São Paulo, domingo, 15 de abril de 2001

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QUESTÃO AGRÁRIA

Após invasão de prédios públicos, movimento enfrenta desgaste de imagem e críticas de aliados

MST vive estado de penúria cinco anos depois de massacre

MALU GASPAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O aniversário do massacre de 19 sem-terra em Eldorado do Carajás (PA) será diferente desta vez: o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) vive penúria financeira, desgaste de imagem e está distanciado de seus tradicionais aliados no movimento social. Há quatro anos, o dia 17 de abril serve a manifestações de força do MST.
"O movimento vive um impasse que ele mesmo criou", resume o sociólogo Zander Navarro, que já participou de invasões na década de 80 e hoje dirige a pós-graduação em desenvolvimento agrário da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Para ele, o momento é o pior para o MST desde a década de 90, quando despontou como raro movimento social em atividade.
O maior problema dos sem-terra é a falta de dinheiro. Pela primeira vez na década, as entidades ligadas ao MST pararam de receber o dinheiro de convênios com o governo federal. Por meio desses convênios, destinados à capacitação profissional ou à saúde nos assentamentos, por exemplo, o governo calcula que já chegou a repassar ao MST de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões por ano.
Por determinação do presidente Fernando Henrique Cardoso, estão cortados desde o ano passado convênios dos ministérios com entidades ligadas ao movimento. A justificativa é a de que não podem receber dinheiro público entidades que invadem prédios públicos ou terras cultivadas. Os já existentes foram mantidos. Cooperativas dos assentamentos que são alvos de investigação pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) também perderam repasses.
"O governo está numa ofensiva contra nós", afirma o dirigente nacional do MST Jaime Amorim. Segundo ele, o movimento sobrevive de "doações e da ajuda dos amigos" e continua tendo a mesma capacidade de mobilização.
A cúpula do movimento já previa dificuldades. No início do ano, seus dirigentes se reuniram com o presidente do PT, José Dirceu, e previram um endurecimento do governo. A alternativa seria intensificar negociações com os Estados e as ações locais. "O governo federal tem de negociar e não ficar tentando criminalizar o MST", afirmou Dirceu.
"O governo negocia todos os dias, mas não pode tolerar as invasões", diz o ministro Raul Jungmann (Desenvolvimento Agrário). As invasões de prédios públicos e os saques, que o MST começou a fazer a partir de 97, criaram um impasse político para o movimento. Concebidas como estratégia para pressionar o governo, as ações indispuseram a opinião pública com os sem-terra e iniciaram o afastamento de antigos aliados, como a CUT e a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
O distanciamento começou após a marcha a Brasília em abril de 97. "Eles começaram a planejar atividades em separado e até mesmo antes da gente, nos mesmos locais. Também discordamos da invasão e depredação de prédios públicos", diz Manoel dos Santos, presidente da Contag, um dos raros a fazer críticas públicas ao MST. O maior motivo do racha é a ocupação pelo MST de 36 áreas já invadidas pela Contag.
"Temos estratégias diferentes de luta, mas nos respeitamos. Não vou fazer nenhuma declaração desabonadora ao MST", afirma João Felício, presidente da CUT.
Reservadamente, a cúpula do PT critica o MST pelas ações violentas, apontadas como um risco para a imagem do partido nas eleições de 2002.
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) parou de intermediar as negociações entre o governo e o movimento. Mas o presidente da CNBB, d. Jayme Chemello, disse recentemente que a igreja aceita a invasão de terra se ela for uma estratégia adotada eventualmente.
O governo reagiu à radicalização do MST. Além do corte dos convênios, uma medida provisória proibiu que terras invadidas fossem avaliadas para reforma agrária por dois anos.Com uma nova invasão, esse prazo dobra.


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