São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 2006

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ARTIGO

Furo n'água

O que interessa na prestação de contas e é omitido pelo mecanismo atual é a identidade dos doadores

CLAUDIO WEBER ABRAMO
ESPECIAL PARA A FOLHA

CONFORME SE antecipava quando a determinação foi aprovada pelo Congresso, a prestação de declarações sobre doações e despesas eleitorais ao longo da campanha está a demonstrar-se perfeitamente inócua. O principal defeito do mecanismo é que omite a única informação de fato relevante, que seria a identificação dos doadores de campanhas. O que interessa na prestação de contas é quem financia quem, pois isso indica quais interesses estão em jogo numa candidatura. Isso é informação relevante para o eleitor, a ser levada em conta na decisão de seu voto.
Se o dado é suprimido, e somente divulgado após as eleições, esse elemento fundamental para a informação do eleitor permanece oculto durante o processo eleitoral. Não que seja inútil depois da eleição, uma vez que o desempenho do indivíduo eleito pode ser jogado contra o pano de fundo das doações que recebeu.
Outro defeito grave do mecanismo colocado em prática pela primeira vez nas eleições de 2006 é que não existe penalidade automática para quem não presta as informações, ou as presta de forma gritantemente errada.
O que acontece é que a omissão ou a falsidade da informação poderá ser levada em consideração pela Justiça Eleitoral quando da prestação de contas de cada candidato. Ora, se "poderá" ser considerada, isso significa que poderá não ser considerada.
Uma visada geral sobre o primeiro lote de declarações de doações e despesas (de 6 de agosto) mostra que, do total de 5.421 candidatos à Câmara dos Deputados em todo o país, apenas 3.962 (73,1%) a prestaram. O segundo lote, cujo prazo de entrega deveria ser o dia 6 de setembro, apresentava no dia 11 o quadro que pode ser visualizado na tabela ao lado.
É inevitável recear-se que, em um Estado como Pernambuco, em que menos da metade dos candidatos se deram ao trabalho de informar suas doações e suas despesas, serão enormes as pressões sobre o TRE local para que as omissões passem em branco.
Igualmente curioso é o panorama que determinados candidatos oferecem sobre finanças eleitorais. O sr. Paulo Maluf, por exemplo, candidato a deputado federal pelo PP de São Paulo, declarou R$ 6 mil como receitas e R$ 13,25 como despesas em agosto. A declaração de 6 de setembro (que acumula a de agosto) é idêntica, o que significa que o candidato recebeu aqueles R$ 6.000 e nisso ficou, não tendo gasto no entretempo mais nenhum dinheiro.
Alguém de fato acha concebível que tais números tenham alguma relação concreta com a materialidade da campanha eleitoral desse candidato?
Há muitos outros exemplos de declarações curiosíssimas, em todos os Estados e, ao que parece à primeira vista, em todos os partidos. Apesar de pouquíssimo informativas, as declarações permitem uma comparação interessante com as doações declaradas nas eleições de 2002. Tomando-se os candidatos à reeleição (eles estão todos no projeto Excelências, da Transparência Brasil, www.excelencias.org.br), podem-se comparar as declarações de 2002 com as de agosto deste ano para verificar se há alguma correlação. O gráfico acima (em escala logarítmica), que inclui 480 candidatos que também concorreram em 2002, mostra que não há correlação.
Se houvesse, a nuvem de pontos deveria concentrar-se em torno de uma linha definida. Em vez, o que se verifica é que, nesse conjunto de candidatos, as declarações de agosto não têm relação com o que foi declarado em 2002 (para o eventual leitor que entende disso, o R2 é 0,15). Isso é muito curioso, pois no agregado seria razoável esperar que os montantes recolhidos em campanhas passadas fossem mais ou menos proporcionais aos montantes recolhidos hoje.
Embora seja necessário esperar uns dias até que os dados relativos a setembro sejam completados para determinar a extensão com que o fenômeno persiste, a inexistência de correlação estatística entre os dados de 2006 e de 2002 já permite levantar indagações a respeito da fidedignidade de ambos conjuntos de dados.
A persistência de dúvidas dessa natureza é possível em boa parte porque a Justiça Eleitoral não penaliza severamente o descumprimento das normas e, ao menos até agora, nesta campanha, não desabou em cima de candidatos que obviamente não estão declarando tudo o que recolhem e gastam.


CLAUDIO WEBER ABRAMO é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção

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