de expor, fora do ministério, discordâncias com o ministro. Em seguida, exonerou do instituto de pesquisa do Itamaraty, por se opor ao pretendido acordo de livre comércio com os EUA, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, este, sim, pessoa nítida - pela inteligência, pela capacidade e, antes de tudo, pela liberdade de ser ele mesmo.
Diziam, mas Celso Lafer não provou.

Desastradas
Ainda se pode dizer que seja tendência, em vez de falar em preferência, quando se trata do tipo desastroso de escolhas de Anthony Garotinho para os cargos relevantes do seu governo.
Agora mesmo, está envolto em dois casos escabrosos, ambos decorrentes de nomeações iguais aos casos que criaram. A Cohab, entidade que deveria multiplicar casas populares, somou tantas irregularidades que a novela parece não ter fim. Há poucos dias, descobriu-se que um dos nomeados, Átila Nunes Neto, transformou o Procon em entidade de benefício de empresas acusadas por consumidores. Em troca, nem se precisaria dizer, de volumosos nicolaus. Tudo tão sem cerimônia, que até empresa foi criada para melhorar o faturamento.
Na última semana, Anthony Garotinho exonerou o secretário de Transportes. Fica a impressão de que o fez porque Luiz Salomão não produziu escândalos. O escolhido para substituí-lo é Albuíno Azeredo, versão antecipada e ampliada, quando governou o Espírito Santo, de Celso Pitta em São Paulo. Diz o suficiente, a respeito, que Albuíno Azeredo associou ao governo o autor do golpe da Ferrovia Norte-Sul, a fraude (fracassada) na concorrência de bilhões.
A nomeação é mais do que uma promessa no governo Garotinho.


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