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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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JUDICIÁRIO

Ações penais contra magistrados correm em sigilo, impeachment só atinge ministros do STF e não existe controle externo

Garantias criam imagem de "caixa-preta"

SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A imagem da "caixa-preta" do Judiciário, usada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para afirmar que a Justiça é pouco transparente, é resultado de várias "garantias" que os juízes usufruem contra processos.
Eles têm direito a segredo de justiça quando respondem a ações penais, sessão secreta nos julgamentos disciplinares por suspeita de conduta irregular e punições brandas. Além disso, a possibilidade de impeachment é limitada aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). O Judiciário também está livre de fiscalização por um órgão de controle externo. Essas garantias formam uma "cultura de autoproteção" e criam a imagem da "caixa-preta", citada por Lula há dois meses em discurso no qual criticou a Justiça.
Ao dar explicações ao STF sobre aquela declaração, em resposta a uma interpelação judicial de juízes do Paraná, Lula disse que expressou um pensamento comum na sociedade.
Parte das garantias asseguradas aos juízes está prevista na própria Constituição, promulgada em 1988. Por exemplo, eles só podem perder o cargo após sentença judicial definitiva (artigo 95). A punição máxima de processos disciplinares é a aposentadoria compulsória, com remuneração proporcional ao tempo de serviço.
Para um ministro do STF, que falou em caráter reservado, a atual Constituição trata os magistrados como "deuses" para protegê-los de arbitrariedades como as registradas no regime militar, quando ministros do STF foram aposentados compulsoriamente.
Outras garantias constam da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, de 1979, como a necessidade de realização de sessão secreta para abertura de processos administrativos disciplinares, que são abertos contra juízes acusados de conduta irregular. Nesse tipo de processo, adequado para apurar por exemplo suspeita de venda de habeas corpus a traficantes, o julgamento é realizado pelos próprios colegas do tribunal onde o magistrado atua e a punição depende da aprovação de dois terços. Muitas vezes, o colega é amigo, o que causa constrangimento.
A finalidade de todas essas normas seria evitar que o juiz se tornasse vulnerável a pressões internas ou externas. Em tese, o magistrado dissidente pode ser perseguido por colegas ou exposto à inimizade de pessoas que fracassaram em causas julgadas por ele. A publicidade de uma investigação injusta o exporia indevidamente à sociedade e prejudicaria a sua imagem.
Além desses processos, os juízes podem ser processados sob acusação de prática de crime ou de ato de improbidade administrativa, mas não há previsão legal para que eles respondam por crime de responsabilidade, ou seja, fiquem sujeitos a impeachment. Somente os 11 ministros do STF podem ser submetidos a impeachment, perante o Senado.
Defensor da extensão dessa possibilidade a todos os magistrados, o ministro do STF Celso de Mello afirma que, de 1891 até hoje, nenhum membro do tribunal sofreu impeachment, o que derrubaria o argumento sobre o risco de torná-los vulneráveis.
Poucos integrantes do Judiciário concordam com Mello. Um deles, o ex-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil Flávio Dino, diz que, com o instituto do impeachment, os magistrados deixariam de usufruir de direito "absoluto" a permanecer no cargo até 70 anos de idade. Dino considera que a criação do Conselho Nacional da Justiça, órgão de fiscalização interna, é fundamental para "mudar a face do Judiciário".
Além de punir juízes, o órgão controlaria a administração e o orçamento dos tribunais e a execução de obras. Os magistrados não seriam mais julgados pelos colegas. A ministra do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon critica a decretação de segredo de justiça em processos contra juízes. "Não vejo por que tratar o magistrado de forma diferenciada. Ele tem função pública e, por isso, deve responder publicamente a processos."
Hoje o ministro do STJ Vicente Leal, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região Eustáquio Silveira e a mulher dele, a juíza federal em Brasília Vera Carla Silveira, estão afastados do cargo enquanto aguardam o desfecho de processos disciplinares nesses órgãos. Esses processos apuram a suspeita de envolvimento deles em esquema de venda de habeas corpus a traficantes. Eles também são citados em inquérito criminal no STF, que tramita em segredo de justiça.



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