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ARTIGO
Furo n'água
O que interessa na prestação de contas e é omitido pelo mecanismo atual é a identidade dos doadores
CLAUDIO WEBER ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA
CONFORME SE antecipava quando a determinação foi aprovada pelo
Congresso, a prestação de declarações sobre doações e despesas eleitorais ao longo da
campanha está a demonstrar-se perfeitamente inócua.
O principal defeito do mecanismo é que omite a única informação de fato relevante, que
seria a identificação dos doadores de campanhas. O que interessa na prestação de contas é
quem financia quem, pois isso
indica quais interesses estão
em jogo numa candidatura. Isso é informação relevante para
o eleitor, a ser levada em conta
na decisão de seu voto.
Se o dado é suprimido, e somente divulgado após as eleições, esse elemento fundamental para a informação do eleitor
permanece oculto durante o
processo eleitoral. Não que seja
inútil depois da eleição, uma
vez que o desempenho do indivíduo eleito pode ser jogado
contra o pano de fundo das
doações que recebeu.
Outro defeito grave do mecanismo colocado em prática pela
primeira vez nas eleições de
2006 é que não existe penalidade automática para quem não
presta as informações, ou
as presta de forma gritantemente errada.
O que acontece é que a omissão ou a falsidade da informação poderá ser levada em consideração pela Justiça Eleitoral
quando da prestação de contas
de cada candidato. Ora, se
"poderá" ser considerada, isso
significa que poderá não ser
considerada.
Uma visada geral sobre o primeiro lote de declarações de
doações e despesas (de 6 de
agosto) mostra que, do total de
5.421 candidatos à Câmara dos
Deputados em todo o país, apenas 3.962 (73,1%) a prestaram.
O segundo lote, cujo prazo de
entrega deveria ser o dia 6 de
setembro, apresentava no dia
11 o quadro que pode ser visualizado na tabela ao lado.
É inevitável recear-se que,
em um Estado como Pernambuco, em que menos da metade
dos candidatos se deram ao
trabalho de informar suas doações e suas despesas, serão
enormes as pressões sobre o
TRE local para que as omissões
passem em branco.
Igualmente curioso é o panorama que determinados candidatos oferecem sobre finanças
eleitorais. O sr. Paulo Maluf,
por exemplo, candidato a deputado federal pelo PP de São
Paulo, declarou R$ 6 mil como
receitas e R$ 13,25 como despesas em agosto. A declaração de
6 de setembro (que acumula a
de agosto) é idêntica, o que significa que o candidato recebeu
aqueles R$ 6.000 e nisso ficou,
não tendo gasto no entretempo
mais nenhum dinheiro.
Alguém de fato acha concebível que tais números tenham
alguma relação concreta com a
materialidade da campanha
eleitoral desse candidato?
Há muitos outros exemplos
de declarações curiosíssimas,
em todos os Estados e, ao que
parece à primeira vista, em todos os partidos.
Apesar de pouquíssimo informativas, as declarações permitem uma comparação interessante com as doações declaradas nas eleições de 2002.
Tomando-se os candidatos à
reeleição (eles estão todos no
projeto Excelências, da Transparência Brasil, www.excelencias.org.br), podem-se comparar as declarações de
2002 com as de agosto deste
ano para verificar se há alguma
correlação. O gráfico acima
(em escala logarítmica), que inclui 480 candidatos que também concorreram em 2002,
mostra que não há correlação.
Se houvesse, a nuvem de pontos deveria concentrar-se em
torno de uma linha definida.
Em vez, o que se verifica é
que, nesse conjunto de candidatos, as declarações de agosto
não têm relação com o que foi
declarado em 2002 (para o
eventual leitor que entende
disso, o R2 é 0,15). Isso é muito
curioso, pois no agregado seria
razoável esperar que os montantes recolhidos em campanhas passadas fossem mais ou
menos proporcionais aos montantes recolhidos hoje.
Embora seja necessário esperar uns dias até que os dados
relativos a setembro sejam
completados para determinar a
extensão com que o fenômeno
persiste, a inexistência de correlação estatística entre os dados de 2006 e de 2002 já permite levantar indagações a respeito da fidedignidade de ambos conjuntos de dados.
A persistência de dúvidas
dessa natureza é possível em
boa parte porque a Justiça
Eleitoral não penaliza severamente o descumprimento das
normas e, ao menos até agora,
nesta campanha, não desabou
em cima de candidatos que obviamente não estão declarando
tudo o que recolhem e gastam.
CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção
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