|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SEM CONSENSO
Vice-presidente diz que "a emenda sairá pior do que o soneto" se a reforma tributária não sair a contento
Alencar diz temer "arremedo" de reforma
Alan Marques/Folha Imagem
|
O vice-presidente da República, José Alencar, no Palácio do Jaburu |
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
"Não posso ser omisso. Do contrário, como eu vou fazer a barba
de manhã e olhar para a minha
cara?" Assim o vice-presidente da
República, José Alencar (PL), 71,
justifica suas críticas às propostas
debatidas até agora de reforma
tributária e previdenciária.
Alencar concentra sua preocupação na tributária. Teme que a
proposta seja um "arremedo" de
reforma e que traga "frustração
ao povo brasileiro". "Aí, a emenda sairá pior do que o soneto."
Apesar de julgar "genial" a política macroeconômica de Antonio
Palocci Filho, principal condutor
da reforma tributária, Alencar diz
que o ministro da Fazenda "não
pode saber tudo" e pede que convoque "os melhores técnicos para
fazer um projeto para ele".
Crítico duro da idéia de cobrar o
novo ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no Estado onde o produto é consumido (destino), e não onde
é produzido (origem), Alencar
acha que essa possibilidade tem
de ser abandonada de vez.
Mais: bombardeia a perenização da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), prevista na proposta
em preparação na Fazenda.
"Não precisa existir CPMF, não
pode existir -ou então que exista
só ela", afirma, referindo-se indiretamente à idéia de um imposto
único, o que ele descarta hoje.
O vice de Luiz Inácio Lula da Silva pede que a reforma tributária
seja seja "simples", "cabal" e
"abrangente". Em relação à previdenciária, fala em respeito a "direitos adquiridos" e chega a admitir aposentadoria integral "desde
que o sujeito pague para isso".
Alencar nega que esteja em atrito com Lula, a quem faz elogios.
Diz que faz suas críticas na condição de "cidadão". "Ainda que vice
seja vice, amanhã alguém poderá
cobrar: "Mas, Zé Alencar, você
não participou disso? Então, você
deveria ter participado'". A seguir, trechos da entrevista dada
ontem, no Palácio do Jaburu.
Folha - O sr. classificou de "bobagem" a proposta de cobrança do
ICMS no destino em vez de na origem. Por quê?
José Alencar - O imposto de origem ou de destino como imposto
de consumo é uma besteira porque quem paga é o consumidor,
onde quer que ele esteja, não o Estado onde o produto é feito ou
vendido. Não é desapreço a ninguém, mas é uma bobagem que
me preocupou. Na prática, seria o
Estado produtor transferindo
mercadorias para que o imposto
seja pago no Estado consumidor,
o que é um complicador brutal.
Estaremos complicando o sistema em vez de simplificá-lo e dando margem ao casuísmo.
Já temos enormes dificuldades a
vencer para fazer uma reforma
tributária para valer. Vamos aumentá-las à custa de algo que
complica o sistema? Estaríamos
legislando equivocadamente em
cima de circunstâncias. Como a
economia é dinâmica, um Estado
que consome mais do que produz
pode passar a produzir mais. Ora,
um Estado tem de se preocupar
com o crescimento da produção,
não do consumo. Essa discussão
sobre destino tem de ser abandonada de vez, e não ficar para ser
decidida daqui a dois anos. Por isso, esse pode ser um dos fatores
que frustrem a reforma tributária.
Folha - Que outros fatores trariam frustração?
Alencar - Todo o Brasil espera há
muitos anos pela reforma tributária, porque o sistema tributário
nacional se transformou num cipoal burocrático que entrava o
desenvolvimento. É preciso simplificá-lo, eliminar os impostos
em cascata para desonerar as exportações e fazer com que os tributos diretos, como o Imposto de
Renda, como deseja o presidente,
sejam mais progressivos, cobrando mais de quem ganha mais.
Também tem de ser uma reforma cabal, não um arremedo. Por
isso, temo que a proposta de
emenda constitucional da reforma tributária possa trazer frustração ao nosso povo se for um arremedo de reforma. Aí, a emenda
sairá pior do que o soneto.
Folha - Em reunião, governadores do PSDB criticaram as propostas de reformas tributária e previdenciária aventadas pelo governo
até agora, dizendo que elas têm
"caráter restrito". O sr. concorda?
Alencar - Repito as palavras do
Lula. Reforma tributária cada um
tem uma na cabeça, o que é natural. Escolhemos o caminho clássico e descartamos o heterodoxo,
no qual caberia pensar num imposto único, que teria de ter uma
alíquota muito alta para compensar todos os impostos de hoje.
Daí a razão para adotarmos o
caminho clássico, que há de contemplar basicamente três impostos arrecadadores. Um deles é imposto indireto. Outros dois, diretos. O imposto indireto é o imposto de consumo, qualquer que seja
o seu nome, ICMS, IVA [Imposto
sobre Valor Agregado] etc. Os outros dois impostos indiretos arrecadadores são o Imposto de Renda e o imposto de propriedade.
Um bom sistema teria, então, três
impostos arrecadadores, sem prejuízo dos regulatórios.
O Estado não pode abrir mão de
impostos que são instrumento de
política, como o IOF [Imposto sobre Operação Financeira], instrumento de política monetária. Outro imposto desse tipo é aplicado
sobre o comércio exterior.
Folha - A Fazenda avalia que a cobrança no destino seria mais eficaz
para evitar guerra fiscal.
Alencar - Para evitar a guerra fiscal, basta que seja uma legislação
nacional.
Folha - Que outros erros existem
na proposta de reforma tributária
debatida até agora?
Alencar - A CPMF, por exemplo,
não pode continuar. É outro imposto cumulativo.
Folha - Mas na proposta do governo ela continua e não tem prazo
para acabar nem para ter a alíquota de 0,38% diminuída para 0,08%.
Alencar - Ainda não há proposta
do governo. Está tudo em estudo.
Folha - Nas duas minutas de proposta de emenda constitucional da
reforma tributária feitas por Palocci, a CPMF está mantida.
Alencar - Isso é porque o imposto garante, com 0,38%, R$ 20 bilhões por ano. Mas ele tem de
substituir isso pelo imposto clássico. Não precisa existir CPMF,
não pode existir -ou então que
exista só ela.
Folha - Qual o sentido então da
proposta de Palocci, que, idealmente, gostaria de aplicar a cobrança do
ICMS no destino e que está prevendo a continuidade da CPMF? Inexperiência? Incompetência?
Alencar - Não é incompetência
nem inexperiência. O Palocci está
dando um exemplo ao mundo de
competência e de seriedade. Agora, é claro que isso é assim mesmo. É legislação, e legislação tem
de ser discutida.
Agora, não podemos pensar
que vamos mandar para o Congresso um projeto e que ele vai ser
aprovado imediatamente. Temos
de respeitar o Congresso, que vai
discutir. Estou falando antes da
ida da mensagem presidencial para que ela vá dentro de um texto
que tenhamos condições de defender. Não adianta inventar.
Isso não é um problema para ser
resolvido numa platéia, mas por
pessoas que entendam disso e que
sejam tecnicamente capazes. O
Palocci, como ministro da Fazenda e homem público, é dos melhores que tem. Ele pode convocar os melhores técnicos para fazer um projeto para ele. Ele não
pode, por exemplo, saber tudo,
ninguém sabe tudo.
Ele sabe até mais do que deveria,
porque é um médico que está fazendo um trabalho genial de respeito aos princípios macroeconômicos, aplaudido no mundo inteiro. A macroeconomia está correta, mas estou falando da reforma tributária. Tenho o sonho de
ver o Brasil caminhando para um
país de primeiríssimo mundo.
Folha - O sr. está dizendo isso tudo em que condição, como vice ou
empresário?
Alencar - Que empresário?! Como cidadão.
Folha - Não é a visão de empresário do sr.?
Alencar - De forma alguma. Se
eu for verificar o interesse da minha empresa, eu não ia mexer
com isso, não. Para mim, tanto
faz. Estou rigorosamente em dia
com o pagamento dos meus impostos. Não estou preocupado
com isso. Para ganhar dinheiro,
eu estaria na minha empresa, não
estaria aqui, não. Estou aqui tentando trazer alguma contribuição
para a vida pública.
Folha - A declaração do sr. deu a
impressão de algum desentendimento entre o sr., Lula e Palocci. Por
que o sr. está falando isso agora?
Alencar - Tenho certa responsabilidade porque, queiram ou não,
ainda que vice seja vice, amanhã
alguém poderá cobrar: "Mas, Zé
Alencar, você não participou disso? Então, você deveria ter participado". Só que tenho experiência,
tenho 71 anos de idade. A forma
de participar não tem outra senão
dizer com transparência o que você pensa. Estou aqui há três meses, estou falando hoje. Poderia
ter falado ontem.
Folha - Mas gostaríamos de falar
da natureza da observação do sr. O
sr. é o vice-presidente, empresário
de sucesso?
Alencar - Não, esse negócio de
empresário de sucesso não me dá
nenhuma autoridade. Tenho
muitos patrões. Tenho 175 milhões de patrões, devo satisfação a
esses patrões. Esse negócio de empresário não quer dizer nada.
Folha - O sr. falou com o Lula sobre essas questões?
Alencar - Olha, não, eu tenho falado... veja bem: nesses detalhes,
completos, ainda não. Porque as
coisas vão acontecendo. Chega
um momento em que a sua idéia
amadurece.
Folha - O sr. sentiu necessidade
de verbalizar sua discordância...
Alencar - Óbvio e ululante. Não
posso deixar de dizer o que eu estou pensando. Estou falando
aquilo que acho que preciso falar.
Estou aqui para tentar prestar um
serviço ao meu país. Não posso
ser omisso. Do contrário, como
eu vou fazer a barba de manhã e
olhar para a minha cara? Tenho
que poder olhar para a minha cara e ficar satisfeito com ela.
Folha - O sr. teme que a reforma
previdenciária também seja menos
abrangente do que o sr. deseja?
Alencar -Imagino que ela também seja uma reforma cabal e que
não violente direitos adquiridos.
Isso é premissa básica. Se violentar um direito legítimo adquirido,
o camarada ganha no Judiciário.
Então, só tem um caminho: o
Executivo convocar os melhores
atuários e fazer um projeto de sistema previdenciário da estaca zero. E dizer: essa é a nova Previdência. A que está aí é o que podemos
chamar de imprevidência social.
Para a Previdência nova, poderão
migrar todos que quiserem. Num
primeiro momento você inverte a
tendência de crescimento do déficit e, ainda que haja teto, pode até
trabalhar como aposentadoria
por valor integral. Tem um custo.
É como se fosse uma empresa.
Folha - O sr. não acha que deveria
haver um teto?
Alencar - Dentro de uma previdência normal, pode até ser integral, desde que o sujeito pague para isso. O Estado não pode pagar
para você um teto altíssimo sem
que você tenha pago para isso.
Folha - Vamos falar de detalhes
da Previdência. E a taxação de inativos, o sr. defende a cobrança?
Alencar - Na Previdência nova
não deve nem haver essa discussão, essa pergunta seria um despropósito. Na situação atual, existe caso que se trata de direito legítimo adquirido. Se isso não é um
direito legítimo... quem vai dizer
isso não sou eu, é o Judiciário.
Texto Anterior: Fiesp diz que reforma de Lula "deixa a desejar" Próximo Texto: Frases Índice
|