São Paulo, quarta-feira, 16 de agosto de 2000


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DISSE-QUE-DISSE
Nosso destino está nas mãos das mulheres

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Sim, são elas mesmo que têm condições de decidir a eleição deste ano, posto que, segundo dados oficiais, já há mais eleitoras do que eleitores. No Brasil todo, a diferença é de 55,4 milhões de mulheres para 54,1 milhões de homens. Só no Estado de São Paulo há 332 mil votos femininos a mais do que os masculinos.
Portanto, havemos de nos mirar no que elas pensam, dizem, demonstram e reivindicam para ter uma idéia de que rumo as coisas poderão tomar em breve.
O escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850), profundo conhecedor da alma feminina (era considerado o cronista do mulherio), deixou claras, no clássico "A Mulher de 30 Anos", as particularidades da verbalização feminina: "As mulheres possuem um talento inimitável para exprimir os seus sentimentos sem empregar palavras demasiado vivas; a sua eloquência está principalmente na voz, no gesto, na atitude e no olhar". Ainda que limitados aqui pela palavra apenas escrita, vamos ao que pensam algumas mulheres, representativas de diferentes segmentos sociais, sobre o que há demais e o que há de menos, o que falta e o que sobra na cidade de São Paulo.
Que a expressão de sua sensibilidade, contradições, anseios, encantos e devaneios sirva de indicador não apenas aos candidatos e candidatas, mas também a nós, minoria eleitoral masculina.

Adriane Galisteu, 27, apresentadora de TV - "Está sobrando negligência, violência e diferença social. Está faltando cuidado com a população, educação, saúde. Está faltando respeito. Respeito pelos policiais, pelos professores, pelo ser humano em geral. Por quê? Porque não há educação. As pessoas estão desacreditadas e eu não tenho dúvida de que o povo brasileiro é o mais paciente do mundo. Se é em qualquer outro país -porque calamidade tem em toda parte-, as pessoas rapidamente param tudo, armam uma confusão danada e as coisas voltam ao lugar. Aqui, quando as pessoas vão armar uma confusão, a própria armação já é uma confusão. Isso tem um prisma fundamental, que é a educação. Portanto, o que mais falta é a educação e o que eu mais vejo sobrando é a falta de educação. Espero que as pessoas tomem cuidado na hora de votar. Porque eu quero acreditar que há políticos com boa vontade. Não sei se posso, mas quero acreditar nisso."

Valéria Dias Martins, 28, empregada doméstica, mãe de cinco filhos - "O que existe demais é mordomia para os políticos. Eles levam uma vida muito boa com o nosso dinheiro. Eu trabalhei na limpeza do palácio e vi que eles têm do bom e do melhor. O que falta é assistência médica: outro dia fiquei quatro horas na fila do hospital com meu filho. E falta também assistentes sociais para os velhos e os deficientes."

Maria da Conceição, 50, moradora de rua que vive sob o Minhocão - "Falta banheiro público pra gente se lavar. E sobra gente que não ajuda ninguém."

Liana Padilha, 37, artista plástica e designer - "Falta transporte público, principalmente à noite e no fim-de-semana. Falta também lugar para estacionar, que não seja essa exploração dos estacionamentos caríssimos. E, já que não há praia em São Paulo, faltam locais de lazer gratuito para o povo ir. O que está sobrando: camelôs, poluição e gente."

Luana, 23, travesti na rua Bento Freitas, que afirma que votará "do ponto de vista feminino" - "Falta cliente! Brincadeira, o que falta é emprego, dinheiro para as pessoas. E o que sobra é gente sem ter o mínimo para sobreviver."

Ana Verônica Mautner, 64, psicanalista - "Que falem os outros do útil e do urgente e também dos caminhos. Deixem-me sonhar. Nós, de São Paulo, não temos nem refresco para os olhos. As calçadas não têm beleza, a luz está sempre lá em cima e quase não temos horizonte à vista. O verde está escondido atrás dos muros que defendem os homens, seus bens, suas luzes. Os rios, que poderiam ser belos, são feios. Em volta dos parques, cercados pontiagudos porque, quando abertos, tornam-se dormitórios de quem não tem muro. Sonho com o belo na altura dos olhos para que ele possa me contaminar e tornar o feio insuportável. Quero beleza espalhada, quero a sombra do belo, porque até essa enfeita."

Paula Lemos, 35, sócia do restaurante Le Tantan - "Falta carinho por tudo o que é coletivo, pelos espaços públicos. E o que há demais é gente solitária."

Júlia Chaves Siqueira Abrão, 18, estudante do cursinho Objetivo e que vai votar pela primeira vez - "Está sobrando poluição e violência, e isso abrange a corrupção, a violência física e outros tipos de violência. E o que falta é educação, aquela que você recebe em casa, onde aprende a tratar todo mundo com o mínimo de respeito, e a educação-escola, que está podre, principalmente na escola pública."


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