São Paulo, quinta, 16 de abril de 1998

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ANÁLISE
Nomeação de dom Cláudio é simbólica

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

É mera coincidência, mas tem todo o simbolismo o fato de que d. Cláudio Hummes seja designado substituto de d. Paulo Evaristo Arns no exato momento em que se iniciam as comemorações dos 20 anos das greves no ABC paulista.
O simbolismo decorre do comportamento de d. Cláudio naquele momento.
Em uma das greves, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) pediu que ele, então bispo de Santo André, fosse o mediador nas negociações com o Sindicato dos Metalúrgicos, presidido por Luiz Inácio da Silva, o Lula, que, à época, ainda não havia incorporado o apelido ao nome.
D. Cláudio negou-se com um eloquência: "A igreja não pode fazer o papel de mediadora, porque está firmemente ao lado de uma das partes, os trabalhadores".
Vinte anos depois, a imagem de d. Cláudio mudou. É tido, agora, como conservador. "É um rótulo injusto. Não foi ele quem mudou, mas a conjuntura", reage o dominicano frei Betto, talvez a personalidade religiosa que mais simbolize a ala dita progressista da Igreja Católica.
Frei Betto apóia-se na sua própria situação pessoal para dizer que o rótulo de conservador não combina com d. Cláudio: indicado para a Pastoral Operária do ABC, no já remoto ano de 1979, Betto manteve-se no cargo até hoje, com total apoio de d. Cláudio, "apesar das inúmeras pressões que ele sofreu" para afastar o dominicano, diz o frei.
O que mudou na conjuntura? Hoje, a igreja já não precisa desempenhar o papel de guarda-chuva protetor dos direitos civis, ao contrário do que o fazia durante o regime militar.
Hoje, Lula é, de novo, virtual candidato à Presidência da República, tem direito (que não usa) até a uma segurança fornecida pela Polícia Federal.
Dezoito anos atrás, em outra das grandes greves do ABC, Lula foi preso.
No rádio do carro da Polícia Federal que o levava de São Bernardo para o Deops, ao qual ficaria recolhido, ouviu a notícia de sua prisão. Fora divulgada, para proteger o líder sindical, nos tempos difíceis do regime militar, por d. Cláudio Hummes, por sua vez avisado por frei Betto e pelo deputado estadual petista Geraldo Siqueira, improvisados guarda-costas de Lula.
Frei Betto brinca que "há muito mais em comum entre d. Cláudio e dom Paulo do que supõe nossa vã filosofia". São ambos franciscanos (da Ordem de São Francisco), são ambos do Sul do país e são também ambos descendentes de alemães, idioma que dominam com certa facilidade.
Basta para caracterizar uma identificação também teológica? Não necessariamente.
As diferenças começam pelo fato de que d. Paulo, um pouco obrigado pelas circunstâncias, um pouco por seu própio temperamento, deu enorme visibilidade pública ao seu período como arcebispo.
D. Cláudio, ao contrário, só teve visibilidade enquanto o ABC, a região que "governava", fervia com as greves. Depois, ficou longe do noticiário, como prefere.

Política interna
A suposta conversão ao conservadorismo é assunto apenas para os que acompanham a política interna da Igreja Católica.
Outra grande diferença de temperamento: d. Paulo não hesita em bater de frente com quem acha necessário. D. Cláudio é muito mais diplomático.
Por fim, a diferença essencial: d. Cláudio deve sua indicação para o Arcebispado de São Paulo ao arquiconservador d. Eugênio Salles, arcebispo do Rio de Janeiro, e o homem de maior confiança do papa João Paulo 2º no Brasil.
D. Eugênio montou na sua Arquidiocese o que, nos corredores da igreja, se batiza de "vestibulinho", uma espécie de cursinho de avaliação para que d. Eugênio verifique quem pode e deve ser promovido.
D. Cláudio passou pelo "vestibulinho" de d. Eugênio e só pode ter sido aprovado. Do contrário, não teria sido indicado.
Esse fato faz dele um conservador? Não necessariamente. Frei Betto, que conhece como poucos as entranhas da igreja brasileira, diz que um conservador puro jamais seria indicado para uma Arquidiocese como São Paulo.
Por um motivo simples: os padres têm enorme facilidade para serem chamados para trabalhar com outros bispos, de outras cidades, caso se sintam pouco à vontade com um novo arcebispo.
Como boa parte dos padres de São Paulo formou-se à sombra do "progressismo" militante de d. Paulo, acabariam por obter transferência para outras cidades, se a guinada fosse muito grande.



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