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JANIO DE FREITAS
Uma questão interessante
O número oficial de automóveis furtados e roubados em 99,
no Brasil, é 20% maior que o de
98. Um número que significa
mais do que a quantidade das
pessoas e famílias que passaram
pela situação, para muitos irreparável, de perder o carro. Pouco se atenta para coisas assim,
mas as consequências daquele
número recaem também sobre
todos os possuidores de automóveis não levados pelos ladrões.
De uma dessas duas maneiras: ou no preço mais alto do seguro neste ano, que as seguradoras fixam valendo-se da
quantidade de roubos e furtos,
ou na inquietante impossibilidade de segurar o carro por causa do preço -que no Brasil é
absurdo com ou sem aumento
de carros perdidos, mas quanto
a isso não há jeito mesmo.
A quantidade de carros roubados e furtados conduz a uma
questão interessante, que, calma aí, não está em discutir as
causas da criminalidade urbana, ou se o desemprego fernandista contribui para o aumento
do ataque aos carros e seus donos. É o número que sugere a
questão.
Em 99 os ladrões levaram 371
mil automóveis. Sem entrar nos
quebrados, mais de mil carros
por dia. O número reflete atividade imensa. E constante, com
a regularidade de empreendimento e de ocupação profissional, como demonstram os números ano a ano. A cada dia é
preciso movimentar pelas ruas,
pelas estradas, em depósitos,
mais de mil automóveis, para
que no dia seguinte outros mil
estejam a caminho de sua destinação final.
E que destino têm tantos carros?
O Paraguai e outros bons vizinhos têm-se mostrado apreciadores de carros roubados no
Brasil, com pouco ou nenhum
interesse do Brasil pelo assunto.
A não ser quando Domingos
Meirelles, ou um dos seus seguidores, faz uma reportagem daquelas no paraíso paraguaio.
Mas absorver, acima das transações com carros legais, digamos que uns 200 mil automóveis roubados por ano, isso os
bons vizinhos não podem, ou
estariam transbordando de carros.
O empreendimento dos ladrões funciona sobretudo no
Sudeste, onde, dos 371 mil de 99,
48 mil foram roubados e furtados no Estado do Rio (levantamento das seguradoras) e 229
mil em São Paulo (levantamento do Renavan). A secretaria da
Segurança do Rio tem três observações sobre a destinação
dos carros:
- Um terço é entregue a quadrilhas, para desmontagem, pelos próprios donos, que depois
requerem o recebimento do seguro. As seguradoras têm provas dessa prática, mas a proporção de 30% não é comprovada e
soa muito mais favorável à polícia do que à realidade.
- O desmonte de carros em
oficinas rudimentares, ferros-velhos e quintais é ativíssimo,
para venda de peças e acessórios como se fossem novos, depois de um banho de tapeação,
e para o mercado semi-clandestino de usados conhecido como
robauto, no país todo. Em grande parte das lojas de autopeças,
é enorme o risco de comprar-se
recauchutado por novo.
Localizar os pontos de desmonte de carros e motos não
apresenta maior dificuldade,
sobretudo para as nossas polícias hoje dotadas de helicópteros. É interessante, então, que só
de raro em raro um ponto de
desmonte seja fechado em São
Paulo, no Estado do Rio ou em
Minas, onde consta estar o
maior número deles. E, quando
acontece, é porque houve uma
denúncia em condições que não
permitem ignorá-la. Caso da última e já distante identificação
de um ponto de desmanche no
Rio, com grande movimento:
era propriedade de um oficial
da PM.
Mais interessante é que o governo federal, em complementação ao pouco ou nenhum interesse pela exportação dos roubados, jamais se interessou em
coordenar a ação geral dos Estados, com o uso também dos
helicópteros militares, para localizar e fechar desmontes de
carros roubados.
O empreendimento do furto e
roubo dos carros é como o empreendimento das drogas: só vai
preso o varejista ou o pequeno
distribuidor. A questão não é
mesmo interessante?
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