|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JUDICIÁRIO
Ações penais contra magistrados correm em sigilo, impeachment só atinge ministros do STF e não existe controle externo
Garantias criam imagem de "caixa-preta"
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A imagem da "caixa-preta" do
Judiciário, usada pelo presidente
Luiz Inácio Lula da Silva para afirmar que a Justiça é pouco transparente, é resultado de várias "garantias" que os juízes usufruem
contra processos.
Eles têm direito a segredo de
justiça quando respondem a
ações penais, sessão secreta nos
julgamentos disciplinares por
suspeita de conduta irregular e
punições brandas. Além disso, a
possibilidade de impeachment é
limitada aos ministros do STF
(Supremo Tribunal Federal). O
Judiciário também está livre de
fiscalização por um órgão de controle externo. Essas garantias formam uma "cultura de autoproteção" e criam a imagem da "caixa-preta", citada por Lula há dois
meses em discurso no qual criticou a Justiça.
Ao dar explicações ao STF sobre
aquela declaração, em resposta a
uma interpelação judicial de juízes do Paraná, Lula disse que expressou um pensamento comum
na sociedade.
Parte das garantias asseguradas
aos juízes está prevista na própria
Constituição, promulgada em
1988. Por exemplo, eles só podem
perder o cargo após sentença judicial definitiva (artigo 95). A punição máxima de processos disciplinares é a aposentadoria compulsória, com remuneração proporcional ao tempo de serviço.
Para um ministro do STF, que
falou em caráter reservado, a atual
Constituição trata os magistrados
como "deuses" para protegê-los
de arbitrariedades como as registradas no regime militar, quando
ministros do STF foram aposentados compulsoriamente.
Outras garantias constam da Lei
Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979, como a necessidade
de realização de sessão secreta para abertura de processos administrativos disciplinares, que são
abertos contra juízes acusados de
conduta irregular. Nesse tipo de
processo, adequado para apurar
por exemplo suspeita de venda de
habeas corpus a traficantes, o julgamento é realizado pelos próprios colegas do tribunal onde o
magistrado atua e a punição depende da aprovação de dois terços. Muitas vezes, o colega é amigo, o que causa constrangimento.
A finalidade de todas essas normas seria evitar que o juiz se tornasse vulnerável a pressões internas ou externas. Em tese, o magistrado dissidente pode ser perseguido por colegas ou exposto à
inimizade de pessoas que fracassaram em causas julgadas por ele.
A publicidade de uma investigação injusta o exporia indevidamente à sociedade e prejudicaria
a sua imagem.
Além desses processos, os juízes
podem ser processados sob acusação de prática de crime ou de
ato de improbidade administrativa, mas não há previsão legal para
que eles respondam por crime de
responsabilidade, ou seja, fiquem
sujeitos a impeachment. Somente
os 11 ministros do STF podem ser
submetidos a impeachment, perante o Senado.
Defensor da extensão dessa
possibilidade a todos os magistrados, o ministro do STF Celso de
Mello afirma que, de 1891 até hoje,
nenhum membro do tribunal sofreu impeachment, o que derrubaria o argumento sobre o risco
de torná-los vulneráveis.
Poucos integrantes do Judiciário concordam com Mello. Um
deles, o ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil
Flávio Dino, diz que, com o instituto do impeachment, os magistrados deixariam de usufruir de
direito "absoluto" a permanecer
no cargo até 70 anos de idade. Dino considera que a criação do
Conselho Nacional da Justiça, órgão de fiscalização interna, é fundamental para "mudar a face do
Judiciário".
Além de punir juízes, o órgão
controlaria a administração e o
orçamento dos tribunais e a execução de obras. Os magistrados
não seriam mais julgados pelos
colegas. A ministra do Superior
Tribunal de Justiça Eliana Calmon critica a decretação de segredo de justiça em processos contra
juízes. "Não vejo por que tratar o
magistrado de forma diferenciada. Ele tem função pública e, por
isso, deve responder publicamente a processos."
Hoje o ministro do STJ Vicente
Leal, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Eustáquio Silveira e a mulher dele, a juíza federal em Brasília Vera
Carla Silveira, estão afastados do
cargo enquanto aguardam o desfecho de processos disciplinares
nesses órgãos. Esses processos
apuram a suspeita de envolvimento deles em esquema de venda de habeas corpus a traficantes.
Eles também são citados em inquérito criminal no STF, que tramita em segredo de justiça.
Texto Anterior: Questão indígena: Líder cobra definição do governo Lula e fim da Funai Próximo Texto: Frase Índice
|