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ELIO GASPARI
Envenenaram a relação Brasil-Argentina
Fenomenal a política externa de Lula. Deu à China
as chaves das alfândegas brasileiras e dispensou os Estados
Unidos de policiarem o Haiti
(cujo presidente ajudaram a depor). Tudo isso num grande cenário de inédita encrenca com a
Argentina.
Lula e Néstor Kirchner estranharam-se. Isso aconteceu muito mais por conta do temperamento mercurial do presidente
argentino do que pela pretensão
de liderança interplanetária do
governante brasileiro. Não é a
primeira vez que o inquilino do
Planalto tem que descascar esse
tipo de abacaxi. Fernando Henrique Cardoso agüentou Carlos
Menem, de quem tinha aquele
horror que os professores da Sorbonne têm de sessentões que
usam pulseira de ouro. Ernesto
Geisel aturou Juan Perón, evitando encontrá-lo. Emílio Médici suportou uma grosseria do
general Agustín Lanusse durante um jantar no Itamaraty, em
1972.
Há na atual encrenca argentina uma agenda comercial que a
diplomacia de Lula vem administrando como pode. É uma
briga racional, com argentinos e
brasileiros defendendo seus interesses. Se fosse só isso, bastaria
um conserto no aspecto pessoal
da relação dos dois presidentes e
ia-se em frente. Infelizmente,
tem mais.
O ponto crítico da encrenca
está na conduta felina da ekipekonômica brasileira diante da
delicada negociação do governo
argentino com seus credores internacionais. Os doutores
acham que a proposta de Kirchner de pagar só uma parte dos
US$ 103 bilhões do que devem à
banca internacional é irracional, inviável e estapafúrdia. Que
seja assim. O que é que o governo brasileiro tem a ver com isso?
Em 1982 o general Leopoldo
Galtieri achou que podia invadir colônia britânica das ilhas
Malvinas, faturar a união de
seu povo e prorrogar sua ditadura. Se o general bebesse menos, suspeitaria que a Inglaterra
haveria de surrar seus generais
habituados à valentia de jogar
presos dopados no oceano. A
idéia de Galtieri era irracional,
inviável e estapafúrdia. A diplomacia brasileira solidarizou-se
com a Argentina ao limite da
insanidade. Lembrou que desde
1833 apoiava o pleito anticolonialista, negou pouso aos aviões
de guerra britânicos e falou o
mínimo possível.
Lula devia passar os olhos
num papelório que o general
João Figueiredo levou para
Washington, onde se encontraria com o presidente Ronald
Reagan em maio de 1982. Leria
o seguinte: "O Brasil é um país
vizinho e amigo da Argentina.
Nossa posição terá sempre presente essa circunstância. A paz,
a prosperidade e o bem-estar em
nossa região dependem, para o
futuro, dessa relação, sem ressentimentos e dúvidas".
Se não tiverem ateado fogo a
esse documento (tem duas páginas), bem que o chanceler Celso
Amorim poderia mandar cópias para os doutores da ekipekonômica que futricam a negociação da dívida argentina. Um
deles, Murilo Portugal, representante do Brasil no FMI, já
provocou reclamações públicas
na imprensa de Buenos Aires.
O braço financeiro do governo
petista não precisa militar na tese da renegociação, mas também não precisa atrapalhar.
Muito menos fazer isso em Washington, sugerindo que é preciso
endurecer com os argentinos
para evitar que um êxito de
Kirchner contamine os bugres
do partido do presidente brasileiro, levando-os de volta às besteiras de suas plataformas dos
anos 70, 80 e 90.
Como dizia o embaixador Ítalo Zappa: tem gente que, em vez
de ir direto para o serviço, devia
passar a manhã dando expediente na embaixada americana.
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