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DESENVOLVIMENTO
Para governador do Amazonas, investimentos de multinacionais podem levar à internacionalização da região
AM vive ocupação estrangeira, diz Braga
ROGÉRIO GENTILE
EDITOR DO PAINEL
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
O governador do Amazonas,
Eduardo Braga (PPS), 42, adverte
para uma ocupação internacional
que já estaria ocorrendo sem alarde na região amazônica: o avanço
dos investimentos estrangeiros
nos projetos de manejo florestal,
provocando a exclusão dos pequenos e médios madeireiros.
"Não vai precisar dar um tiro
para ocupar a Amazônia, vai-se
comprar áreas", diz o governador
em entrevista à Folha.
Na entrevista, Braga também
descreve a experiência que acumulou numa grande operação de
combate ao crime organizado deflagrado em seu Estado. Há cinco
meses, logo após tomar posse, o
governador ordenou uma investigação na Polícia Civil do Estado,
com apoio da Polícia Federal.
A apuração acabou há duas semanas. Mais de 30 pessoas foram
presas, incluindo três delegados
do primeiro escalão. Ficou claro o
poder de corrupção do narcotráfico no aparelho do Estado.
Leia trechos da entrevista:
Folha - O sr. teve uma experiência
bem-sucedida em seu Estado no
combate ao crime organizado, pelo
menos até agora. O que os outros
governadores poderiam repetir?
Eduardo Braga - Você precisa
persistir. Você terá uma série de
revezes durante a implantação do
seu programa. Mas não pode desistir dele. A opinião pública precisa ser esclarecida para que possa
compreender exatamente o que
você está fazendo, porque senão
vão querer que você faça um programa de pirotecnia que não dará
nenhum resultado efetivo. Nós
trabalhamos cinco meses calados
para poder desmontar o que nós
desmontamos. E é preciso confiar
na Polícia Federal, que é quem
tem uma inteligência possível,
confiável.
Folha - Como melhorar a segurança pública, a polícia?
Braga - O que você tem que fazer
é: primeiro, criar uma regra [na
polícia] que valha para todos, e é
para todos mesmo. Segundo, persistir nessa regra. Terceiro, dar
transparência aos seus atos.
Quarto, não tem de ter receio de
ser acompanhado pelo Ministério
Público, de ser acompanhado pela sociedade civil organizada.
Quinto, não pode usar os mesmos
métodos dos bandidos para combater os bandidos, como os grupos de extermínio. Porque senão
vai criar uma polícia maldita dentro da sua polícia.
Folha - Nesse contexto em que a
polícia, ou parte dela, é contaminada pelo poder do narcotráfico, as
fronteiras são difusas, difíceis de
fiscalizar, a população ribeirinha é
pobre, não se fala em risco de "colombinização" dessa região ou risco à soberania do Estado?
Braga - Eu diria que o risco hoje,
nessa região, está controlado pela
presença do Exército, com o projeto Calha Norte, da Polícia Federal, Exército, Marinha, Aeronáutica e do Estado do Amazonas, que
investiu muito nos últimos anos
nos municípios de fronteira e que
precisa investir muito mais ainda.
Agora, o que nós precisamos fazer
é integrar essa região à nação brasileira. Porque é uma região cobiçada no mundo inteiro. E o Brasil,
muitas vezes, ignora a Amazônia.
Dá para entender que uma BR-319, que é a única rodovia que integra o Estado do Amazonas ao
resto do Brasil, já foi trafegável, já
foi asfaltada, já funcionou como
rodovia normal e que foi abandonada pelo governo federal, esteja
hoje intransitável? Todo mundo,
quando discute a Amazônia, discute ou por causa do narcotráfico
ou por causa do ambiente ou por
causa dos povos indígenas, mas
não discute por causa de um plano de desenvolvimento sustentável ou por causa de uma ocupação
racional do Brasil.
Se você me perguntar o que a
Amazônia tem, eu vou dizer: eu
não sei o que a Amazônia não
tem. Petróleo tem, gás tem, madeira tem, água tem, peixe tem,
biodiversidade tem, o que não
tem na Amazônia? Esse enorme
patrimônio precisa ser integrado à
nação brasileira.
Folha - Há risco
de internacionalização da Amazônia?
Braga - Depois
que a gente vê tudo o que está
acontecendo no
mundo, o Conselho de Segurança
da ONU sendo
desrespeitado, o
que pode acontecer daqui a 20
anos, quando os
estoques de recursos hídricos diminuírem no resto
do planeta? Os estoques, por exemplo, madeireiros
da Ásia, da Malásia, estão caindo assustadoramente. Qual é o último grande estoque do mundo? Está aqui.
Folha - O senhor está querendo
dizer que os Estados Unidos poderiam enviar tropas à Amazônia?
Braga - Eu não acho isso. O que
eu quero dizer é que
se nós não integrarmos essa região à nação brasileira nós estaremos deixando
um grande vazio que
pode ser ocupado
economicamente,
pode ser ocupado de
diversas maneiras.
Uma delas: empresas
multinacionais começarem a comprar
terras na Amazônia e
promoverem a exploração dos nossos
recursos naturais, excluindo a população
brasileira da exploração que fizerem.
Folha - Isso já vem
ocorrendo?
Braga - Eu acho que
isso tem acontecido
sim, no Amazonas.
Vou dar um exemplo: no manejo
florestal, que é a única forma legal
de você explorar os recursos madeireiros no Amazonas, só quem
tem conseguido bons resultados
no manejo florestal são empresas
multinacionais. É a Wood Company, que tem um grande trabalho nessa área. É uma empresa
alemã, que tem um nome tão
grande que eu nem sei pronunciar. E o pequeno e o médio produtores madeireiros foram excluídos. Porque não tinham capital de giro nem tecnologia para fazer o manejo.
Políticas públicas de integração
nacional, de desenvolvimento
sustentável, de infra-estrutura é
que vão dar e garantir o acesso à
população desta região ao desenvolvimento sustentável. O que vai
acontecer? Não vai precisar dar
um tiro para ocupar a Amazônia,
vai-se comprar áreas. Vai-se promover manejo florestal, manejo
da aquicultura, fitoterapia, explorando os nossos recursos. O máximo que o brasileiro vai poder
ter são empregos para receber salários de Terceiro Mundo.
Folha - O sr. acha que deveria ser
impedida a entrada do capital estrangeiro?
Braga - Nós não temos de impedir a entrada do capital estrangeiro, pelo contrário. O que nós precisamos fazer é dar acesso ao capital nacional a esse desenvolvimento, porque senão nós ficamos
exclusivamente
dependentes do
capital internacional.
Folha - Qual sua
opinião sobre a PEC
[Proposta de Emenda Constitucional]
38, em discussão
no Senado, que limita em 50% da
área do Estado as
áreas indígenas e
de preservação ambiental?
Braga - O Estado
de Roraima vive
uma situação desesperadora em
relação às áreas
demarcadas para
os índios. Hoje
quase 80% do Estado de Roraima está demarcado
ou por reserva natural ou por
áreas indígenas [são 51,45% segundo dados do Instituto Socioambiental]. Então, o Estado
não tem como se desenvolver. É
um exagero, não é? No Amazonas, pelo seu gigantismo, nós conseguimos administrar isso. Agora, o que eu acho mais absurdo na
questão da demarcação das áreas
indígenas é que a gente demarca a
área e não vem com uma política
de desenvolvimento sustentável.
Os povos indígenas têm áreas gigantescas e uma pobreza absoluta
porque não conseguem extrair da
sua área desenvolvimento econômico e social.
Folha - O senhor não acha que o
primeiro passo é garantir o espaço
ao índio, para depois se pensar...
Braga - Só que já tem um bocado
de tempo, não é? Talvez ele vire o
homem da pedra, de novo, esperando que cheguem as políticas
públicas. O Estado que tem a
maior população indígena brasileira é o Amazonas. Nós temos
hoje na tribo ticuna suicídios em
idade juvenil. Por quê? Está sendo
estudado pelo terceiro setor. É
uma preocupação do governo federal. E, quando você vai ver o o
Fome Zero, as comunidades indígenas estão excluídas.
Folha - O senhor vai orientar a sua
bancada a votar a favor da PEC?
Braga - O caso de Roraima é um
caso gritante. O da Raposa/ Serra
do Sol é uma coisa incompreensível, porque na área que eles estão
querendo ampliar a demarcação
tem, inclusive, cidades, e isso vai
gerar conflito pesado.
Folha - Houve todo um debate,
dez anos de estudo. O senhor acredita em recuo do governo Lula?
Braga - Eu acho que
ele, Lula, está querendo fazer a coisa
correta, porque o
que aconteceu em
boa parte com essas
demarcações que
não deram certo
-porque tem demarcação que deu
certo que ninguém
questiona, porque
está correta. Agora,
tem demarcação em
que a própria comunidade indígena e a
própria comunidade
da dita civilização
não acompanhou. Só
quem acompanhou
foram determinadas
ONGs. Então, não é
porque não se discutiu que não se pode
discutir de novo.
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