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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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DESENVOLVIMENTO

Para governador do Amazonas, investimentos de multinacionais podem levar à internacionalização da região

AM vive ocupação estrangeira, diz Braga

ROGÉRIO GENTILE
EDITOR DO PAINEL

RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O governador do Amazonas, Eduardo Braga (PPS), 42, adverte para uma ocupação internacional que já estaria ocorrendo sem alarde na região amazônica: o avanço dos investimentos estrangeiros nos projetos de manejo florestal, provocando a exclusão dos pequenos e médios madeireiros.
"Não vai precisar dar um tiro para ocupar a Amazônia, vai-se comprar áreas", diz o governador em entrevista à Folha.
Na entrevista, Braga também descreve a experiência que acumulou numa grande operação de combate ao crime organizado deflagrado em seu Estado. Há cinco meses, logo após tomar posse, o governador ordenou uma investigação na Polícia Civil do Estado, com apoio da Polícia Federal.
A apuração acabou há duas semanas. Mais de 30 pessoas foram presas, incluindo três delegados do primeiro escalão. Ficou claro o poder de corrupção do narcotráfico no aparelho do Estado.
Leia trechos da entrevista:
 
Folha - O sr. teve uma experiência bem-sucedida em seu Estado no combate ao crime organizado, pelo menos até agora. O que os outros governadores poderiam repetir?
Eduardo Braga -
Você precisa persistir. Você terá uma série de revezes durante a implantação do seu programa. Mas não pode desistir dele. A opinião pública precisa ser esclarecida para que possa compreender exatamente o que você está fazendo, porque senão vão querer que você faça um programa de pirotecnia que não dará nenhum resultado efetivo. Nós trabalhamos cinco meses calados para poder desmontar o que nós desmontamos. E é preciso confiar na Polícia Federal, que é quem tem uma inteligência possível, confiável.

Folha - Como melhorar a segurança pública, a polícia?
Braga -
O que você tem que fazer é: primeiro, criar uma regra [na polícia] que valha para todos, e é para todos mesmo. Segundo, persistir nessa regra. Terceiro, dar transparência aos seus atos. Quarto, não tem de ter receio de ser acompanhado pelo Ministério Público, de ser acompanhado pela sociedade civil organizada. Quinto, não pode usar os mesmos métodos dos bandidos para combater os bandidos, como os grupos de extermínio. Porque senão vai criar uma polícia maldita dentro da sua polícia.

Folha - Nesse contexto em que a polícia, ou parte dela, é contaminada pelo poder do narcotráfico, as fronteiras são difusas, difíceis de fiscalizar, a população ribeirinha é pobre, não se fala em risco de "colombinização" dessa região ou risco à soberania do Estado?
Braga -
Eu diria que o risco hoje, nessa região, está controlado pela presença do Exército, com o projeto Calha Norte, da Polícia Federal, Exército, Marinha, Aeronáutica e do Estado do Amazonas, que investiu muito nos últimos anos nos municípios de fronteira e que precisa investir muito mais ainda. Agora, o que nós precisamos fazer é integrar essa região à nação brasileira. Porque é uma região cobiçada no mundo inteiro. E o Brasil, muitas vezes, ignora a Amazônia.
Dá para entender que uma BR-319, que é a única rodovia que integra o Estado do Amazonas ao resto do Brasil, já foi trafegável, já foi asfaltada, já funcionou como rodovia normal e que foi abandonada pelo governo federal, esteja hoje intransitável? Todo mundo, quando discute a Amazônia, discute ou por causa do narcotráfico ou por causa do ambiente ou por causa dos povos indígenas, mas não discute por causa de um plano de desenvolvimento sustentável ou por causa de uma ocupação racional do Brasil.
Se você me perguntar o que a Amazônia tem, eu vou dizer: eu não sei o que a Amazônia não tem. Petróleo tem, gás tem, madeira tem, água tem, peixe tem, biodiversidade tem, o que não tem na Amazônia? Esse enorme patrimônio precisa ser integrado à nação brasileira.

Folha - Há risco de internacionalização da Amazônia?
Braga -
Depois que a gente vê tudo o que está acontecendo no mundo, o Conselho de Segurança da ONU sendo desrespeitado, o que pode acontecer daqui a 20 anos, quando os estoques de recursos hídricos diminuírem no resto do planeta? Os estoques, por exemplo, madeireiros da Ásia, da Malásia, estão caindo assustadoramente. Qual é o último grande estoque do mundo? Está aqui.

Folha - O senhor está querendo dizer que os Estados Unidos poderiam enviar tropas à Amazônia?
Braga -
Eu não acho isso. O que eu quero dizer é que se nós não integrarmos essa região à nação brasileira nós estaremos deixando um grande vazio que pode ser ocupado economicamente, pode ser ocupado de diversas maneiras. Uma delas: empresas multinacionais começarem a comprar terras na Amazônia e promoverem a exploração dos nossos recursos naturais, excluindo a população brasileira da exploração que fizerem.

Folha - Isso já vem ocorrendo?
Braga -
Eu acho que isso tem acontecido sim, no Amazonas. Vou dar um exemplo: no manejo florestal, que é a única forma legal de você explorar os recursos madeireiros no Amazonas, só quem tem conseguido bons resultados no manejo florestal são empresas multinacionais. É a Wood Company, que tem um grande trabalho nessa área. É uma empresa alemã, que tem um nome tão grande que eu nem sei pronunciar. E o pequeno e o médio produtores madeireiros foram excluídos. Porque não tinham capital de giro nem tecnologia para fazer o manejo.
Políticas públicas de integração nacional, de desenvolvimento sustentável, de infra-estrutura é que vão dar e garantir o acesso à população desta região ao desenvolvimento sustentável. O que vai acontecer? Não vai precisar dar um tiro para ocupar a Amazônia, vai-se comprar áreas. Vai-se promover manejo florestal, manejo da aquicultura, fitoterapia, explorando os nossos recursos. O máximo que o brasileiro vai poder ter são empregos para receber salários de Terceiro Mundo.

Folha - O sr. acha que deveria ser impedida a entrada do capital estrangeiro?
Braga -
Nós não temos de impedir a entrada do capital estrangeiro, pelo contrário. O que nós precisamos fazer é dar acesso ao capital nacional a esse desenvolvimento, porque senão nós ficamos exclusivamente dependentes do capital internacional.

Folha - Qual sua opinião sobre a PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 38, em discussão no Senado, que limita em 50% da área do Estado as áreas indígenas e de preservação ambiental?
Braga -
O Estado de Roraima vive uma situação desesperadora em relação às áreas demarcadas para os índios. Hoje quase 80% do Estado de Roraima está demarcado ou por reserva natural ou por áreas indígenas [são 51,45% segundo dados do Instituto Socioambiental]. Então, o Estado não tem como se desenvolver. É um exagero, não é? No Amazonas, pelo seu gigantismo, nós conseguimos administrar isso. Agora, o que eu acho mais absurdo na questão da demarcação das áreas indígenas é que a gente demarca a área e não vem com uma política de desenvolvimento sustentável. Os povos indígenas têm áreas gigantescas e uma pobreza absoluta porque não conseguem extrair da sua área desenvolvimento econômico e social.

Folha - O senhor não acha que o primeiro passo é garantir o espaço ao índio, para depois se pensar...
Braga -
Só que já tem um bocado de tempo, não é? Talvez ele vire o homem da pedra, de novo, esperando que cheguem as políticas públicas. O Estado que tem a maior população indígena brasileira é o Amazonas. Nós temos hoje na tribo ticuna suicídios em idade juvenil. Por quê? Está sendo estudado pelo terceiro setor. É uma preocupação do governo federal. E, quando você vai ver o o Fome Zero, as comunidades indígenas estão excluídas.

Folha - O senhor vai orientar a sua bancada a votar a favor da PEC?
Braga -
O caso de Roraima é um caso gritante. O da Raposa/ Serra do Sol é uma coisa incompreensível, porque na área que eles estão querendo ampliar a demarcação tem, inclusive, cidades, e isso vai gerar conflito pesado.

Folha - Houve todo um debate, dez anos de estudo. O senhor acredita em recuo do governo Lula?
Braga -
Eu acho que ele, Lula, está querendo fazer a coisa correta, porque o que aconteceu em boa parte com essas demarcações que não deram certo -porque tem demarcação que deu certo que ninguém questiona, porque está correta. Agora, tem demarcação em que a própria comunidade indígena e a própria comunidade da dita civilização não acompanhou. Só quem acompanhou foram determinadas ONGs. Então, não é porque não se discutiu que não se pode discutir de novo.



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