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"Amazônia é vulnerável com ou sem índio", diz professora
Análise é da pesquisadora Marcelle Silva, que estuda questões de segurança nas fronteiras
Especialista critica política da Funai de tutela de índios e diz que órgão e a PF não têm condições de monitorar quem entra e sai de reservas
BRENO COSTA
DA AGÊNCIA FOLHA
Não importa se a terra é ocupada por índios ou por fazendeiros: toda a faixa de fronteira
da Amazônia brasileira é vulnerável. A análise é da coordenadora do curso de relações internacionais da Universidade Federal de Roraima, Marcelle Ivie
da Costa Silva, 28, que pesquisa
as questões de segurança nas
fronteiras brasileiras e está
concluindo doutorado em ciência política pela Unicamp com a
tese "Raposa/Serra do Sol:
agentes políticos, conflitos e interesses internacionais na
Amazônia brasileira".
Ela diz que há "maniqueísmo" nas análises sobre a disputa na Raposa e que a Polícia Federal e a Funai não têm condições de saber se não-índios entram em áreas indígenas.
FOLHA - Como vigiar uma área de
1,7 milhão de hectares, em região
de fronteira?
MARCELLE IVIE DA COSTA SILVA - Não
é possível vigiar a Amazônia. É
um problema geral, não uma
questão dessa reserva. O fato de
ser faixa de fronteira não vejo
como sendo uma ameaça especial. É uma ameaça presente
em outras faixas de fronteira,
sendo área indígena ou não.
Existe legislação específica que
prevê a entrada das Forças Armadas em caso de ameaça.
A gente não pode esquecer
que a terra indígena Ianomâmi
[na fronteira com a Venezuela]
é mais extensa que a Raposa. As
políticas públicas são feitas para a Amazônia, mas há várias
amazônias. Dependendo do local, há particularidades que não
são levadas em conta. Falta
sentar com essas comunidades,
ouvir o que precisam. Não basta demarcar e não dar condição
para as populações se estabelecerem com qualidade de vida.
FOLHA - A Funai cumpre seu papel?
MARCELLE - O problema da Funai não é só a política indigenista, a qual tenho críticas, mas
também as condições que o Estado dá ao órgão. Você vai lá,
demarca. É um processo lento.
Na Raposa, culminou no que a
gente está vendo: demarca e depois deixa as populações com
pouca salvaguarda. Tem muita
área demarcada onde as pessoas estão morrendo de fome.
A Funai falha aí. Não por falta
de vontade, mas por falta de recurso. Acho a política da Funai,
de tutela do indígena, totalmente inadequada. Tem que
capacitar populações para que
se auto-sustentem.
FOLHA - Qual o controle do acesso
de não-índios a terras indígenas?
MARCELLE - Qualquer pessoa
que vá a uma terra indígena
precisa de autorização da Funai. Mas aí esbarra na burocracia. Às vezes, tem que esperar
seis meses para uma autorização. O que as pessoas fazem?
Vão sem, porque a burocracia é
enorme. No mês passado, dois
americanos foram pegos dentro da Raposa. Um era internacionalista e outro trabalhava
para uma empresa de prospecção de petróleo. Mas é muito
raro a Polícia Federal pegar alguém na Raposa sem autorização. Não tenho como provar,
mas a gente sabe que há entrada de estrangeiros até porque a
fronteira é vulnerável.
A melhor maneira de fazer o
controle é treinar a comunidade para fazê-lo.
FOLHA - Um dos argumentos centrais dos opositores à demarcação
em área contínua é a ameaça à soberania nacional. Faz diferença se a
terra é indígena ou não?
MARCELLE - Não basta garantir
uma soberania no âmbito do
território. Não adianta ter uma
presença enorme das Forças
Armadas, seja ela terra privada
ou da União, se você não tem
forma de garantir que o conhecimento ou a ciência que pode
ser gerada nessa área tão rica
seja administrada pela comunidade científica do Brasil. A facilidade de transporte de informações hoje é incrível. Não
precisa levar plantas, você faz
pesquisa e leva informações em
microchip. A riqueza não é necessariamente diamante ou ouro. Você pode ter uma mina de
diamante que não vale nada perante a possibilidade de desenvolvimento da indústria farmacêutica, por exemplo.
FOLHA - O que o prolongamento
do impasse na Raposa/Serra do Sol
pode acarretar à região?
MARCELLE - Há muito maniqueísmo. Por causa dessa polarização, um novo adiamento do
julgamento traz mais ansiedade. Isso é um problema que
vem há 30 anos. A Raposa virou
um símbolo, mas temos outras
questões indígenas para resolver. O caminho que se tomar
tende a ficar como marco para
futuras decisões. Um confronto
direto pode acontecer? Pode.
Mas não gostaria de colocar isso em tom alarmista porque as
partes sabem que partir para a
violência é muito prejudicial.
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