São Paulo, Domingo, 16 de Janeiro de 2000


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CELSO PINTO
Os dólares indiretos da Telefónica

A operação da Telefónica de España com a Telesp e a Tele Sudeste envolve apenas troca de ações. Poderá, contudo, ter um impacto significativo de entrada de dólares no Brasil.
Um banco calcula que, conforme a disposição dos investidores, a operação poderá acabar gerando mais de US$ 4 bilhões em entrada de dólares. Ou seja, poderá melhorar ainda mais o fluxo de dólares neste ano, que já se esperava que fosse muito mais tranquilo do que o do ano passado.
A oferta da Telefónica não envolve desembolso. O que ela propõe para os acionistas da Telesp e da Tele Sudeste é trocar suas ações pelo equivalente às ações da empresa-mãe espanhola. Serão os BDRs, Brazilian Depositary Receipts, títulos equivalentes às ações da Telefónica que poderão ser negociados nas Bolsas brasileiras. Seguem o mesmo princípio das ADRs, as equivalentes a ações de empresas brasileiras que são negociadas em Nova York.
Toda a euforia das Bolsas com o anúncio veio do preço oferecido, um ágio de 40% sobre o valor de mercado. O que prova a tese de que os preços nas Bolsas brasileiras ainda estão baixos. O que a Telefónica achou um preço vantajoso para ela, os investidores daqui acharam um preço excelente.
Nas contas desse banco, a Telesp valeria US$ 11,7 bilhões, e a Tele Sudeste, US$ 4,5 bilhões. A Telefónica já tem US$ 1,4 bilhão da Telesp e US$ 534 milhões da Tele Sudeste. Sobram US$ 10,3 bilhões para ela comprar na Telesp e US$ 4 bilhões na Tele Sudeste.
Desses US$ 10 bilhões da Telesp, US$ 4 bilhões são ADRs em Nova York e US$ 6,3 bilhões no mercado local. No caso da Tele Sudeste, US$ 1,5 bilhão é ADR e US$ 2,5 bilhões estão no mercado brasileiro.
Portanto, nessas contas, a oferta da Telefónica poderia alcançar até US$ 8,8 bilhões. O preço oferecido pela Telefónica continua bom, mesmo depois da alta pós-anúncio. Ontem, persistia um deságio de 14% nas ações ON da Telesp e 8% nas PN, em relação ao preço da oferta da Telefónica. É lógico esperar que os investidores troquem suas ações pelas BDR da Telefónica.
Mas o que eles vão fazer com essas BDRs? Alguns investidores podem se animar a ficar com ações de uma empresa da liga maior das empresas globais, como a Telefónica. Outros, contudo, serão compelidos a trocá-las por outras ações.
Não por razões legais: mesmo os fundos de pensão, que têm restrições para ter ações externas, podem ter BDRs. Só que muitos fundos de investimentos, ou fundos dedicados, vão precisar ter papéis brasileiros e não BDRs em suas carteiras.
A Telesp, um gigante na Bolsa brasileira, responde por 12% da formação do índice Bovespa. Quando ela virar Telefónica, deixará de compor o índice, que será composto por outras empresas, revalorizadas.
Muitos fundos tentam não ficar distantes do desenho do Ibovespa, para não correr o risco de sofrer oscilações (ganhos ou perdas) muito diferentes das registradas pela Bolsa. Os investidores gostam quando seus fundos lucram mais do que o Ibovespa, mas odeiam quando o inverso acontece.
Além disso, muitos fundos de investimentos são dedicados, ou seja, comprometem-se a investir em risco Brasil, ou em setores específicos (como teles brasileiras). Não poderiam ficar com ações da Telefónica de España na carteira, por mais interessante que pareça.
E quem compraria essas ações? Fundos e bancos externos interessados, por exemplo, em ganhar com arbitragens nos preços aqui e lá fora. A tendência, na visão de alguns analistas do mercado, é que uma proporção crescente do que era a Telesp acabe em mãos de investidores externos, interessados na Telefónica.
Na hora em que isso acontecer, significará, de uma forma ou de outra, ingresso de dólares no Brasil. É uma forma de investimento direto em portfólio. O banco citado no início acha que até uns 50% da operação de troca poderá acabar no exterior, gerando dólares. Outro grande banco tem uma estimativa mais conservadora, mas concorda com o raciocínio.
Não é um fechamento de capital, mas uma espécie de segunda venda da empresa privatizada. Um analista lembra o exemplo da fusão Daimler-Chrysler, em que a divisão inicial de ações foi de 60% para os alemães e 40% para os americanos e que hoje estaria em 70%/30%, pelo desinteresse dos investidores americanos e interesse dos alemães na nova empresa.
Da mesma forma, supõe esse analista, se no final da operação a Telesp representar 7% da Telefónica, não será uma surpresa constatar, depois de algum tempo, que essa fatia foi bastante reduzida.


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