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JANIO DE FREITAS
Proteção aos corruptos
A fórmula imaginada pelo
governo para frear revelações de corrupção e refrear procuradores da República - os
não submissos, claro - tem
duas qualidades. Por sua natureza, é censura disfarçada; por
sua obtusidade, um resumo perfeito do que são a lucidez e a decência disponíveis no governo.
Primeiro, Fernando Henrique
Cardoso propôs, fez o Congresso
aprovar e sancionou, em outubro do ano passado, uma alteração no Código Penal. A partir de
então, ficava sujeito a processo
criminal quem provocasse ação
investigatória (mesmo que só em
âmbito administrativo) ou suscitasse ação judicial, por atribuir
"a alguém crime de que o soubesse inocente".
Já neste ano, os doutores planaltinos descobriram que muitas das revelações jornalísticas e
das providências de procuradores atingiam o governo em cheio,
mas se referiam a ilicitudes não
caracterizáveis, propriamente,
como crimes. A alteração no Código Penal, o velho Código que
resiste desde l940, estava furada.
Os funileiros jurídicos do Planalto prepararam, o ministro José Gregori subscreveu e Fernando Henrique mandou ao Congresso, recentemente, um projeto
de alteração da alteração. Saiu
crime, entrou fato: ..."por atribuir a alguém fato de que o sabe
inocente".
Pronto, assim caberia tudo.
Mas o que cabe, mesmo, é nada.
Como será provado que o responsável pela revelação ou o
procurador sabe - efetiva, irrefutável e antecipadamente -
que o sujeito do "fato" em questão é inocente?
No que respeita a futuras publicações aqui, fica tudo resolvido desde já: declaro, para todos
os fins, não saber da inocência
de Fernando Henrique Cardoso
seja no que for. Muito pelo contrário. Deixo dita a mesma coisa
sobre quem quer que esteja no
governo ou tenha estado. Quem
quiser processar, que processe,
mas querer fazê-lo com arma
obtusa e indigna, é recurso ultrapassado.
Pode-se ir mais longe, por solidariedade: fique também estabelecido, desde logo, que só os
fernandistas, explícitos ou fantasiados, são passíveis do processo
criminal se disserem, por descuido, alguma coisa útil. Afinal de
contas, são os únicos a "saber"
que quem está no poder (seja
quem for e que poder for) é sempre um inocente angelical, porque no atual governo não há
corrupção.
Definição
Era só uma figura esquisita,
um tipo indefinível porque indefinido. Diziam que estudou com
Hannah Arendt e era entusiasta
do pensamento de Norberto
Bobbio, duas recomendações de
idéias refratárias a arbitrariedades e restrições à liberdade de
pensamento e expressão.
Era o que diziam de Celso Lafer. Sua volta ao ministério como
se nada houvesse acontecido,
embora dele tivesse saído em dispensa humilhante praticada por
Fernando Henrique, emitiu
uma primeira definição. Completaram-na os dois únicos atos
perceptíveis de Celso Lafer como
ministro das Relações Exteriores.
Baixou um ucasse proibindo
os funcionários de expor, fora do
ministério, discordâncias com o
ministro. Em seguida, exonerou
do instituto de pesquisa do Itamaraty, por se opor ao pretendido acordo de livre comércio com
os EUA, o embaixador Samuel
Pinheiro Guimarães, este, sim,
pessoa nítida - pela inteligência, pela capacidade e, antes de
tudo, pela liberdade de ser ele
mesmo.
Diziam, mas Celso Lafer não
provou.
Desastradas
Ainda se pode dizer que seja
tendência, em vez de falar em
preferência, quando se trata do
tipo desastroso de escolhas de
Anthony Garotinho para os cargos relevantes do seu governo.
Agora mesmo, está envolto em
dois casos escabrosos, ambos decorrentes de nomeações iguais
aos casos que criaram. A Cohab,
entidade que deveria multiplicar
casas populares, somou tantas
irregularidades que a novela parece não ter fim. Há poucos dias,
descobriu-se que um dos nomeados, Átila Nunes Neto, transformou o Procon em entidade de
benefício de empresas acusadas
por consumidores. Em troca,
nem se precisaria dizer, de volumosos nicolaus. Tudo tão sem
cerimônia, que até empresa foi
criada para melhorar o faturamento.
Na última semana, Anthony
Garotinho exonerou o secretário
de Transportes. Fica a impressão
de que o fez porque Luiz Salomão não produziu escândalos. O
escolhido para substituí-lo é Albuíno Azeredo, versão antecipada e ampliada, quando governou o Espírito Santo, de Celso
Pitta em São Paulo. Diz o suficiente, a respeito, que Albuíno
Azeredo associou ao governo o
autor do golpe da Ferrovia Norte-Sul, a fraude (fracassada) na
concorrência de bilhões.
A nomeação é mais do que
uma promessa no governo Garotinho.
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