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ENTREVISTA DA 2ª
ITAJIBA FARIAS FERREIRA CRAVO
Novo ouvidor das polícias de São Paulo exige mais assessores e diz que sede do órgão fica em "cortiço"
"Não esperarei fim do mandato para denunciar eventual boicote"
GILMAR PENTEADO
DA REPORTAGEM LOCAL
O advogado Itajiba Farias Ferreira Cravo, 42, assumiu o cargo
de ouvidor das polícias de São
Paulo, Estado com o maior efetivo
policial do país, em meio a um fogo cruzado. Em vez de tomar posição por uma das partes, preferiu
dar um puxão de orelha nos dois
protagonistas da discussão: o ex-ouvidor Fermino Fecchio e o secretário da Segurança Pública,
Saulo de Castro Abreu Filho.
"Acho péssimo levar essa questão sob o ponto de vista pessoal.
Quando se personalizou essa discussão, ficou uma questão de rinha, de comadre. E aí o erro é dos
dois lados", afirmou Cravo.
O ex-ouvidor diz ter sido boicotado pela Secretaria de Segurança
-de quem não teria recebido documentos solicitados e funcionários- por denunciar ações policiais irregulares. O governo nega
(veja texto nesta página).
Em entrevista à Folha, o novo
ouvidor definiu a sede da Ouvidoria como um "cortiço", reclamou
do fato de não ter nem seu próprio computador para trabalhar e
disse que o que importa são as
instituições, não o ouvidor ou o
secretário.
"Muitos policiais têm a imagem
da Ouvidoria como uma tia velha
burocrata, que não quer enxergar
que o dia-a-dia deles pode justificar o descumprimento de determinadas normas", disse.
Segundo ele próprio, seu principal recurso para mudar essa imagem é a experiência com a violência -nos assaltos dos quais foi vítima, nas abordagens "heterogêneas" que sofreu da Polícia Militar
e no trabalho de assistente de acusação em julgamentos envolvendo abusos policiais.
Folha - O ex-ouvidor Fermino Fecchio deixou o cargo dizendo ter sofrido boicote.
Cravo - Se ele falou em boicote,
quem sou eu para desautorizar?
Agora, eu vou cobrar. Estou com
a lista [de pedidos] feita e tenho o
compromisso do secretário [de
Segurança] de que ela será plenamente atendida.
Folha - Mas o senhor não teme sofrer esse eventual boicote?
Cravo - Vou apontar eventual
boicote na primeira semana em
que ele começar a existir. Não vou
esperar acabar o mandato e não
ser reconduzido para apontar isso. O Fermino foi despejado da
Ouvidoria e transferido para esse
cortiço no início do mandato dele
[a Ouvidoria foi transferida de
um prédio em Higienópolis, atrás
da antiga sede da secretaria, para
o 2º andar de um prédio do centro
de SP].
Os cargos que não foram providos estão vagos desde que o Mariano [Benedito Mariano, antecessor de Fecchio] saiu da Ouvidoria. Não vou esperar todo esse
tempo para reclamar.
Folha - E quando a Ouvidoria vai
sair do cortiço?
Cravo - Daqui um mês a gente
vai conversar.
Folha - No momento em que o senhor fala do não-preenchimento
das vagas e do cortiço, não está
confirmando o boicote?
Cravo - Eu não posso falar porque eu não tinha proximidade da
questão. É como briga de marido
e mulher. Trabalhei com os outros dois ouvidores. Benedito Mariano sempre teve tudo à disposição. Eu quero a Ouvidoria que o
Mariano teve. E ele teve uma posição sempre crítica.
Folha - O senhor acha que as polêmicas entre o último ouvidor e o secretário explicam essa situação?
Cravo -Eu acho péssimo levar essa questão sob o ponto vista pessoal. Em algum momento, quando se personalizou, ficou questão
de rinha, de comadre. E aí o erro é
dos dois lados. A relação entre
instituições deve ser mantida entre instituições. Personalizar isso
é banalizar não só as instituições,
como o processo democrático.
Folha - O ex-ouvidor falava de
uma "política da matança" na polícia. Ela existe?
Cravo - Não tive o acesso que ele
teve em dois anos para abordar.
Não seria uma pessoa capaz de
desautorizar alguém que, seriamente, se debruçou nos dados.
Mas não gosto de generalização.
Também acho importante acabar
com o círculo vicioso de só falar
da polícia que extermina. Tive
oportunidade de trabalhar com
cadetes do Barro Branco [Academia da PM] e percebi ali sangue
novo e uma polícia diferente, qualificada.
Folha - Quando o senhor fala em
sangue novo, está falando só da
academia ou também de quem comanda a polícia?
Cravo - Existe
também uma renovação no âmbito dos coronéis.
Mas acho que a renovação ainda não
atingiu completamente o comando.
Melhorou bastante. Perto de outros
governos, a mudança é significativa. Mais por demérito dos outros.
Folha - O senhor
concorreu ao cargo
de ouvidor quatro
vezes. Ainda esperava ser nomeado?
Cravo - Recebi
com surpresa, mas
sempre tive esperança de ser ouvidor. Acredito que posso contribuir com minha formação de advogado militante. E também tentar cooptar os bons policiais, a
maioria na instituição. Mostrar
que a Ouvidoria está do lado da
sociedade e deles também.
Folha - A Ouvidoria chega a ser
odiada pela categoria?
Cravo - Ódio é uma palavra muito forte. Mas ela não é bem vista.
Folha - Que imagem os policiais
têm da Ouvidoria?
Cravo - Eu acho que eles têm a
imagem de uma tia velha burocrata, que não quer enxergar que
o dia-a-dia deles pode justificar o
descumprimento de determinadas normas.
Algumas burocracias podem
ser desnecessárias. Mas, na polícia, o devido processo legal é uma
garantia democrática. Eles têm essa visão deturpada da Ouvidoria
como alguém que possa atrapalhar o trabalho deles.
Folha - O senhor vai conseguir
quebrar essa imagem?
Cravo - Ou saio daqui com pelos
menos uma parte da polícia enxergando que a Ouvidoria é uma
aliada, ou fracasso no meu papel.
O senhor já fez sua lista de pedidos para a secretaria?
Cravo - É a complementação do
quadro funcional. Existem oito
cargos vagos. Providos, são sete.
A gente está pedindo simplesmente o cumprimento da lei que
criou a Ouvidoria.
Folha - E equipamentos?
Cravo - Temos nove computadores, mas todos com problemas.
E o ouvidor, por exemplo, não
tem computador. Fiz constar isso
na lista de pedidos.
Folha - A mudança
de sede está na lista?
Cravo - O fundamental é gente e estrutura material. A
questão da mudança
ou da reforma, para
mim, pode ser subsequente.
Folha - O senhor já
foi vítima de abuso
policial?
Cravo -Eu trabalho
de terno e gravata,
normalmente. Enquanto trabalho assim, nunca fui abordado ou me pediram
documento.
Coincidentemente, todas as abordagens que sofri da Polícia Militar foram
quando estava na casa de praia,
sem terno e gravata. Em todas as
abordagens, eu estava dirigindo
um carro vestindo camiseta e bermuda.
Folha - Quantas vezes?
Cravo - Se eu falar que pelo menos duas ou três vezes por ano, é
uma boa média.
Folha - O senhor avalia essa situação como um critério preconceituoso da polícia?
Cravo - Eu não sei efetivamente
qual é a palavra. Mas eu sei que o
critério é, no mínimo, pouco recomendável. Indica, no mínimo, a
falta de critério ou
critério um pouco
duvidoso.
Folha - O senhor já
foi assaltado?
Cravo - Fui assaltado tantas vezes
que perdi a conta.
Furtos eu não conto. Assaltos a mão
armada, foram
tranquilamente
mais de cinco.
Folha - Na rua, no
carro...
Cravo - Três no
carro. Já fui assaltado dentro de uma
pizzaria, fiquei deitado no chão, e o
cara ficava gritando: "cuidado que
eu estou com o dedo mole hoje".
Folha - Sequestro relâmpago
também?
Cravo -Foi pior. Na Copa do
Mundo de 98, eu voltava para casa
eu fui abordado por esses "nóias"
[usuários de crack] quando colocava a chave na porta de casa.
Eram bem moleques. Cheguei a
levar pontos, porque eles bateram
na minha cabeça com a arma.
Folha - Vítimas de criminosos costumam falar em ódio e sentimento
de vingança. O senhor sentiu isso?
Cravo - Cada vez que sou assaltado, fico mais convicto da minha posição na defesa dos
direitos fundamentais. Porque esse é o
erro da sociedade.
A sociedade busca
a figura da pena como uma questão de
vingança. Isso é um
erro causado pela
ignorância.
Folha - E ameaças
por causa do trabalho em favor dos direitos humanos?
Cravo - Era muito
comum, em júris na
Justiça Militar, deixarem bilhetinhos
nos meus códigos
[Código Penal etc.].
Na Justiça Militar,
até me acostumei.
Folha - Que tipo de bilhete?
Cravo - Em um dos casos, tinha
uma rima pobre assim: "se o senhor gosta de comida, prepare-se
que vai comer formiga" (ri). Primeiro, era uma ameaça inócua. O
ameaçador já tinha temor referencial, me chamava de senhor.
Segundo, a pobreza da rima era
triste.
Folha - Nenhuma dessas ameaças
se concretizou?
Cravo - Em 95 ou 97, não me
lembro, eu ia sair com o carro
quando percebi um homem vindo com um arma. Deitei no banco
e engatei a primeira [marcha]. Ele
atirou e conseguiu quebrar três
vidros, mas não me feri.
Folha - Esse atentado foi esclarecido?
Cravo - Não. Não faço idéia a
qual caso estaria relacionado. Naquela época eram tantos casos
com que a gente lidava que eu não
consegui descobrir a relação.
Folha - A experiência de vítima
ajuda no trabalho de ouvidor?
Cravo - Acho fundamental.
Acho, inclusive, que minha experiência é o diferencial em relação
aos meus antecessores.
Mais do que advogado, sou advogado militante. Frequentei tribunais, frequentei delegacias.
Aprendi na prática que o desrespeito aos direitos humanos é fruto
da ignorância.
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