São Paulo, quinta-feira, 16 de agosto de 2007

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Jornalista Joel Silveira morre no Rio aos 88

Escritor cobriu a Segunda Guerra Mundial na Itália e tornou-se célebre por reportagem que dissecava os "grã-finos" de SP

Chamado de "víbora" por Assis Chateaubriand, dos "Diários Associados", Silveira escreveu mais de 40 livros; ele tinha câncer de próstata

Bel Pedrosa - 4.set.2003/Folha Imagem
Jornalista Joel Silveira em seu apartamento no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 2003


DA SUCURSAL DO RIO

O último dos dinossauros do jornalismo, como ele se definia, morreu na manhã de ontem, aos 88 anos. Joel Silveira, que não quis fazer tratamento contra um câncer na próstata, dormia em seu apartamento, no Rio. Sua mulher e seus dois filhos decidiram não fazer velório do corpo, que será cremado. Ele publicou romances, contos e crônicas entre seus mais de 40 livros, mas foi, sobretudo e acima de quase todos, repórter.
Os problemas de saúde o tiraram do front nas duas últimas décadas, mas, sempre que procurado na trincheira de Copacabana, fazia jus à alcunha de "víbora" dada por Assis Chateaubriand. Falava mal de presidentes e artistas e, embora órfão dos muitos amigos mortos, procurava não se deprimir.
"[Sou] teimoso. Eu não pedi para vir ao mundo. Agora, aos 80 anos, não vou pedir para sair", disse ao repórter Geneton Moraes Neto em 2004.
Política e jornalismo fizeram parte da vida do sergipano Silveira. Em 1932, antes de completar 14 anos, tornou-se oficial de gabinete do governador do Estado. Dois anos depois, criou no colégio em que estudava o jornal "A Voz do Atheneu".
Após ganhar um prêmio pela novela "O Desespero", ganhou coragem para alcançar o destino praticamente inevitável aos jovens nordestinos aspirantes a escritor: o Rio de Janeiro. Disposto a trabalhar quase de graça, arrumou emprego no semanário literário "Dom Casmurro", onde colaboravam Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cecília Meireles e Carlos Lacerda.

Escritor
Ainda que nunca tenha desistido da ficção, Silveira não recebeu, ao longo da vida, grandes estímulos dos amigos ilustres. Contava, com humor, que mostrou um conto certa vez a Graciliano Ramos, e o alagoano rasgou minuciosamente as folhas, convidando-o em seguida para tomar uma cachaça.
Já no jornalismo impunha admiração -e medo- a todos. A ponto de Manuel Bandeira definir seu estilo como "uma punhalada que só dói quando a ferida esfria". Na revista "Diretrizes", dirigida por Samuel Wainer, publicou em 1943 sua reportagem mais famosa: "Os grã-finos de São Paulo". Misturando faro de repórter, olhar de escritor, idéias de jovem socialista (fundou o PSB) e veneno, produziu trechos como este:
"Era uma festa somente para milionários, e sobre todos aqueles sobrenomes repousava a força paulista de hoje. Por detrás dos sobrenomes, há um mundo incrível: centenas de fábricas, milhares de chaminés, milhares de motores, milhares de operários. Era um grupo terrível, avassalador. Com um gesto de mão, qualquer um deles poderia me aniquilar, me tanger longe, lá na rua. Mas os milionários apenas sorriam. Sorriam e bailavam com as mulheres, todas muito belas."
O texto é encontrável no livro "A Milésima Segunda Noite da Avenida Paulista". Este título é de outra reportagem, publicada em 1945, sobre o casamento do milionário João Lage com Filomena, filha do conde Francisco Matarazzo Jr. A cobertura venenosa foi encomendada por Assis Chateaubriand, que queria forçar o "conde Chiquinho" a chegar a um acordo sobre uma transação imobiliária.
Foi Chatô quem enviou o repórter à Itália para cobrir a participação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) na Segunda Guerra. Marco no jornalismo brasileiro, a cobertura rendeu vários livros de Silveira.

Presidentes
As suas histórias com presidentes da República, de Antônio Carlos a Tancredo Neves, resultaram em outros tantos títulos. Foi amigo de Juscelino Kubitschek -de quem teria roubado uma namorada-, bebeu com Jânio Quadros sem conseguir acompanhá-lo -apesar de sua experiência no assunto- e produziu um famoso texto ("Conheci Getúlio Vargas") sem ter entrevistado o então ditador do Estado Novo, para ele "um filho da mãe de uma habilidade política terrível".
Silveira trabalhou em vários jornais e revistas, tendo recebido em 1975 o Prêmio Esso de Jornalismo especial pelo conjunto da carreira. Preferia ser repórter, mas foi como diretor de "O Paiz" que o regime militar o prendeu após o AI-5.
Ganhou em 1998 o Prêmio Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras. Mas não conseguiu se tornar imortal: perdeu uma eleição em 2000 e, no ano seguinte, lançou sua anticandidatura à vaga de Jorge Amado, revoltado com a tentativa de substituição do escritor por sua mulher, Zélia Gattai. Perdeu por 32 a 4. Como bom repórter, Silveira era sempre do contra.
O ministro Franklin Martins (Comunicação Social) disse ontem que "o Brasil perdeu hoje um de seus maiores jornalistas em todos os tempos. O sergipano Joel Silveira tinha 88 anos e uma vida invejável para contar. Suas histórias extraordinárias e seu texto mordaz marcaram época. Ele deixa à imprensa brasileira um legado de talento, sensibilidade e força crítica".


Colaborou Banco de Dados


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