São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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Plano dos EUA antecipou ação dos militares

Documento, escrito por ex-embaixador em 63, seria seguido por outro, que pede envio clandestino de armas por meio de submarino

"Um Plano de Contingência para o Brasil" foi enviado discretamente aos EUA; hoje, apesar de liberado, não possui cópia eletrônica

Acervo UH - 20.out.1961/Folha Imagem
Lincoln Gordon, então embaixador dos EUA, e João Goulart


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Na série de documentos sobre o envolvimento dos EUA no golpe militar de 1964 no Brasil, que o governo norte-americano vem liberando nos últimos tempos e transformando em arquivo eletrônico em respeito a uma lei de liberdade de informação, há um plano que mereceu apenas citação e só pode ser consultado fisicamente, depois de um processo trabalhoso.
Chama-se "A Contingency Plan for Brazil" (um plano de contingência para o Brasil). É de 11 de dezembro de 1963 e foi escrito por Lincoln Gordon, então embaixador dos EUA no país, e Benjamin H. Head (1905-1993), então secretário-executivo do Departamento de Estado. Nele, diplomatas elencam desfechos possíveis para a crise institucional e política do Brasil e sugerem possíveis ações do governo americano.
Uma delas chama a atenção por ser quase uma proposta de ação para os militares revoltosos. Está no item C da página seis, "Afastamento de Goulart por Forças Construtivas", que prevê a "persuasão" para que o então presidente do Brasil, João Goulart (1918-1976), deixe o governo, que o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli (1910-75), o suceda, e que haja uma "tomada militar interina".
Nesse caso, dizia o documento, os EUA deveriam tomar "atitude construtiva e amistosa" em relação ao novo governo. Pois seria o que aconteceria após quatro meses, a partir de 31 de março. As páginas foram enviadas em 6 de janeiro ao conselheiro de Segurança Nacional McGeorge Bundy (1919-1996) e outros funcionários graduados do presidente Lindon Johnson (1908-1973).

Pé de página
Diferentemente da papelada sobre o período que foi liberada entre 1996 e 2004, esse não foi transformado em arquivo eletrônico. Os originais descansam numa pasta de uma das milhares de caixas da seção de College Park dos Arquivos Nacionais, no Estado de Maryland, vizinho a Washington. São citados pelo título em apenas um documento preparado pelo Departamento de Estado, numa nota de pé de página.
Depois de procurar o documento em três remessas diferentes de mais de quatro dezenas de caixas, a pedido da Folha, um funcionário do arquivo disse "não entender" a confusão. Por fim, na quinta passada, as páginas datilografadas foram achadas e copiadas pelo jornal.
O plano é importante por influenciar o centro de decisões, na Casa Branca, e abrir caminho ao envio de telegrama posterior, de 28 de março, também de Gordon, em que o ex-embaixador pede "entrega clandestina de armas de origem não-americana" a "apoiadores de Castello Branco em São Paulo", por um "submarino não-marcado, à noite", e o deslocamento de "força-tarefa naval".
É a operação "Brother Sam", que será aceita e posta em marcha pelo governo dos EUA, com acréscimos: munição, gás lacrimogêneo, aviões-caças e navios com mísseis teleguiados (veja no quadro ao lado telegrama do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA que autoriza o uso do apelido e a aprovação do pedido de Lincoln Gordon pela chancelaria).
No Brasil, há relato de apenas um historiador, Carlos Fico, da UFRJ, que também achou as sete páginas do "Plano de Contingência", as copiou recentemente e pretende utilizá-las num livro sobre o período. A Folha encontrou o autor do plano, Lincoln Gordon, 93, morando numa casa de repouso perto de Washington (leia na pág. A13). Ele o justificou dizendo que o Brasil "poderia virar uma segunda Cuba".
Segundo os documentos tornados públicos, Lincoln vinha pintando o pior quadro possível a seus superiores em Washington fazia tempo. No telegrama de 28 de março, chega a sugerir que Lindon Johnson faça pronunciamento sobre "relatos de deterioração econômica e inquietação política" no Brasil, mas é rechaçado.
Depois de praticamente ridicularizar o ex-embaixador em reunião na Casa Branca no dia 28 de março (o pedido de submarino foi considerado "intrigante"), o grupo presidencial volta atrás dois dias depois, segundo telegrama do Departamento de Estado a Gordon do dia 30, em que reforça o envio de armas e sugere intervenção.
Não seria preciso. Em telegrama enviado às 9h de 31 de março, Gordon resume o início do golpe: "o balão subiu".

Leia a íntegra dos documentos traduzidos www.folha.com.br/071943

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