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São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

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JANIO DE FREITAS

Efeito do poder

À idéia de que o poder corrompe, parece preferível a conclusão de que o poder cega, ensurdece e, portanto, emburrece. O corrupto já chega pronto ao poder. O mal que o poder faz à inteligência e à sensibilidade pode ser observado como uma espécie de trilha da história, que as exceções não chegam a desviar.
Essa observação vem a propósito do fuzilamento, em Cuba, dos três sequestradores de uma embarcação de passageiros. Talvez com exceção do Canadá, em todos os países das Américas o fuzilamento é praticado, mas, em tempos de paz, só dois o autorizam nas leis, para determinados casos: Cuba e Estados Unidos.
Em nenhum dos dois se encontram justificativas lúcidas para a permanência da punição medieval, apenas adaptada sua monstruosidade aos recursos contemporâneos mais práticos. Nos Estados Unidos, a punição legal por morte confunde-se com a própria história nacional. No caso de Cuba, a história heróica da derrubada da ditadura e da expulsão do capital mafioso tem um lapso costumeiro: omite a prática do fuzilamento, pelos rebeldes de Fidel Castro, para punir a delação às tropas ditatoriais, por camponeses, da localização de guerrilheiros. Isso se deu com a coluna de Guevara.
De então para cá, a punição por fuzilamento ficou inscrita doutrina do regime comunista. Mas o tempo e a ação da CIA em Cuba, persistente até hoje, não tornaram a pena de morte justificável. Nem a fizeram produzir algum resultado positivo para o governo ou para o país. Tornou-se ferocidade cada vez mais pura. E, no poder, nem a inteligência incomum de Fidel Castro é capaz de vê-la como é. Os três sequestradores não chegaram aos Estados Unidos, mas o repúdio internacional ao fuzilamento bárbaro lhes deu a vitória sobre o governo cubano.

Pela tortura
Do governador Geraldo Alckmin não era esperada uma saída própria dos cínicos. Defender a nomeação, para alto cargo no seu governo, de um notório torturador dos piores tempos da ditadura, acusado até de mortes, já seria injustificável. Mas fazê-lo com a alegação de que "ele não foi punido" é não se dar ao mínimo respeito. Alckmin sabe que o tira Aparecido Laertes Calandra, vulgo capitão Ubirajara, não escapou à punição por ser inocente dos crimes de que foi e é acusado, mas justamente por não o ser -ou não seria, como diz Alckmin, anistiado.
Lúcido e honesto seria admitir a impropriedade da nomeação, talvez justificável pelo desconhecimento de quem é de fato o nomeado, e entregar o cargo público a um funcionário respeitável. Mas Alckmin prefere mostrar-se imbuído do poder e seus efeitos.


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