São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2005

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JANIO DE FREITAS

Hora de decisão

O breve tempo decorrido desde o discurso de Lula foi suficiente para consolidar duas deduções: a repercussão foi tão negativa, dada a tibieza fugidia do pronunciamento, que Lula teria perdido menos se não cedesse à cobrança para fazê-lo; a haver outro pronunciamento, como está em longa e desnecessária discussão na Presidência e nos seus arredores, ou Lula diz coisas respeitáveis ou vai dar a demonstração final, com as piores decorrências, de que não pode falar com franqueza sobre o escândalo que o cerca e os motivos que o levaram à demissão de José Dirceu e à meia-demissão de Luiz Gushiken.
A menos que a torrente de revelações traga novidades mais pesadas que as anteriores, as cogitações de retirá-lo continuarão sendo apenas exercícios de irresponsabilidade. Lula, até agora, não está atingido diretamente. Mas está jogando da mesma maneira, nestes dias, a sorte de sua Presidência e a própria sorte pessoal. Ou encontra o modo, que não é misterioso, de se situar respeitavelmente na crise ou logo terá menos importância no governo que um ascensorista do Planalto.
Lula, porém, ainda não percebeu as peculiaridades de sua situação. Imagina ainda que basta obter alguma atividade na Câmara, com uma ou outra aprovação, para difundir a idéia de normalidade política e administrativa. Se foi mesmo traído, como diz, hoje quem trai Lula é Lula -e o país paga também por esta segunda traição.

O símbolo
Miguel Arraes foi o mais injustiçado dos políticos relevantes que os militares massacraram. A direita pintou-o como extremista perigoso, e Miguel Arraes, de esquerda, sim, foi sempre anti-radical, sempre convencido de que era possível abrir caminhos para a justiça social sem entrar em guerra com as forças que a criaram e a mantêm. Foi o que fez como condutor de um governo maravilhosamente original, criativo e eficiente, o seu primeiro governo em Pernambuco, encerrado pelo golpe militar.
Miguel Arraes fica como símbolo de honradez política e de caráter pessoal.

A questão
José Genoino requereu, para receber a partir deste mês, R$ 8.148 a título de aposentadoria por seus 20 anos de deputado. O provento corresponde a cerca de 65% do vencimento de deputado ativo. Ativo? Quem? Digamos, deputado com mandato.
José Genoino tem um bom motivo para a reivindicação e o recebimento: "É uma questão de sobrevivência".
José Genoino, quando voltar a ter coragem de aparecer e falar em público, por certo vai explicar de que questão se tratava para os idosos e doentes cujas aposentadorias indecentes ele, como deputado e como presidente do PT no governo Lula, tanto contribuiu para tornar humilhantes e mais degradantes da velhice e da doença -não depois de 20 anos, mas de 35, 40 e mais anos de trabalho verdadeiro.
A rigor, nem essa explicação se precisa mais ouvir desse José Genoino que se esconde atrás da própria sombra, para fugir às altas responsabilidades que lhe cabem na montagem e na operação, dentro da Câmara e entre os partidos, das imoralidades que se desvendam.


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