São Paulo, Domingo, 16 de Janeiro de 2000


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ENTREVISTA
Ex-governador do DF admite que disputará prévia do PT à Presidência caso Lula não concorra
Cristovam quer moratória negociada



MONICA BERGAMO
da Reportagem Local

O ex-governador de Brasília Cristovam Buarque, 55, não esconde de ninguém a imensa vontade de ser candidato à Presidência do Brasil pelo PT. Derrotado por Joaquim Roriz (PMDB) ao tentar se reeleger para o governo de Brasília, Cristovam viajou para 18 países em 1999, escreveu três livros e já disse que, se Lula não for mesmo candidato, pretende disputar a indicação do partido.
Dificuldades, ele terá. Uma boa parte do PT desconfia de sua personalidade conciliadora, capaz de apoiar candidatos do PSDB e do PFL ao governo em 1998 para obter o apoio desses partidos em sua própria campanha eleitoral.
Por outro lado, mesmo derrotado nas eleições, o ex-governador conseguiu dar visibilidade a projetos administrativos como o programa da Bolsa-Escola.
Nesta entrevista à Folha, o ex-governador criticou o PT, poupou o senador Antonio Carlos Magalhães e radicalizou: defendeu a moratória negociada de uma parte da dívida interna, para que o dinheiro possa ser investido num programa de erradicação da pobreza do Brasil:

Folha - O sr. acaba de lançar um livro, "A Segunda Abolição", em que propõe que o governo gaste R$ 40 bilhões num projeto de erradicação da pobreza. Não é uma proposta inviável? De onde virá tanto dinheiro?
Cristovam -
Esse país tem uma dívida financeira com banqueiros, com fundos de pensão e com a classe média, que tem dinheiro aplicado em bancos. Mas tem também uma dívida com os pobres. Vamos discutir as duas dívidas em conjunto. Vamos dizer ao credor: "Você é um homem rico, que vive de juros. Mas não pode andar na rua, gasta uma fortuna com segurança, seus filhos talvez vivam num país em guerra civil. A gente quer pagar a você a dívida financeira e essa outra dívida, moral. Para isso, você vai ter que abrir mão de uma parte dos juros de suas aplicações".

Folha - Para simplificar: a pessoa coloca R$ 100 no banco. Depois de um ano, tem R$ 120, graças aos juros. Ela abriria mão desses R$ 20, que ficariam com o governo, e continuaria apenas com R$ 100. É isso?
Cristovam -
Há outra alternativa: as crianças morrem, ou ficam sem escolas, e a dívida financeira é paga em dia. A segunda alternativa: pagamos essa dívida em 20 anos. É o alongamento da dívida, que é basicamente o que propõe o Ciro Gomes (PPS-CE). A minha proposta é que, além desse alongamento, que provavelmente vai acontecer, a gente faça até uma redução da dívida. A condição é que o dinheiro seja aplicado no setor social.

Folha - O sr., em seu livro, elogia a Coréia do Sul por ter aberto CPI para investigar as causas da crise econômica de 1997. Se houver uma CPI no Brasil para investigar as causas da fome, ACM, que tem poder há mais de uma década, terá que prestar depoimento?
Cristovam -
Eu acho que 160 milhões de brasileiros precisariam prestar depoimento.

Folha - Até os que estão passando fome?
Cristovam -
Quem está passando fome vota. Então tem responsabilidade.

Folha - E eles diriam o que na CPI? Pediriam desculpas pelo voto que deram?
Cristovam -
Não é pedir desculpas. É dizer: eu errei também. O problema do Brasil é ético. Não é um problema de fulano, sicrano ou beltrano. Jamais eu diria que a culpa é de Fernando Henrique Cardoso. O que eu critico no presidente é ele não ter feito gestos concretos para erradicar a pobreza. Ele se orgulha de um programa de renda mínima que beneficia 180 mil crianças. Fiz o Bolsa-Escola em Brasília e beneficiei 50 mil crianças, que recebiam uma renda para frequentar as aulas. Estou dando consultoria para um programa parecido no Equador que beneficiará 600 mil crianças, numa população de 13 milhões.

Folha - O sr. faria as alianças que FHC fez para governar?
Cristovam -
Se amanhã houver aliança a favor de um projeto do PT, eu não vejo por que ficar contra. Vamos supor que o Lula seja eleito presidente e o PT não tenha a maioria dos parlamentares no Congresso Nacional. Ou ele faz aliança, ou ele vira um ditador.

Folha - O sr. defenderia uma aliança com o PFL de ACM, por exemplo?
Cristovam -
A pergunta é: aliança para quê? Se for para trair os compromissos com o povo, não se deve fazer com ninguém. Mas, se for para levar adiante um projeto é claro que tem que fazer. Acho absolutamente necessário.

Folha - O sr. acredita quando o Lula diz que não quer ser candidato a presidente?
Cristovam -
Eu acredito. Toda conversa que tenho com o Lula, ele diz que não quer ser. Mas acho que ele vai ter que ser. É muito difícil livrar-se do peso de 30 milhões de votos. Em segundo lugar, nenhum outro candidato unifica o partido. O PT vai exigir que o Lula seja candidato outra vez. Mesmo contra a vontade dele.

Folha - O sr. quer ser candidato?
Cristovam -
Se o Lula, de fato, não for candidato, vou disputar uma prévia dentro do PT.


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