|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Lei e ordem entram
na campanha 98
Tensão social põe FHC e Lula contra a parede
CLÓVIS ROSSI
do Conselho Editorial
Na mesma quinta-feira em que
a tensão social e seu aproveitamento político desembarcavam
nos estacionamentos de supermercados de São Paulo, o PFL
proclamava-se o partido da "lei e
da ordem", na propaganda pela
TV.
Mera coincidência, claro. Mas
não muita. Os "spots" estavam
prontos antes das manifestações
da CUT e do MST nos supermercados, mas já se referiam a atos
similares, os saques praticados
no Nordeste seco.
Saques, aliás, que alçaram a palavra "desordem" ao principal
título da capa do matutino "O
Estado de S. Paulo".
A quinta-feira do cerco a supermercados apenas reforçou a introdução, na campanha eleitoral,
de um binômio bem mais agudo
e delicado do que FHC/Lula: agora, joga-se também com ordem/desordem, com lei/fome.
O paradoxal é que a introdução
dessa temática na campanha coloca contra a parede ambos os
principais candidatos.
O presidente não pode permitir-se o luxo de virar uma espécie
de Franco Montoro, versão 1998.
Há 16 anos, manifestantes sitiaram não apenas supermercados,
mas o próprio Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, derrubaram suas grades e
colaram no então governador a
imagem indelével de indecisão,
de frouxidão.
O PFL, com seu slogan da "lei e
da ordem", já está avisando FHC
que ele não pode cair no mesmo
erro.
Mas impor a ordem não é tão
simples. Demonstra-o a decisão
do juiz federal Abel Fernandes
Gomes de rejeitar o pedido de
prisão preventiva de João Pedro
Stedile, o líder do MST que o governo acusa de incitar os saques.
O juiz não acredita que "declarações de uma única pessoa tenham tido o condão para deflagrar saques em tantos lugares".
Na prática, o que o juiz está dizendo é que o combustível para
os saques é fornecido pela fome,
não pelo MST. O que não impede, claro, que o MST e setores da
CUT tentem sempre aproximar o
fósforo do fogo para evitar que o
incêndio se extinga prematuramente ou, como demonstram as
ações em São Paulo, para fazê-lo
crescer.
O governo sabe que é assim,
tanto que, além do porrete de pedir a prisão de supostos desordeiros, age também com a cenoura
da promessa de verbas. Para isso,
na quinta-feira do cerco aos supermercados de São Paulo, estavam em Recife dois ministros
(Raúl Jungmann e Gustavo Krause), anunciando recuperação de
poços.
Com isso, vão se criar empregos, diziam, coerentes com a tese
central de FHC de que não falta
comida aos flagelados, mas apenas trabalho.
Com o porrete ou com a cenoura ou com ambos, o presidente
tem que restabelecer a ordem,
sob pena de ampliar o leque dos
insatisfeitos com seu governo para o setor (o empresariado) que
mais o apóia.
"A Abras não pode admitir que
baderna e bagunça atrapalhem o
funcionamento das lojas e ameacem a segurança dos consumidores", diz Paulo Feijó, em nome
da Associação Brasileira de Supermercados. Mas é uma frase
que qualquer empresário, de
qualquer ramo, subscreveria sem
hesitar um segundo.
Para Luiz Inácio Lula da Silva, a
questão posta pela eclosão da
tensão social é ainda mais complicada.
Lula não pode deixar de fazer
da fome e do desemprego tema
de comício. Não pode, igualmente, condenar os saques ou a sua
versão mais branda, o cerco a supermercados. Mas não pode, finalmente, aparecer como o instigador de tais ações.
Na campanha presidencial de
1989, Fernando Collor de Mello
insinuou que, se o PT vencesse,
os apartamentos da classe média
seriam invadidos pela turba dos
sem-teto. Golpe baixo, como
muitos que Collor aplicou então,
mas que, não obstante, certamente tirou votos de Lula.
Agora, não há uma insinuação
mas a invasão física de espaços da
classe média pelos sem-alguma
coisa, instrumentalizados por
entidades próximas ao PT, como
a CUT e o MST.
Chega a ser irônico que se tenha
fechado justamente na quinta-feira da agudização de tensões
a frente de centro-esquerda cuja
formação Lula impunha como
condição para ser candidato.
Qual era a mensagem política
que o líder petista pretendia emitir com a formação de uma frente
mais ampla? A de que o PT saía
do gueto de seu radicalismo (suposto ou real, pouco importa,
que política se faz também ou
principalmente de imagens).
Agora, o PT não pode correr o
risco de cair no gueto dos "desordeiros", como já o insinua o
presidente da República, ao dizer
que os saques são "autopropaganda" de movimentos políticos
que não especificou mas que todo o mundo sabe quais são.
Na outra ponta, a oposição todinha sabe que sua única chance
de vencer a eleição está dada pelo
descontentamento social.
O PT, na sua propaganda de
TV, mostra o real numa redoma
de ouro, inalcançável para a massa.
Itamar Franco, ainda candidato
a candidato pelo PMDB, diz à Folha que, sob a superfície calma do
quadro eleitoral, há um turbilhão
de descontentamento só comparável ao de 1974.
Naquele ano, o voto de protesto
contra o regime militar proporcionou uma formidável vitória
do único partido oposicionista, o
MDB, que levou 16 das 22 cadeiras do Senado em jogo.
Como não havia eleições majoritárias para outros cargos, o Senado era o único plebiscito possível -e o governo perdeu.
Leonel Brizola, virtual vice de
Lula, diz sentir uma "raiva" disseminada da população contra
"tudo isso que aí está", fazendo
aquele seu típico gesto largo. Itamar e Brizola sonham com que a
"raiva" se transforme em votos
para a oposição.
As pesquisas não autorizam tais
sonhos. O presidente continua
popular e mais popular ainda o
Plano Real.
Não obstante, o agravamento
das tensões sociais, com ou sem
aproveitamento político, introduz um dado novo na equação
eleitoral.
Até agora, na ironia com que o
deputado Delfim Netto (PPB-SP)
analisava as pesquisas, o panorama era assim: FHC perde até para
um poste, mas, a partir do momento em que se dá nome ao
poste, ele ganha.
Nome, o poste já tem: Luiz Inácio Lula da Silva.
Só novas pesquisas dirão se a
entrada dos binômios ordem/desordem, lei/fome, entre FHC e o
poste, muda ou não alguma coisa
-e a favor de quem.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|