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JANIO DE FREITAS
Acima das versões
O incidente em torno do
possível uso de tropa militar, na repressão aos traficantes
que se abrigam em favelas cariocas, foi menos simples e mais revelador da atualidade do que as
versões, criadas por diferentes
conveniências políticas, lhe atribuíram.
O emprego de tropa militar não
estava em cogitação, seja pelo governo fluminense ou pelo federal,
em nenhum momento entre a
eclosão da violência na Rocinha,
na noite de quinta para sexta-feira passadas, e as palavras do ministro da Justiça a respeito, na segunda-feira. Indagado sobre a
possível decisão do governo federal de empregar tropa militar ou
o estado de defesa (sugestão intrigante de Cesar Maia), Márcio
Thomaz Bastos disse que o governo se disporia a ambas se a governadora Rosinha Matheus o
solicitasse.
Secretário de Segurança fluminense, Anthony Garotinho telefonou ao comandante militar do
Leste, general Manuel Luis de
Castro, na terça-feira. Informava-o de que seria pedida tropa
militar para incorporar-se à ação
contra traficantes nas favelas. O
general reagiu de imediato, com
o argumento conhecido e reconhecido como convincente: a tropa do Exército não tem preparo
para tal tarefa, razão pela qual a
solicitação deveria ser sustada.
O argumento do secretário, porém, não foi menos fundado, para reafirmar o propósito da solicitação: feita publicamente a
oferta do governo federal, o governo fluminense ficava compelido a aceitá-la porque, se a desprezasse e sobreviesse um fato
grave, seria acusado inclusive pelo governo federal.
O general foi mais rápido. Logo
o ministro da Justiça telefonava a
Anthony Garotinho, mas não teria, mesmo, como remover as razões do governo fluminense para
não se expor ao risco de recusar a
oferta federal. Argumento que se
bastava, mas o secretário quis saborear demais a entaladela em
que ficaram seus adversários do
governo Lula e, na aceitação pública da oferta de tropas, esqueceu que ironias não precisam ser
sublinhadas.
Nas versões que se seguiram, a
posição do Exército não apareceu jamais. O governo federal
não pôde revelar essa recusa, sob
pena de criar outro incidente, e
ficou ele mesmo como tendo oferecido e depois recuado. Ao governo fluminense interessava
sair da armadilha e, de quebra,
ainda ganhou o reconhecimento
de que controlava a situação na
Rocinha. Mas a questão fundamental permanece.
Quais são as responsabilidades
das Forças Armadas e, particularmente, do Exército em relação
à segurança? Quando o texto original da Constituição, o texto
elaborado pelos constituintes,
conferiu às Forças Armadas a
responsabilidade pela chamada
segurança externa, o general
Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército no governo Sarney, foi portado da exigência dos
militares de que a Constituição
lhes entregasse, explicitamente
no texto, a responsabilidade pela
segurança externa e interna. E,
claro, assim foi feito.
Desde o governo Fernando
Henrique, o Exército ficou de habilitar parte de sua tropa, como
foi divulgado, para a eventualidade de ameaças mais extremadas à segurança pública. De outra parte, as fronteiras corrompidas pelo contrabando de armas
de guerra são assunto da segurança externa. E então?
Deve-se discutir o tipo e o grau
de possível ação militar. Na Rocinha, por exemplo, até agora não
seria necessária mais do que a
ação policial. Mas a validade do
argumento de que não há tropa
militar preparada é uma condescendência absurda para quem
mantém as Forças Armadas. Há
muito o que pensar e discutir nesse assunto. E se houver um mínimo de seriedade e coragem para
fazê-lo, o que é duvidoso.
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