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São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

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JANIO DE FREITAS

O manifesto

Tanto faz que seja mantido ou retirado o manifesto de parlamentares petistas em defesa dos companheiros ameaçados de expulsão. Tanto faz que o líder Tião Viana renuncie ao cargo, em protesto contra os signatários, ou retire a renúncia. O fato de oito senadores e 35 deputados do PT assinarem prontamente o manifesto é, por si só, a demonstração inegável de que o PT está acometido de uma crise de insatisfação, na qual o problema dos três ameaçados é apenas a fachada.
Nem a cobrança de contribuição aos servidores inativos é aceita na bancada petista, embora só poucos exponham a discordância, nem é a única fonte de insatisfação. Aquele item do projeto governamental para a Previ dência oferece uma via de expressão para um problema maior: o sentimento de frustração, que já vinha de antes, decorrente da política econômica.
O argumento da "transição necessária", aplicado às bancadas petistas pelo governo, foi aceito para silenciar a contrariedade, para evitar a precipitação de protestos "nas massas", mas não convenceu. Cada insatisfeito com a política econômica tem, portanto, algo em comum com os três ameaçados.
A tensão interna do PT não foi percebida em tempo pela direção partidária ou pelo governo. Agora impõe o seu reconhecimento.
Em relação à reforma previdenciária, o governo já convive com a idéia de recuo: o incentivo à apresentação de emendas por não-petistas é um modo de ceder sem falar em recuo, antes atribuindo as alterações a iniciativas alheias e mesmo contrárias ao governo.

Um bravo
Com a saída de Moreira Alves, vai-se o último ministro do Supremo Tribunal Federal nomeado pela ditadura. Pelo seu julgamento passaram numerosas causas de um dos mais grandiosos defensores do Estado de Direito e dos valores democráticos -o advogado, jurista, ensaísta literário e historiador Raymundo Faoro.
Alto, espigado como um Quixote, o bravo Raymundo Faoro um dia assumiu a presidência da Ordem dos Advogados do Brasil para dali enfrentar o regime de opressão. A ditadura não pôde ser mais a mesma. E o espírito cívico pôde reencontrar-se pelo país afora, sob a liderança que sacudia entidades da sociedade civil, grande parte da imprensa e a opinião pública.
Os amigos de Raymundo Faoro perderam ontem as eventualidades de um convívio extraordinário. O país apenas transfere, da recatada presença pessoal para a memória nacional, o seu débito histórico com Raymundo Faoro.


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