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Serra se diz candidato "do governo e da mudança", aponta contradições no PT e chama Ciro de "mentiroso"
Tucano descarta calote e diz que Soros foi inconveniente
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ao contrário do que dizem analistas internacionais e alguns de
seus principais adversários na
eleição de outubro, o candidato
do PSDB à Presidência, José Serra
afirma: a dívida interna é perfeitamente administrável e o próximo
governo não precisará "reprogramá-la", um eufemismo usado no
mercado para o calote.
Calote? "De jeito nenhum", disse em entrevista concedida na
noite de quarta-feira passada à
Folha. Segundo Serra, há mitos
demasiados sobre a dívida. Um
deles: a de que ela teria crescido
dez vezes no tucanato. Na realidade, argumenta, esse aumento foi
de 30% para 55% do PIB (Produto
Interno Bruto).
Serra promete manter a isenção
do Imposto de Renda para as cadernetas de poupança e manter
Armínio Fraga na presidência do
Banco Central. A seguir, os principais trechos da entrevista:
(RAYMUNDO COSTA)
Folha - O sr. sabe que dia é hoje?
José Serra - Dia 12 de junho.
Folha - Significa alguma coisa para o sr.?
Serra - Não. É o dia... É o Dia dos
Namorados? Neste corre-corre de
Brasília e da preparação das convenções eu não tive tempo para
me lembrar disso, mas até o final
da noite eu certamente lembraria.
Folha - O megainvestidor George
Soros disse que o Brasil está condenado a eleger o sr., do contrário,
será o caos. O que ele sugere é que
o país não está preparado para a alternância de poder. Para um espírito democrático, isso não soa como
um estupro, um absurdo?
Serra - É a opinião de um estrangeiro, que não vota aqui. O fato de
que ele tenha dito isso não representa nenhuma sentença. É uma
opinião a mais entre tantas outras. Poderíamos ter ficado sem
ela. Foi uma declaração inoportuna, inconveniente. Mas ele não
deve ter força nem provavelmente quereria estuprar ninguém.
Folha - Mas é uma opinião que reflete um sentimento geral do mercado...
Serra - Independentemente de
interesse de mercado ou não, a estabilidade no Brasil é fundamental. O equilíbrio macroeconômico
é essencial para que você possa
promover crescimento da produção e do emprego, fazer boas políticas sociais. Eu creio que alguém
pode supor, com plausibilidade,
que a nossa candidatura -e o sistema de forças que a apóia- é a
que tem mais condições de manter a estabilidade. Da mesma maneira que os outros.
Folha - Ao dizer que o sr. é a única
força capaz de manter a estabilidade...
Serra - Eu disse que reunia o
conjunto de forças mais capaz.
Folha - Mas ao dizer isso o sr. de
certa forma não está endossando a
declaração de George Soros?
Serra - Cada candidatura está dizendo a mesma coisa. Uma se
apresenta como a redenção da
área social, outra que pode combinar prosperidade econômica,
desenvolvimento social, loteamento de terrenos na lua, um
conjunto de coisas. É curioso que
quando as forças que me apóiam
valorizam a candidatura e o que
ela pode representar em matéria
de vontade política, competência
e persistência no enfrentamento
das questões nacionais, que isso
seja considerado como indevido.
Folha - Quando o sr. diz que o discurso do Lula hoje é um, mas a prática dele e do PT é outra, trata-se de
uma estratégia eleitoral ou o sr.
tem convicção disso?
Serra - Não sou dado a seguir estratégias em relação às quais eu
não tenho convicção. Mas nem foi
uma estratégia eleitoral. Foi uma
resposta ao Lula quando ele cobrou de mim se eu era um candidato do governo ou da oposição.
Eu disse: "Sou candidato do governo e também da mudança".
Agora, se é para apontar contradições, nós temos as do PT, que vota
contra a Lei de Responsabilidade
Fiscal, vai ao Supremo para derrubar a lei e se diz defensor dessa
responsabilidade fiscal.
Folha - Ciro Gomes (PPS) o tem
acusado de boicotar uma renegociação da dívida, quando FHC era
ministro da Fazenda e o sr., líder do
PSDB na Câmara. O que de fato
aconteceu?
Serra - É apenas assombrosa
baixaria, delírio, para atrair a
atenção, já que ele não tem preparo para debater idéias, propostas.
Eu já disse uma vez e repito: o Ciro é mentiroso compulsivo. Mente até sem necessidade.
Folha - O que deixa os mercados
mais nervosos: a incoerência atribuída ao Lula ou alguns fundamentos da economia que vão mal?
Serra - Há um nervosismo, uma
tensão em relação às incertezas
que a eleição abre. Mas essa reação do mercado é absolutamente
exagerada.
Folha - O sr. está dizendo então
que o nervosismo do mercado se
deve só à questão eleitoral e nada
tem a ver com os problemas econômicos, como o da dívida interna?
Serra - Em torno da questão da
dívida interna há demasiados mitos. A dívida é alta, mas ela não
cresceu as dez vezes que o Ciro e
outros vêm dizendo. Aumentou
de 30% para 55% do PIB.
Folha - Alguns analistas dizem
que as chances de o Brasil "reprogramar" a dívida são de 70%, não
importa o presidente a ser eleito. O
calote é inevitável?
Serra - De forma nenhuma.
Folha - Por quê?
Serra - Porque a dívida é perfeitamente manejável e, depois das
eleições, com um governo que tenha credibilidade, um programa
macroeconômico coerente e
competente, seus prazos se alongarão naturalmente.
Folha - O sr. tem aplicação em
fundos de investimentos?
Serra - Poupança.
Folha - Que aplicação o sr. recomendaria ao investidor que perdeu
dinheiro nos fundos DI?
Serra - Eu não sairia dos fundos
DI, porque a perda já aconteceu.
Folha - Qual a sua opinião sobre
os estudos do Banco Central para
acabar com a isenção do Imposto
de Renda nas aplicações da caderneta de poupança?
Serra - Você disse bem, são estudos, não há essa decisão. Eu não
tiraria a isenção do IR da poupança e, ao contrário, estenderia a
isenção para compras de imóveis.
Faria isenção nas duas pontas para beneficiar a construção habitacional, a compra da casa própria.
Folha - O que o sr. acha da idéia
de o presidente a ser eleito em outubro indicar logo um diretor para
o BC proposta por Armínio Fraga?
Serra - É uma idéia correta. No
meu caso não será necessário,
pois convidarei o Armínio para
permanecer.
Folha - O sr. já tomou alguma decisão errada? Qual foi e o que o sr.
fez?
Serra - Quando eu me candidatei a prefeito em São Paulo em 96.
Folha - Por que foi errado?
Serra - Porque foi tardia, eu saí
candidato apenas em junho, depois de muita hesitação. Passou
para a população a idéia de que eu
não tinha tanta vontade de ser
candidato e isso prejudicou inclusive o resultado da eleição.
Folha - Qual será sua primeira
medida como presidente?
Serra - Criar o Ministério da Segurança Pública.
Folha - Qual o maior mérito e o
maior defeito do governo FHC?
Serra - É difícil para mim classificar assim. No governo, quem
não erra, nunca acerta. Esse é o
balanço fundamental, houve
acertos em maior número ou de
maior qualidade do que os erros.
Mas os dois aconteceram.
Folha - O sr. citaria um erro e um
acerto?
Serra - As políticas da Educação
e da Saúde foram certas. A da
energia elétrica, errada. Da habitação e do saneamento, insuficientes.
Folha - O país melhorou ou piorou
nestes oito anos?
Serra - FHC pode, com tranquilidade, ao fazer o balanço de sua
gestão na Presidência, constatar
que o Brasil com ele melhorou
bastante, isso não é pouco.
Folha - Fisiologia e clientelismo
são um mal necessário nas relações
com o Congresso?
Serra - Necessário não é não.
Você pode dizer que é um mal
inevitável, mas não necessário.
Folha - Certo, um mal inevitável
nas relações com o Congresso para
manter a sustentação do governo?
Como o sr. pretende enfrentar isso?
Serra - Diminuindo ao máximo
a taxa de fisiologia. Agora, vamos
qualificar: emendas de parlamentares, aprovadas no Orçamento,
com disponibilidade de recursos
determinada, estabelecida, não
são fisiologia. Há um preconceito
com relação a isso no Brasil, embora aconteça em qualquer lugar
do mundo. O que nós temos de
fazer, no caso, é sempre procurar
enquadrar as emendas, dar caminhos, canais de prioridades, como
nós fizemos na saúde. Segundo,
controlar a utilização desse dinheiro que, por ser muito pulverizado, são milhares de emendas,
tem um controle difícil.
Folha - Como faz esse controle?
Serra - Nós vamos criar no governo um site chamado Obranet,
em que as obras decorrentes de
emendas serão acompanhadas
pela internet. Se alguém tem uma
emenda de saneamento no município X, em que a tubulação vai
custar dez e no outro vai custar 20,
será muito fácil controlar.
Folha - O sr. se considera uma
pessoa desagregadora, como o
acusam alguns adversários?
Serra - Uma das principais características minhas na vida pública é exatamente a de ser agregador. Aliás, desde a época de estudante. Se você for olhar a minha
vida parlamentar, na Constituinte
eu fui o deputado, entre todos,
que aprovou a maior proporção
de emendas, no Ministério da
Saúde aprovamos oito projetos de
grande impacto, e isso jamais poderia ter sido feito por alguém que
fosse desagregador.
Folha - Então por que o sr. não
reeditou a mesma aliança que elegeu e reelegeu FHC?
Serra - O segundo governo FHC
encerra um ciclo na política brasileira. Nós vamos ter um novo ciclo, diferente do ciclo FHC. O Brasil está diferente. Ele pegou o Brasil de um jeito e deixou o Brasil diferente. Quais são as características desse novo ciclo, nós ainda
não sabemos exatamente. Mas ele
vai começar.
Folha - Por que o PFL não se encaixa nesse novo ciclo?
Serra - O PFL tentou o caminho
próprio. Houve um incidente que
fechou esse caminho, mas que
criou dificuldades para recompor
o que havia antes. É explicável que
isso tenha acontecido.
Folha - Como estão suas relações
com Nizan Guanaes?
Serra - Há muito mito em torno
dessas dificuldades. Na campanha de 96, não deu certo, mas
houve o fato de que eu não estava
na embocadura certa, a minha
candidatura foi muito tardia, não
tinha um perfil claro. Não tenho
dificuldades para trabalhar com o
Nizan porque ele é inteligente,
criativo e trabalhador.
Folha - Ele tentou ou tenta mudar
o que o sr. é para fins de marketing
eleitoral?
Serra - O Nizan em nenhum
momento propõe que eu seja o
que não sou. Pelo contrário. O esforço dele é o de que eu me mostre
exatamente como eu sou.
Folha - Inclusive na afinidade
com o governo FHC?
Serra - Em tudo. Aquele filme do
bebezinho tomando a vacina, na
verdade não foi um filme produzido. Eu estava brincando com o
bebê enquanto se preparava o set
de filmagem. Eu estava brincando
antes da cena principal. Foi algo
absolutamente espontâneo. Onde
entrou o Nizan? Ele percebeu a
importância disso e aproveitou.
Folha - A opinião dele foi decisiva
para a escolha da deputada Rita
Camata (PMDB-ES) para a vice?
Serra - Posso assegurar que não
é verdade.
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