São Paulo, Domingo, 16 de Janeiro de 2000


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JANIO DE FREITAS
Uma questão interessante

O número oficial de automóveis furtados e roubados em 99, no Brasil, é 20% maior que o de 98. Um número que significa mais do que a quantidade das pessoas e famílias que passaram pela situação, para muitos irreparável, de perder o carro. Pouco se atenta para coisas assim, mas as consequências daquele número recaem também sobre todos os possuidores de automóveis não levados pelos ladrões.
De uma dessas duas maneiras: ou no preço mais alto do seguro neste ano, que as seguradoras fixam valendo-se da quantidade de roubos e furtos, ou na inquietante impossibilidade de segurar o carro por causa do preço -que no Brasil é absurdo com ou sem aumento de carros perdidos, mas quanto a isso não há jeito mesmo.
A quantidade de carros roubados e furtados conduz a uma questão interessante, que, calma aí, não está em discutir as causas da criminalidade urbana, ou se o desemprego fernandista contribui para o aumento do ataque aos carros e seus donos. É o número que sugere a questão.
Em 99 os ladrões levaram 371 mil automóveis. Sem entrar nos quebrados, mais de mil carros por dia. O número reflete atividade imensa. E constante, com a regularidade de empreendimento e de ocupação profissional, como demonstram os números ano a ano. A cada dia é preciso movimentar pelas ruas, pelas estradas, em depósitos, mais de mil automóveis, para que no dia seguinte outros mil estejam a caminho de sua destinação final.
E que destino têm tantos carros?
O Paraguai e outros bons vizinhos têm-se mostrado apreciadores de carros roubados no Brasil, com pouco ou nenhum interesse do Brasil pelo assunto. A não ser quando Domingos Meirelles, ou um dos seus seguidores, faz uma reportagem daquelas no paraíso paraguaio. Mas absorver, acima das transações com carros legais, digamos que uns 200 mil automóveis roubados por ano, isso os bons vizinhos não podem, ou estariam transbordando de carros.
O empreendimento dos ladrões funciona sobretudo no Sudeste, onde, dos 371 mil de 99, 48 mil foram roubados e furtados no Estado do Rio (levantamento das seguradoras) e 229 mil em São Paulo (levantamento do Renavan). A secretaria da Segurança do Rio tem três observações sobre a destinação dos carros:
- Um terço é entregue a quadrilhas, para desmontagem, pelos próprios donos, que depois requerem o recebimento do seguro. As seguradoras têm provas dessa prática, mas a proporção de 30% não é comprovada e soa muito mais favorável à polícia do que à realidade.
- O desmonte de carros em oficinas rudimentares, ferros-velhos e quintais é ativíssimo, para venda de peças e acessórios como se fossem novos, depois de um banho de tapeação, e para o mercado semi-clandestino de usados conhecido como robauto, no país todo. Em grande parte das lojas de autopeças, é enorme o risco de comprar-se recauchutado por novo.
Localizar os pontos de desmonte de carros e motos não apresenta maior dificuldade, sobretudo para as nossas polícias hoje dotadas de helicópteros. É interessante, então, que só de raro em raro um ponto de desmonte seja fechado em São Paulo, no Estado do Rio ou em Minas, onde consta estar o maior número deles. E, quando acontece, é porque houve uma denúncia em condições que não permitem ignorá-la. Caso da última e já distante identificação de um ponto de desmanche no Rio, com grande movimento: era propriedade de um oficial da PM.
Mais interessante é que o governo federal, em complementação ao pouco ou nenhum interesse pela exportação dos roubados, jamais se interessou em coordenar a ação geral dos Estados, com o uso também dos helicópteros militares, para localizar e fechar desmontes de carros roubados.
O empreendimento do furto e roubo dos carros é como o empreendimento das drogas: só vai preso o varejista ou o pequeno distribuidor. A questão não é mesmo interessante?


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