São Paulo, sábado, 16 de maio de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE
Lei e ordem entram na campanha 98
Tensão social põe FHC e Lula contra a parede

CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial

Na mesma quinta-feira em que a tensão social e seu aproveitamento político desembarcavam nos estacionamentos de supermercados de São Paulo, o PFL proclamava-se o partido da "lei e da ordem", na propaganda pela TV.
Mera coincidência, claro. Mas não muita. Os "spots" estavam prontos antes das manifestações da CUT e do MST nos supermercados, mas já se referiam a atos similares, os saques praticados no Nordeste seco.
Saques, aliás, que alçaram a palavra "desordem" ao principal título da capa do matutino "O Estado de S. Paulo".
A quinta-feira do cerco a supermercados apenas reforçou a introdução, na campanha eleitoral, de um binômio bem mais agudo e delicado do que FHC/Lula: agora, joga-se também com ordem/desordem, com lei/fome.
O paradoxal é que a introdução dessa temática na campanha coloca contra a parede ambos os principais candidatos.
O presidente não pode permitir-se o luxo de virar uma espécie de Franco Montoro, versão 1998. Há 16 anos, manifestantes sitiaram não apenas supermercados, mas o próprio Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, derrubaram suas grades e colaram no então governador a imagem indelével de indecisão, de frouxidão.
O PFL, com seu slogan da "lei e da ordem", já está avisando FHC que ele não pode cair no mesmo erro.
Mas impor a ordem não é tão simples. Demonstra-o a decisão do juiz federal Abel Fernandes Gomes de rejeitar o pedido de prisão preventiva de João Pedro Stedile, o líder do MST que o governo acusa de incitar os saques.
O juiz não acredita que "declarações de uma única pessoa tenham tido o condão para deflagrar saques em tantos lugares". Na prática, o que o juiz está dizendo é que o combustível para os saques é fornecido pela fome, não pelo MST. O que não impede, claro, que o MST e setores da CUT tentem sempre aproximar o fósforo do fogo para evitar que o incêndio se extinga prematuramente ou, como demonstram as ações em São Paulo, para fazê-lo crescer.
O governo sabe que é assim, tanto que, além do porrete de pedir a prisão de supostos desordeiros, age também com a cenoura da promessa de verbas. Para isso, na quinta-feira do cerco aos supermercados de São Paulo, estavam em Recife dois ministros (Raúl Jungmann e Gustavo Krause), anunciando recuperação de poços.
Com isso, vão se criar empregos, diziam, coerentes com a tese central de FHC de que não falta comida aos flagelados, mas apenas trabalho.
Com o porrete ou com a cenoura ou com ambos, o presidente tem que restabelecer a ordem, sob pena de ampliar o leque dos insatisfeitos com seu governo para o setor (o empresariado) que mais o apóia.
"A Abras não pode admitir que baderna e bagunça atrapalhem o funcionamento das lojas e ameacem a segurança dos consumidores", diz Paulo Feijó, em nome da Associação Brasileira de Supermercados. Mas é uma frase que qualquer empresário, de qualquer ramo, subscreveria sem hesitar um segundo.
Para Luiz Inácio Lula da Silva, a questão posta pela eclosão da tensão social é ainda mais complicada.
Lula não pode deixar de fazer da fome e do desemprego tema de comício. Não pode, igualmente, condenar os saques ou a sua versão mais branda, o cerco a supermercados. Mas não pode, finalmente, aparecer como o instigador de tais ações.
Na campanha presidencial de 1989, Fernando Collor de Mello insinuou que, se o PT vencesse, os apartamentos da classe média seriam invadidos pela turba dos sem-teto. Golpe baixo, como muitos que Collor aplicou então, mas que, não obstante, certamente tirou votos de Lula.
Agora, não há uma insinuação mas a invasão física de espaços da classe média pelos sem-alguma coisa, instrumentalizados por entidades próximas ao PT, como a CUT e o MST.
Chega a ser irônico que se tenha fechado justamente na quinta-feira da agudização de tensões a frente de centro-esquerda cuja formação Lula impunha como condição para ser candidato.
Qual era a mensagem política que o líder petista pretendia emitir com a formação de uma frente mais ampla? A de que o PT saía do gueto de seu radicalismo (suposto ou real, pouco importa, que política se faz também ou principalmente de imagens).
Agora, o PT não pode correr o risco de cair no gueto dos "desordeiros", como já o insinua o presidente da República, ao dizer que os saques são "autopropaganda" de movimentos políticos que não especificou mas que todo o mundo sabe quais são.
Na outra ponta, a oposição todinha sabe que sua única chance de vencer a eleição está dada pelo descontentamento social.
O PT, na sua propaganda de TV, mostra o real numa redoma de ouro, inalcançável para a massa.
Itamar Franco, ainda candidato a candidato pelo PMDB, diz à Folha que, sob a superfície calma do quadro eleitoral, há um turbilhão de descontentamento só comparável ao de 1974.
Naquele ano, o voto de protesto contra o regime militar proporcionou uma formidável vitória do único partido oposicionista, o MDB, que levou 16 das 22 cadeiras do Senado em jogo.
Como não havia eleições majoritárias para outros cargos, o Senado era o único plebiscito possível -e o governo perdeu.
Leonel Brizola, virtual vice de Lula, diz sentir uma "raiva" disseminada da população contra "tudo isso que aí está", fazendo aquele seu típico gesto largo. Itamar e Brizola sonham com que a "raiva" se transforme em votos para a oposição.
As pesquisas não autorizam tais sonhos. O presidente continua popular e mais popular ainda o Plano Real.
Não obstante, o agravamento das tensões sociais, com ou sem aproveitamento político, introduz um dado novo na equação eleitoral.
Até agora, na ironia com que o deputado Delfim Netto (PPB-SP) analisava as pesquisas, o panorama era assim: FHC perde até para um poste, mas, a partir do momento em que se dá nome ao poste, ele ganha.
Nome, o poste já tem: Luiz Inácio Lula da Silva.
Só novas pesquisas dirão se a entrada dos binômios ordem/desordem, lei/fome, entre FHC e o poste, muda ou não alguma coisa -e a favor de quem.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.