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ENTREVISTA DA 2ª
EUNICE DURHAM
"Escolão", para ela, deve se concentrar em recreação para que se invista mais em educação nos colégios regulares
CEU deveria virar clube para pobres, sugere antropóloga
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
A antropóloga Eunice Durham,
72, defende uma maior democratização dos CEUs (centros educacionais unificados) sob a administração de José Serra (PSDB),
prefeito eleito de São Paulo.
"Os CEUs precisam ser transformados em alguma coisa que
atenda aos estudantes depois da
escola pública regular, para tirá-los da rua e lhes dar uma ampliação curricular", afirma.
Para ela, os "escolões" paulistanos deveriam seguir o exemplo da
Escola Parque, da Bahia, para onde os alunos iam depois de ter aulas numa escola pública regular.
Na Escola Parque, não havia aulas, só atividades recreativas.
"Com isso, você atendia a uma
população maior e mantinha o investimento na melhoria do ensino
fundamental", argumenta Durham, que é especialista em educação e foi secretária de Política
Educacional do governo Fernando Henrique Cardoso.
A professora da USP (Universidade de São Paulo) acaba de lançar o livro "A Dinâmica da Cultura" (editora Cosacnaify), em que
reúne ensaios que cobrem cinco
décadas de pesquisas sob títulos
como "A sociedade vista da periferia" e "Migrantes rurais", temas
que estão no centro de seu embate
contra possíveis simplificações
marxistas.
Sobre esses assuntos, ela diz
acreditar que o melhor resultado
eleitoral do PT na extrema periferia de São Paulo não se deve a
uma oposição de classes ou a uma
identificação ideológica dos mais
pobres com o partido, mas a uma
"captura" de um "resíduo" da
imigração iletrada para a capital
paulista -ou analfabetos de chegada recente ou seus filhos.
Essas pessoas, afirma ela, por
serem pouco integradas à economia e à sociedade, são provavelmente mais facilmente alcançáveis por uma eficiente militância
de esquerda.
Folha - Qual a sua avaliação dos
CEUs?
Durham - A primeira grande tentativa desse tipo foi feita com os
Cieps [centros integrados de educação pública], no Rio de Janeiro,
que o Darcy Ribeiro fundou. Mas
era uma idéia que, na verdade,
vem de uma iniciativa anterior,
do Anísio Teixeira. É preciso muito cuidado com iniciativas que
não se possam generalizar para a
população. É necessário melhorar
a qualidade do ensino para o conjunto da população. Quando você
cria escolas de altíssima qualidade, você diminui o investimento
no resto da população. O que tem
acontecido freqüentemente na
história dos municípios paulistas
é isto: os governos fazem creches
maravilhosas, modelo de país desenvolvido, e criam um número
reduzido de creches. Atendem a
uma porcentagem pequena da
população, pagam muito bem aos
professores e tiram fotografias
fantásticas. Nesse esquema, ficou
em grande parte para o governo
estadual cobrir a rede. É muito fácil fazer um bom ensino se você
reduz o atendimento. Não pode
haver CEUs de um lado e escolas
de lata de outro. É preciso ir igualando para cima. Mas o projeto
dos CEUs é extremamente caro,
sem proposta pedagógica inovadora, e, sem dúvida nenhuma, a
população adora. Eu também
gostaria. O projeto inicial dos
CEUs é inspirado no Anísio Teixeira, que criou na Bahia uma coisa chamada Escola Parque. Era
uma solução mais econômica.
Nela, os estudantes tinham um
período numa escola da rede municipal, e noutro período iam para
a Escola Parque, onde não havia
aulas regulares, mas os diferentes
tipos de atividade que os CEUs
fornecem. Com isso, você atendia
a uma população maior e mantinha o investimento na melhoria
do ensino fundamental. A inovação do Darcy Ribeiro foi tentar fazer essas duas coisas juntas -que
funcionou muito bem enquanto o
Darcy estava à frente [da idéia],
mas depois aconteceu uma enorme decadência do projeto pedagógico.
Folha - A senhora acredita que a
tendência natural de projetos como esse é ficarem decadentes?
Durham - Acho. São muito caros
para serem mantidos.
Folha - E como a senhora vê a
perspectiva dos CEUs sob uma administração Serra, se tivesse que
dizer o que fazer agora, já que estão aí, construídos?
Durham - Estudaria a situação
para ver se seria possível transformar os CEUs numa coisa parecida
com a Escola Parque, que atenda a
toda uma população dos alunos
das escolas da região. É preciso
aumentar o número de horas de
aula nas escolas. Com teoricamente quatro, na verdade três horas de aula, não dá para as crianças aprenderem a ler. Mas isso
não é a opinião do Serra, hein? É a
minha. Os CEUs precisam ser
transformados em alguma coisa
que atenda aos estudantes depois
da escola regular, para tirá-los da
rua e lhes dar uma ampliação curricular -que não fique apenas
em hora de aula, mas tenha teatro,
cinema, música, esporte. Se veria
um uso mais intenso dos CEUs
para uma população mais ampla
de crianças. Seria muito bom se
nós déssemos período integral
para todas as crianças do Brasil.
Mas entre o ideal e o que é possível fazer com as verbas existentes
hoje existe uma diferença bastante grande. Democratizar os CEUs.
Não demoli-los nem deixar que
pereçam, mas fazer com que eles
rendam mais.
Folha - A senhora trata da periferia no seu livro. No caso da cidade
de São Paulo, parece haver uma recorrência de voto dessa região no
Partido dos Trabalhadores. E há
uma tentativa de explicar isso com
base na diferença entre classes sociais, com os pobres se aproximando do PT. Como a senhora poderia
explicar isso?
Durham - Há uma explicação
que está mais ou menos presente
em todos os meus trabalhos sobre
periferia -que há um processo
de integração de massas provenientes de imigração recente, que
deixa resíduos não-assimilados
de imigrações anteriores. Pessoas
que não têm uma condição satisfatória de empregabilidade, porque não têm um mínimo de instrução formal necessária. Há um
problema constante, que é o ingresso de pessoas analfabetas.
Desde a década de 40, quando aumenta a migração urbana, você
escolariza a população existente,
mas tem um constante contingente de população com escolaridade nula ou pequena. Isso praticamente já foi resolvido, porque
finalmente conseguimos, na prática, uma universalização da ida
das crianças à escola. Essa população é constituída de candidatos
quase certos ao desemprego. É
uma população cuja integração
dentro do sistema cultural, do sistema econômico, do sistema político é ainda muito parcial. Acho
interessante -não quero explicar
um fato pelo outro-, mas não
são os bairros operários onde se
concentrou a votação do PT. Mas
nesses bairros onde as pessoas
não chegaram a ser operários.
Não é só de chegada recente, mas
de resíduo. Dos que chegaram,
muitos já realizaram o trajeto de
integração. Mas sobram resíduos
de pessoas que não mandaram os
filhos para a escola, cuja família se
desorganizou inteiramente, que
as crianças ficaram abandonadas
na rua -uma população muito
difícil de ser integrada no mercado de trabalho regular. A chegada
tem diminuído, não sei quanto.
Mas ainda chega e constantemente.
Folha - Por que essas pessoas votam no PT? Dá para arriscar uma hipótese?
Durham - Tenho algumas hipóteses, mas faz parte da minha responsabilidade não dar palpites.
Posso dizer que condições são essas, que essas condições da periferia provavelmente estão associadas a uma votação maior no PT.
Folha - Uma hipótese...
Durham - Diria que essa população é mais facilmente alcançada
pela militância. Movimento dos
sem-terra e dos sem-teto, que tem
uma militância de esquerda muito organizada, tem uma penetração muito grande nessa camada.
Tem a ver com a escolaridade e
com o tipo de reivindicação. Se
você é organizado para obter benefícios por um partido de militância de esquerda, a propaganda
eleitoral corre por essa via.
Folha - Há um outro aspecto dessa nova imigração. Noutro trabalho, a senhora fala da total integração da imigração italiana com o
que era antes a sociedade brasileira sem eles. A integração das novas
imigrações internacionais para São
Paulo -como bolivianos e chineses- é menor? Continuará assim?
Durham - Os chineses têm uma
certa vocação para formar colônias muito fechadas. Os japoneses
também tinham, mas isso em
grande parte foi quebrado. Há
muita diferença no problema da
integração quando é uma população muito pobre com pouca instrução e quando é uma população
menos pobre com mais instrução.
Nas condições do Brasil logo após
a escravidão, os italianos, normalmente, boa parte sabia ler e escrever. E havia a existência de certos
valores culturais que, naquele
momento, facilitaram essa integração e a mobilidade social.
Folha - Como?
Durham - A valorização do trabalho, a idéia de que realmente
você precisa trabalhar muito, que
o trabalho é aquilo que permite
vencer na vida. E um projeto a
longo prazo, um investimento
muito grande nos filhos, que é um
projeto de mais de uma geração.
Boa parte dessa população, a
maioria dessa população, se beneficiou diretamente da ampliação
do sistema educacional. Quando
você associa uma possibilidade,
oferecida no mercado de trabalho, de integração, com uma possibilidade, oferecida na sociedade,
de escolarização, você tem um caminho fácil de integração. Mas
quando você pega bolivianos
muito pobres, precisa saber, talvez tenham uma alfabetização
precária em português... Se as
crianças forem para escola brasileira, o processo deslancha. É um
elemento muito fundamental.
Boa parte da integração dos japoneses -há duas gerações era uma
colônia bastante fechada- foi o
grande aproveitamento que tiveram da ampliação do ensino médio e do ensino superior. Aí também ele está preso ao valor do estudo. Mas é preciso lembrar que
aquela foi uma época de grande
crescimento econômico no país.
Uma época de estagnação econômica reduz as possibilidades. Você pode ampliar a empregabilidade dessa população, de tal forma
que eles tenham condições de se
inserir no mercado de trabalho.
Mas uma ascensão muito rápida,
como foi o caso dos italianos, depende de condições econômicas
muito específicas daquele momento histórico.
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