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QUESTÃO INDÍGENA
Presidente da maior organização de índios na América do Sul diz que órgão federal é "assistencialista e tutelar"
Líder cobra definição do governo Lula e fim da Funai
EDUARDO SCOLESE
DA AGÊNCIA FOLHA
Presidente da principal organização indígena da América do
Sul, o índio brasileiro Sebastião
Manchineri, 33, diz que a Amazônia está "furiosa" com a ação de
traficantes e madeireiros. Para ele,
o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva precisa pelo menos sinalizar
suas intenções para a causa indígena e de imediato extinguir a Funai (Fundação Nacional do Índio), uma entidade "assistencialista, burocrática e tutelar".
Desde 2001, Manchineri, ou Haji Yine (nome indígena), preside a
Coica (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica), que representa 400 povos
indígenas de Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana
Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Seu mandato vai até 2005.
Criada em 1984 no Peru e hoje
com sede no Equador, a Coica se
mantém com doações de ONGs e
governos de países europeus. A
seguir, trechos da entrevista, por
telefone, de Quito (Equador):
Agência Folha - Como o sr. analisa a situação indígena na América
do Sul, principalmente na Colômbia, onde há o tráfico e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia)?
Sebastião Manchineri - A situação é muito conflitiva na Amazônia. É violência total. A Colômbia
é um exemplo claro disso. Não temos muita opção mesmo. Nem é
difícil entrar [no narcotráfico]. O
difícil é sair dessa situação porque
esses atores vêm e nos puxam para um lado. Depois vêm os atores
do governo, os paramilitares. Entre a guerrilha, o governo e os paramilitares, ninguém sabe em
quem confiar. E os índios ficam
na encruzilhada, sem alternativa,
com os três grupos nos julgando
como inimigo, traficante, espião,
colaboradores. Ou seja, a gente já
é pouco [na Colômbia] e, nessas
circunstâncias, nos levam ao extermínio mesmo.
Agência Folha - E em outros países?
Manchineri - Existem atos semelhantes na fronteira do Peru com
o Brasil, como o narcotráfico e a
ação dos madeireiros. As madeireiras têm a mesma prática do tráfico. A diferença é que elas têm a
permissão do Estado. Mas os problemas são os mesmos, sofremos
o mesmo tipo de injustiça. Não temos muitas alternativas. Temos
pensado de maneira positiva, que
a gente não vai ser eliminado assim tão fácil, mas parece ser um
processo bastante previsível.
Agência Folha - E a situação no
Brasil, onde índios têm exigido demarcações de terra, invadido sedes
da Funai e feito até pessoas reféns?
Manchineri - Temos visto o assassinato de líderes indígenas nos
últimos meses, além das ameaças
no Congresso Nacional. Um
exemplo disso é a Raposa [terra
indígena Raposa/Serra do Sol, em
Roraima, pleiteada por políticos
locais]. As propostas de emendas
querem acabar com nossos direitos constitucionais, como as demarcações de terra.
Agência Folha - Que avaliação o
sr. faz dos primeiros cinco meses de
governo Lula?
Manchineri - Não que tenha piorado, mas as coisas vieram mais à
tona. O governo não tomou posições firmes sobre o tema, precisa
sinalizar qual é o horizonte que
ele vai dar ao tema indígena. Ele
não fez isso. Fica discutindo que
vai reformular a Funai, colocando
pessoas para assumir funções. Sabemos que isso não vai funcionar.
A Funai tem de ser eliminada,
criando um órgão novo, com
idéias novas, pessoas novas, programas e ações novas.
Agência Folha - Quais são as críticas à Funai?
Manchineri - A Funai é um órgão
baseado em princípios assistencialistas e tutelares. Esse processo
não é mais útil aos povos indígenas. A Funai tem um quadro impossível de se trabalhar. É tão burocrático, que as pessoas só vivem
de favores.
Agência Folha - Então qual seria
um modelo ideal?
Manchineri - Precisamos criar
um órgão ligado diretamente à
Presidência que atue em coordenação permanente com as organizações indígenas, que seja eficaz
tanto para a demarcação de terra
como para agilizar as investigações sobre crimes.
Agência Folha - O sr. tem acompanhado a situação de conflitos na
fronteira do Brasil com o Peru, onde tribos isoladas estão guerreando com os Ashaninkas? Qual é a
consequência disso para os índios
brasileiros, mesmo com o foco estando do lado peruano?
Manchineri - Não podemos permitir que um grupo [de madeireiros] enriqueça em nome da miséria e da calamidade de outros povos. Temos orientado os governos [do Brasil e do Peru] a fazer
uma proteção naquela área. Há
um instigamento provocado [pelos madeireiros]. Eles querem o
conflito para que os índios sumam daquela região e parem de
denunciar o desmatamento.
Agência Folha - Como o sr. avalia
a participação política dos índios
na América do Sul? Existe a possibilidade de um maior espaço?
Manchineri - Quando entramos
na política para negociar direitos
indígenas, passamos a não interessar mais para os demais [parlamentares]. Essa situação não é
conveniente. No Brasil, a solução
para a política indígena não é ser
deputado, senador. A nossa possibilidade de continuar como povos é fortalecer nossos sistemas e
organizações e valorizar as nossas
ações internas. Se continuarmos
querendo ser políticos, haverá cada vez mais crises de identidade.
Agência Folha - Já se falou muito
sobre uma suposta intenção internacional de intervir na Amazônia.
O sr. teme que isso ocorra?
Manchineri - A Amazônia já está
invadida. Em cada país há uma
base dos Estados Unidos. Eles têm
um forte controle externo em toda a região. No Brasil, eles estão
em Alcântara [no Maranhão]. Esses atores vêm, fortalecem os grupos, encontram com os governos
e depois justificam suas ações.
As Farc, os paramilitares, todos
foram orientados e financiados
por eles. Mas agora, quando o governo colombiano não tem mais o
controle interno, [os EUA] vêm
dar uma de bonzinho, dizendo
que são a salvação para a paz. As
Farc são um exemplo, uma justificativa de intervenção externa que
afetaria todos os países amazônicos. Nossos governos não têm
passado de meros expectadores.
Agência Folha - Os povos indígenas precisam de alguns "subcomandantes Marcos" [líder zapatista, no México] para lutar por seus
direitos?
Manchineri - Todos nós buscamos ter tranquilidade e paz, mas
quem perdeu um familiar com
uma bomba jamais esquece. Eu
quero dizer que as ações desses
terroristas disfarçados de governo
vão criar mais e mais violência.
Somos guerreiros, e não guerrilheiros, e, por natureza, nos defendemos. Esperamos que os nossos mecanismos de defesa, que
são as leis, sejam eficazes.
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