São Paulo, sábado, 15 de junho de 2002

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Serra se diz candidato "do governo e da mudança", aponta contradições no PT e chama Ciro de "mentiroso"

Tucano descarta calote e diz que Soros foi inconveniente

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ao contrário do que dizem analistas internacionais e alguns de seus principais adversários na eleição de outubro, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra afirma: a dívida interna é perfeitamente administrável e o próximo governo não precisará "reprogramá-la", um eufemismo usado no mercado para o calote.
Calote? "De jeito nenhum", disse em entrevista concedida na noite de quarta-feira passada à Folha. Segundo Serra, há mitos demasiados sobre a dívida. Um deles: a de que ela teria crescido dez vezes no tucanato. Na realidade, argumenta, esse aumento foi de 30% para 55% do PIB (Produto Interno Bruto).
Serra promete manter a isenção do Imposto de Renda para as cadernetas de poupança e manter Armínio Fraga na presidência do Banco Central. A seguir, os principais trechos da entrevista:
(RAYMUNDO COSTA)
 

Folha - O sr. sabe que dia é hoje?
José Serra -
Dia 12 de junho.

Folha - Significa alguma coisa para o sr.?
Serra -
Não. É o dia... É o Dia dos Namorados? Neste corre-corre de Brasília e da preparação das convenções eu não tive tempo para me lembrar disso, mas até o final da noite eu certamente lembraria.

Folha - O megainvestidor George Soros disse que o Brasil está condenado a eleger o sr., do contrário, será o caos. O que ele sugere é que o país não está preparado para a alternância de poder. Para um espírito democrático, isso não soa como um estupro, um absurdo?
Serra -
É a opinião de um estrangeiro, que não vota aqui. O fato de que ele tenha dito isso não representa nenhuma sentença. É uma opinião a mais entre tantas outras. Poderíamos ter ficado sem ela. Foi uma declaração inoportuna, inconveniente. Mas ele não deve ter força nem provavelmente quereria estuprar ninguém.

Folha - Mas é uma opinião que reflete um sentimento geral do mercado...
Serra -
Independentemente de interesse de mercado ou não, a estabilidade no Brasil é fundamental. O equilíbrio macroeconômico é essencial para que você possa promover crescimento da produção e do emprego, fazer boas políticas sociais. Eu creio que alguém pode supor, com plausibilidade, que a nossa candidatura -e o sistema de forças que a apóia- é a que tem mais condições de manter a estabilidade. Da mesma maneira que os outros.

Folha - Ao dizer que o sr. é a única força capaz de manter a estabilidade...
Serra -
Eu disse que reunia o conjunto de forças mais capaz.

Folha - Mas ao dizer isso o sr. de certa forma não está endossando a declaração de George Soros?
Serra -
Cada candidatura está dizendo a mesma coisa. Uma se apresenta como a redenção da área social, outra que pode combinar prosperidade econômica, desenvolvimento social, loteamento de terrenos na lua, um conjunto de coisas. É curioso que quando as forças que me apóiam valorizam a candidatura e o que ela pode representar em matéria de vontade política, competência e persistência no enfrentamento das questões nacionais, que isso seja considerado como indevido.

Folha - Quando o sr. diz que o discurso do Lula hoje é um, mas a prática dele e do PT é outra, trata-se de uma estratégia eleitoral ou o sr. tem convicção disso?
Serra -
Não sou dado a seguir estratégias em relação às quais eu não tenho convicção. Mas nem foi uma estratégia eleitoral. Foi uma resposta ao Lula quando ele cobrou de mim se eu era um candidato do governo ou da oposição. Eu disse: "Sou candidato do governo e também da mudança". Agora, se é para apontar contradições, nós temos as do PT, que vota contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, vai ao Supremo para derrubar a lei e se diz defensor dessa responsabilidade fiscal.

Folha - Ciro Gomes (PPS) o tem acusado de boicotar uma renegociação da dívida, quando FHC era ministro da Fazenda e o sr., líder do PSDB na Câmara. O que de fato aconteceu?
Serra -
É apenas assombrosa baixaria, delírio, para atrair a atenção, já que ele não tem preparo para debater idéias, propostas. Eu já disse uma vez e repito: o Ciro é mentiroso compulsivo. Mente até sem necessidade.

Folha - O que deixa os mercados mais nervosos: a incoerência atribuída ao Lula ou alguns fundamentos da economia que vão mal?
Serra -
Há um nervosismo, uma tensão em relação às incertezas que a eleição abre. Mas essa reação do mercado é absolutamente exagerada.

Folha - O sr. está dizendo então que o nervosismo do mercado se deve só à questão eleitoral e nada tem a ver com os problemas econômicos, como o da dívida interna?
Serra -
Em torno da questão da dívida interna há demasiados mitos. A dívida é alta, mas ela não cresceu as dez vezes que o Ciro e outros vêm dizendo. Aumentou de 30% para 55% do PIB.

Folha - Alguns analistas dizem que as chances de o Brasil "reprogramar" a dívida são de 70%, não importa o presidente a ser eleito. O calote é inevitável?
Serra -
De forma nenhuma.

Folha - Por quê?
Serra -
Porque a dívida é perfeitamente manejável e, depois das eleições, com um governo que tenha credibilidade, um programa macroeconômico coerente e competente, seus prazos se alongarão naturalmente.

Folha - O sr. tem aplicação em fundos de investimentos?
Serra -
Poupança.

Folha - Que aplicação o sr. recomendaria ao investidor que perdeu dinheiro nos fundos DI?
Serra -
Eu não sairia dos fundos DI, porque a perda já aconteceu.

Folha - Qual a sua opinião sobre os estudos do Banco Central para acabar com a isenção do Imposto de Renda nas aplicações da caderneta de poupança?
Serra -
Você disse bem, são estudos, não há essa decisão. Eu não tiraria a isenção do IR da poupança e, ao contrário, estenderia a isenção para compras de imóveis. Faria isenção nas duas pontas para beneficiar a construção habitacional, a compra da casa própria.

Folha - O que o sr. acha da idéia de o presidente a ser eleito em outubro indicar logo um diretor para o BC proposta por Armínio Fraga?
Serra -
É uma idéia correta. No meu caso não será necessário, pois convidarei o Armínio para permanecer.

Folha - O sr. já tomou alguma decisão errada? Qual foi e o que o sr. fez?
Serra -
Quando eu me candidatei a prefeito em São Paulo em 96.

Folha - Por que foi errado?
Serra -
Porque foi tardia, eu saí candidato apenas em junho, depois de muita hesitação. Passou para a população a idéia de que eu não tinha tanta vontade de ser candidato e isso prejudicou inclusive o resultado da eleição.

Folha - Qual será sua primeira medida como presidente?
Serra - Criar o Ministério da Segurança Pública.

Folha - Qual o maior mérito e o maior defeito do governo FHC?
Serra -
É difícil para mim classificar assim. No governo, quem não erra, nunca acerta. Esse é o balanço fundamental, houve acertos em maior número ou de maior qualidade do que os erros. Mas os dois aconteceram.

Folha - O sr. citaria um erro e um acerto?
Serra -
As políticas da Educação e da Saúde foram certas. A da energia elétrica, errada. Da habitação e do saneamento, insuficientes.

Folha - O país melhorou ou piorou nestes oito anos?
Serra -
FHC pode, com tranquilidade, ao fazer o balanço de sua gestão na Presidência, constatar que o Brasil com ele melhorou bastante, isso não é pouco.

Folha - Fisiologia e clientelismo são um mal necessário nas relações com o Congresso?
Serra -
Necessário não é não. Você pode dizer que é um mal inevitável, mas não necessário.

Folha - Certo, um mal inevitável nas relações com o Congresso para manter a sustentação do governo? Como o sr. pretende enfrentar isso?
Serra -
Diminuindo ao máximo a taxa de fisiologia. Agora, vamos qualificar: emendas de parlamentares, aprovadas no Orçamento, com disponibilidade de recursos determinada, estabelecida, não são fisiologia. Há um preconceito com relação a isso no Brasil, embora aconteça em qualquer lugar do mundo. O que nós temos de fazer, no caso, é sempre procurar enquadrar as emendas, dar caminhos, canais de prioridades, como nós fizemos na saúde. Segundo, controlar a utilização desse dinheiro que, por ser muito pulverizado, são milhares de emendas, tem um controle difícil.

Folha - Como faz esse controle?
Serra -
Nós vamos criar no governo um site chamado Obranet, em que as obras decorrentes de emendas serão acompanhadas pela internet. Se alguém tem uma emenda de saneamento no município X, em que a tubulação vai custar dez e no outro vai custar 20, será muito fácil controlar.

Folha - O sr. se considera uma pessoa desagregadora, como o acusam alguns adversários?
Serra -
Uma das principais características minhas na vida pública é exatamente a de ser agregador. Aliás, desde a época de estudante. Se você for olhar a minha vida parlamentar, na Constituinte eu fui o deputado, entre todos, que aprovou a maior proporção de emendas, no Ministério da Saúde aprovamos oito projetos de grande impacto, e isso jamais poderia ter sido feito por alguém que fosse desagregador.

Folha - Então por que o sr. não reeditou a mesma aliança que elegeu e reelegeu FHC?
Serra -
O segundo governo FHC encerra um ciclo na política brasileira. Nós vamos ter um novo ciclo, diferente do ciclo FHC. O Brasil está diferente. Ele pegou o Brasil de um jeito e deixou o Brasil diferente. Quais são as características desse novo ciclo, nós ainda não sabemos exatamente. Mas ele vai começar.

Folha - Por que o PFL não se encaixa nesse novo ciclo?
Serra -
O PFL tentou o caminho próprio. Houve um incidente que fechou esse caminho, mas que criou dificuldades para recompor o que havia antes. É explicável que isso tenha acontecido.

Folha - Como estão suas relações com Nizan Guanaes?
Serra -
Há muito mito em torno dessas dificuldades. Na campanha de 96, não deu certo, mas houve o fato de que eu não estava na embocadura certa, a minha candidatura foi muito tardia, não tinha um perfil claro. Não tenho dificuldades para trabalhar com o Nizan porque ele é inteligente, criativo e trabalhador.

Folha - Ele tentou ou tenta mudar o que o sr. é para fins de marketing eleitoral?
Serra
- O Nizan em nenhum momento propõe que eu seja o que não sou. Pelo contrário. O esforço dele é o de que eu me mostre exatamente como eu sou.

Folha - Inclusive na afinidade com o governo FHC?
Serra -
Em tudo. Aquele filme do bebezinho tomando a vacina, na verdade não foi um filme produzido. Eu estava brincando com o bebê enquanto se preparava o set de filmagem. Eu estava brincando antes da cena principal. Foi algo absolutamente espontâneo. Onde entrou o Nizan? Ele percebeu a importância disso e aproveitou.

Folha - A opinião dele foi decisiva para a escolha da deputada Rita Camata (PMDB-ES) para a vice?
Serra -
Posso assegurar que não é verdade.



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