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ENTREVISTA
Presidente do Banco Mundial elogia primeiras medidas do governo e acha que petista cumprirá suas promessas
"Lua-de-mel" com Lula acabará, diz Bird
Alan Marques - 21.nov.02/Folha Imagem
![](../images/n1602200301.jpg) |
O presidente do Bird, James Wolfensohn, durante encontro com o presidente Lula, no Brasil |
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Um dos maiores entusiastas do
governo Lula no mundo, o presidente do Bird (Banco Mundial),
James Wolfensohn, teme que o
cenário internacional comprometa investimentos no Brasil e reduza o crescimento do país.
Em entrevista exclusiva à Folha,
Wolfensohn também vê como
inevitável e natural o fim da lua-de-mel do presidente Lula com
parte da opinião pública brasileira, como resultado de resistências
à reforma previdenciária e a ações
para redistribuir renda. Mesmo
assim, acredita que Lula será capaz de cumprir suas promessas
por ter obtido uma espécie de
pacto social inovador no país.
"Quando os bolsos de muitas
pessoas começarem a ser tocados
"pelas políticas de Lula", problemas vão surgir. Sei disso. Mas Lula construiu uma coesão nacional.
Se conseguir mantê-la, será muito
difícil fracassar."
Segundo ele, o governo Lula
"tem que dar certo" não só para o
país como também para o futuro
da América Latina e do banco,
que defende há anos a idéia de
que é possível, para um país em
desenvolvimento, combater a pobreza mantendo ao mesmo tempo o equilíbrio da economia.
Wolfensohn deverá ir ao Brasil
no final de março para encontrar-se novamente com Lula e com
membros de sua equipe.
Apesar do caráter informal da
visita, o Bird está oferecendo ao
Brasil US$ 1 bi em empréstimos
de rápido desembolso em 2003.
Wolfensohn falou à Folha na sede
do Bird, em Washington.
Folha - Como o sr. julga o governo
Lula até agora?
James Wolfensohn - Temos de
julgar o desempenho do Brasil
sob as condições globais. Em primeiro lugar, não está havendo
crescimento econômico significativo no mundo inteiro. E é muito
difícil combater a pobreza quando não há crescimento econômico. O segundo problema são as
circunstâncias da geopolítica global, que afetam a disposição de os
investidores assumirem risco.
A economia mundial está sendo
afetada pelas crises do Iraque, da
Coréia do Norte, pelo fundamentalismo, pelo Oriente Médio e por
outros fatores. O Brasil é afetado
por tudo isso. Não pode simplesmente declarar-se fora do mundo. E, estando dentro do mundo,
poderá sofrer justamente por
meio do canal de investimentos,
do qual depende há anos em razão do nível de endividamento do
país. Então, se não houver acordo
[para evitar um conflito no Iraque", o Brasil será afetado como
qualquer outro país e terá que se
preparar.
Folha - Se o Brasil não conseguir
crescer, por razões externas ou internas, como o sr. acha que Lula poderá fazer para cumprir suas promessas sociais e manter, ao mesmo
tempo, o equilíbrio macroeconômico.
Wolfensohn - Redistribuindo e
realocando ativos e recursos.
Queremos o crescimento, mas
também observamos como essencial o elemento da redistribuição e da realocação de recursos no
Brasil. Parece que esse processo já
está ocorrendo e, o que é mais impressionante, com o voto de 52
milhões de pessoas, de forma democrática.
Folha - Apesar de seu otimismo, e
do fato de Lula ter cortado R$ 20 bilhões do Orçamento para implementar sua nova meta de superávit
fiscal, a taxa de risco-país continua
acima de 1.300 pontos, típica de
países à beira de uma moratória.
Como o sr. explica isso considerando que Lula está fazendo exatamente o que os mercados queriam?
Wolfensohn - A taxa de risco tem
sido reduzida nos últimos meses.
Há um apoio visível e crescente ao
Brasil na comunidade internacional. O que ocorre é que o risco está
sendo largamente afetado por critérios externos e pelo desempenho da economia mundial -não
por problemas internos do Brasil.
Como consequência, há uma redução nos recursos disponíveis
para países em desenvolvimento.
Isso empurra as taxas de juro cobradas dos papéis brasileiros. Sabemos dessa dificuldade e queremos ajudar, seja por meio do banco como também de nosso braço
que empresta dinheiro ao setor
privado, o IFC (International Finance Corporation).
Folha - De que forma o Bird pode
ajudar?
Wolfensohn - Se os tivéssemos,
emprestaríamos todos os recursos necessários ao Brasil, investiríamos pesado no país. Lula não é
apenas cativante, mas também
consciente dos desafios financeiros e da posição do Brasil na economia global. Ele conseguiu convencer e entusiasmar antigos
opositores. Existe uma transformação muito especial ocorrendo
no país. É instigante. Mas já estamos perto de nosso limite de empréstimos ao país. Se o governo
do Brasil solicitar, o Banco Mundial poderá disponibilizar recursos extraordinários de até US$ 1
bilhão em 2003 (adicional ao US$
1,5 bilhão disponível para empréstimos de investimento em
2003 e dentro dos US$ 6 bilhões a
US$ 10 bilhões já disponíveis ao
Brasil até 2006). Além disso, temos que tentar defender o país
publicamente. O Brasil tem que
dar certo. Não só pelo país, mas
por toda a América Latina.
Folha - Para o Bird também...
Wolfensohn - Sim, para o banco
também. Não fiz cálculos ainda
com relação a quanto perderíamos se o Brasil fracassasse.
Folha - Refiro-me à retórica do
banco, de que é possível combater
a pobreza cortando gastos ao mesmo tempo.
Wolfensohn - Não se trata de retórica, mas do que é correto. A
simples idéia do Fome Zero é fantástica porque capta a imaginação. Não somente o combate à fome, como também a ênfase na
educação, em novas oportunidades, na inclusão social. Lembre-se
que há pouco tempo Lula era tido
como um líder esquerdista que
estava lá para constranger e atrapalhar todo mundo. Hoje, as pessoas reconhecem que ele é a voz
da nação. E ainda nomeou um
ótimo ministério.
Folha - O sr. não está se deixando
influenciar pela lua-de-mel, normal em todo começo de governo?
Wolfensohn - É verdade, estamos nos primeiros cem dias, numa lua-de-mel. Haverá dificuldades. Talvez geradas externa ou localmente. Conheço muito bem o
Brasil para saber que, lá, as coisas
quase nunca ocorrem suavemente. Existem os desafios das reformas previdenciária e tributária,
da redistribuição da riqueza.
Quando os bolsos de muitas pessoas começarem a ser tocados,
problemas vão surgir. Sei disso.
Mas Lula construiu uma coesão
nacional. Se conseguir mantê-la,
será muito difícil fracassar.
Folha - O programa Fome Zero
tem recebido muitas críticas. Para
alguns, é populista e demagogo.
Para outros, ineficiente e assistencialista. Não seria melhor reforçar
programas como o Bolsa-Escola,
consagrado pelo próprio Bird?
Wolfensohn - Serei franco com
você. Não estudei o programa a
fundo. O que me impressiona nele é o sentido de direção, mais do
que sua natureza. Conheço as críticas feitas no Brasil a esse programa, mas continuo achando que
ele é uma boa iniciativa. Acho essencial que o setor privado se engaje nesse projeto.
Folha - E se o programa fracassar?
Há espaço político para ser readaptado?
Wolfensohn - Claro. Não se pode
exigir perfeição logo no início. Se
o programa não funcionar, se o
dinheiro se perder no meio do caminho, o governo terá que propor
outro. Certamente há outros modelos. Mas, pelo que sei, o Fome
Zero tem sido muito bem administrado. Estou indo ao Brasil novamente no final de março para
encontrar-me novamente com o
presidente Lula e com membros
de sua equipe.
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