São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2005

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ARTIGO

Um grande banquete cívico-penal

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Os escândalos já não espantam muito, as revelações se tornam rotineiras, os casos de corrupção mais ou menos se misturam e confundem. Mas cada nova figura humana que surge no noticiário é uma surpresa e tanto.
Ontem foi o dia de Sebastião Buani dar o melhor de si. Convenhamos que ele exagerou na dose. Não sabia como dar solenidade suficiente aos seus 15 minutos de fama. Antes de apresentar a cópia do cheque capaz de comprometer definitivamente o mandato de Severino Cavalcanti, o dono do restaurante Fiorella conclamou os repórteres presentes a um ato de oração.
A idéia caberia numa casa de família tradicional, acostumada a rezar antes do almoço ou do jantar. Mas o "look" de Buani era mais o de um playboy do que o de um austero patriarca republicano, e o que estava sendo servido aos jornalistas numa bela bandeja -melhor dizendo, num bandejão de luxo- era a apetitosa, embora não muito recheada, cabeça do presidente da Câmara.
A fúria com que a imprensa avançou sobre a mesa dissipou rapidamente as aparências de cerimônia moral que Buani tentou atribuir ao repasto. Por pouco a disputa pelas cópias do famoso cheque não degenerava em quebra-quebra. Havia, entretanto, imagens e provas para todos: Buani segurava para as câmeras uma réplica tamanho-família do cheque nominal, como naqueles eventos em que alguém recebe o grande prêmio de um concurso.
Tudo tem mesmo um ar de Big Brother, da já remota secretária Fernanda Karina, que quis posar nua para uma revista masculina, aos papéis de valentão briguento, de rapaz inocente, de pateta comprovado, que este ou aquele deputado encarna para as câmeras da CPI.
Sociedade do espetáculo? Seria equivocado dar esse nome a uma sucessão de notoriedades amadoras e de pretensões fugazes ao papel de candidato nas próximas eleições. Enquanto o discurso de Buani se alçava em defesas da moralidade republicana, sendo corroborado aos gritos por um cidadão entusiasta -ao que tudo indica, um intruso no local-, o advogado do empresário, sentado a seu lado na entrevista coletiva, devolvia a cena a realidades e interesses bem mais prosaicos.
Assoprava ao ouvido de Buani as respostas convenientes sem o cuidado de tapar os microfones. Percebia-se que todo o seu empenho, ali, era evitar que Buani fosse visto como o corruptor de Severino. Insistiu-se na história de que o dono do restaurante foi apenas vítima de uma extorsão imposta pelo parlamentar.
Sobraram, assim, dúvidas e suspeitas daquele grande banquete cívico-penal. Que, para maior desmoralização dos participantes, começou com um pedido de gorjeta: face às dificuldades financeiras vividas por Buani, seu advogado quis divulgar o número de uma conta bancária, destinada a receber doações de empresários interessados no bem do nosso país. Proposta infeliz, claro. Os empresários brasileiros devem andar cansados de fazer doações ultimamente.
Seja como for, depois da entrevista de Buani parece ter diminuído o cheiro de pizza no ar. Mas também dá para sentir o gosto de papelão de tudo aquilo.


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