UOL

São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PERSONALIDADE

Autor do livro clássico "Os Donos do Poder", advogado presidiu a OAB de 1977 a 1979 e pertencia à ABL

Raymundo Faoro morre aos 78, no Rio

Antônio Gaudério - 3.mai.2000/Folha Imagem
O advogado Raymundo Faoro, na biblioteca de seu apartamento, durante entrevista à Folha concedida em maio de 2000, no Rio


DA SUCURSAL DO RIO
DO BANCO DE DADOS

O advogado, escritor e historiador Raymundo Faoro (1925-2003) morreu ontem pela manhã no Rio, em razão de um enfisema pulmonar. Tinha 78 anos. Autor do clássico "Os Donos do Poder", ele estava internado no hospital Copa D'Or, em Copacabana.
Faoro presidiu a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de 1977 a 1979, quando foi um dos líderes do movimento pela anistia dos presos políticos e pela revogação dos Atos Institucionais do regime militar (1964-1985). Partiu dele, como presidente da OAB, uma das primeiras denúncias contra a tortura de presos políticos.
Sua casa tornou-se ponto de encontro de políticos como Tancredo Neves e o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Lula chegou a convidar Faoro para ser seu candidato a vice na eleição presidencial de 1989. Ele recusou, mas apoiou sua candidatura.
O historiador foi eleito para a ABL (Academia Brasileira de Letras), em votação unânime, em novembro de 2000, ocupando a cadeira número 6, que pertencera ao jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Por problemas de saúde, a posse na ABL foi adiada quatro vezes, até se tornar formalmente um imortal em setembro de 2002.
O corpo do acadêmico foi velado na sede da ABL (centro) e enterrado no mausoléu da ABL, no cemitério São João Batista (Botafogo, zona sul). Como era de sua vontade, os restos mortais de sua mulher, Maria Pompéia, foram colocados no seu túmulo.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, representou o presidente Lula no enterro: "Ele era um homem raro, um homem político, um homem público, a quem o Brasil deve tanto, porque participou de momentos dramáticos da história do Brasil, e que ajudou na construção da democracia brasileira". Para ele, a morte de Faoro significa "uma perda irreparável, uma clareira que não será preenchida facilmente".
"Nós todos, advogados, temos muito orgulho de Raymundo Faoro. Eu falo em meu nome e em nome do presidente Lula, que era grande amigo dele, tanto que, logo depois das eleições, fez questão de visitá-lo aqui no Rio. O presidente ficou profundamente pesaroso com sua morte", completou.
André Leal Faoro, 41, seu filho, contou que, antes da doença, o pai trabalhava numa obra sobre o militarismo: "Não sabemos em que pé ela estava, só que ele já tinha terminado o trabalho de pesquisa. Não sei o que faremos com ela".
Na opinião do acadêmico e colunista da Folha Carlos Heitor Cony, a morte do jurista "é uma perda não só para o país, mas para todos nós como sociedade".

A trajetória
Faoro nasceu em Vacaria (RS), em 27 de abril de 1925. Seus pais eram agricultores pobres de origem italiana. Em 1930, sua família mudou-se para a cidade de Caçador, no oeste de Santa Catarina, onde fez o curso secundário. Estudou direito em Porto Alegre, formando-se em 1948. Transferiu-se em 1951 para o Rio, para advogar. Prestou concurso e tornou-se procurador do Estado.
Em 1971, tornou-se conselheiro federal da OAB, representando o Rio Grande do Sul. Em março de 1977, foi eleito presidente nacional da OAB por 13 votos contra 11. Tomou posse no dia 1º de abril, o mesmo em que o presidente Ernesto Geisel fechou o Congresso e editou o Pacote de Abril, para assegurar a vitória do candidato do regime na eleição indireta.
Numa conjuntura em que a oposição legal, personificada pelo MDB, não conseguia representar politicamente a sociedade, as entidades civis, como a OAB, acabavam desempenhando o papel de partidos políticos. Logo após sua posse, Faoro foi procurado pelo senador Petrônio Portella (Arena-PI), para discutir propostas de conciliação política. Discutiram medidas para a restauração da democracia. Antes do final de seu mandato, Geisel enviou emenda ao Congresso abolindo o AI-5 e restabelecendo o habeas corpus.
Após o fim de seu mandato na OAB, reduziu seu envolvimento direto na política, mas continuou escrevendo regularmente para jornais e revistas. Em 1980, publicou "A Assembléia Constituinte" e, em 1994, "Existe um Pensamento Político Brasileiro?".

"Os Donos do Poder"
Sua principal obra, "Os Donos do Poder", de 1958, exerceu profunda influência sobre a historiografia, a sociologia e a ciência política, embora Faoro (pronuncia-se Fáoro) não tivesse formação acadêmica nessas três áreas.
Recebido inicialmente com críticas muito duras -de Nelson Wernek Sodré, Wilson Martins e Gilberto Freyre-, o livro propõe uma reinterpretação da história brasileira inspirada nos conceitos de patrimonialismo e estamento, formulados pelo sociólogo alemão Max Weber (1864-1920).
Segundo Weber, "patrimonialismo" constitui uma forma de dominação política na qual não existe separação entre a esfera pública e a esfera privada. Faoro recorreu a esse conceito para explicar o atraso do país, resultante, segundo ele, da dominação de um estamento (um estrato social) burocrático. Segundo Faoro, a interpenetração do estamento burocrático e do setor privado acabou por bloquear a emergência do capitalismo industrial no país.
Lançado em 1958, o livro foi distinguido no ano seguinte com o Prêmio José Veríssimo da Academia Brasileira de Letras. Em 1975, Faoro lançou uma edição ampliada (de 271 páginas para 766). A obra alcançou então enorme repercussão, pois aparentemente explicava os traços mais característicos do regime militar -no qual um estamento militar comandava o Estado e determinava os rumos da economia nacional.
Nessa época, em 1974, Faoro também publicou "A Pirâmide e o Trapézio", no qual procura ilustrar, com elementos retirados da obra de Machado de Assis, as teses sobre a sociedade estamental de "Os Donos do Poder".


Texto Anterior: Pernambuco: MST saqueia caminhão e fecha estradas
Próximo Texto: Repercussão
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.