São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2000

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QUESTÃO AGRÁRIA
Polícia mineira se desloca para a área após os sem-terra deixarem a porteira da propriedade dos filhos de FHC
PM inicia treinamentos perto da fazenda

WILLIAM FRANÇA
SOLANO NASCIMENTO
ENVIADOS ESPECIAIS A BURITIS

Um dia depois de os sem-terra terem deixado a porteira da fazenda dos filhos do presidente Fernando Henrique Cardoso, em Buritis, a Polícia Militar de Minas Gerais começou a montar o teatro de operações que será usado para "o treinamento" dos policiais -conforme anúncio do governador do Estado, Itamar Franco (sem partido). A área fica a 6 km da fazenda Córrego da Ponte.
Os sem-terra, no entanto, estão em Serra Bonita, que fica 16 quilômetros depois da propriedade da família do presidente. Ou seja, o governo mineiro deslocou a tropa da PM para as proximidades da fazenda, mas deixou livre o caminho entre a propriedade e o atual acampamento dos sem-terra.
O acampamento dos agricultores foi montado às 12h de quinta-feira. Ontem, parte deles deixou a área, mas os coordenadores do grupo afirmaram que eles seriam substituídos por outros sem-terra para que o número de acampados, cerca de 300, fosse mantido.
Às 9h20 de ontem, a PM começou o deslocamento em direção à fazenda, que fica distante 70 km do município. Cerca de 80 policiais das cidades mineiras de Unaí, de Buritis e de Patos de Minas foram deslocados em dois ônibus, cinco carros de polícia, uma UTI móvel e um helicóptero.
Por volta das 11h30, policiais ocuparam uma antena desativada da Telebrasília e instalaram um sistema de radiocomunicação para a PM. A antena fica na sede da Associação Ecológica de Serra Bonita, ao lado do local de operações e próximo à fazenda.
O administrador da Córrego da Ponte, Wander Gontijo, demonstrou preocupação ao saber do uso da antena de telefonia pela PM. "Será que eles vão copiar ou interferir nas ligações daqui da fazenda?", questionou Gontijo à Folha. A comunicação da fazenda dos filhos de FHC é feita via celular.
Um dos líderes dos sem-terra, Jorge Augusto Xavier, esteve no "teatro de operações" para tentar saber dos PMs se eles assumiriam a segurança da fazenda. A resposta dos oficiais: "Informação, por enquanto, não temos nenhuma".
Segundo a assessoria de comunicação de Itamar, o posicionamento da tropa distante da fazenda e do acampamento tem uma explicação simples. Os policiais só vão assumir o patrulhamento da região depois da saída do Exército. Seria uma forma de demonstrar que a PM está pronta para substituir as tropas federais e por isso a corporação foi deslocada.
Os soldados ficaram boa parte do dia sob eucaliptos, ao lado da estrada. Não havia nenhuma infra-estrutura montada, como barracas, alimentação, água ou banheiros. Embora os PMs estivessem proibidos de falar com a imprensa, foi possível ouvir reclamações, feitas em alto e bom som, a respeito da falta de estrutura.
O silêncio dos oficiais acabou gerando especulações e medo entre os moradores. "Será que nós vamos ter uma guerra aqui, entre a PM e o Exército?", questionou a agricultora Anice Koch.
Coincidentemente, enquanto a PM começava a se instalar próximo à fazenda, 20 soldados do Batalhão da Guarda Presidencial, dentre os 300 homens do Exército que estão na área, faziam exercícios táticos na porteira principal.
No início da tarde, mais de cem integrantes do Batalhão de Missões Especiais da PM chegaram a Buritis, vindos em sua maioria de Belo Horizonte. Eles aguardavam ordens de deslocamento para a área próxima à fazenda.
Enquanto isso, no acampamento improvisado numa escola, os dirigentes dos sem-terra passaram o dia discutindo o rumo da manifestação.
Eles têm até domingo para deixar a área -as aulas voltam ao normal na segunda- e demonstraram preocupação com as repercussões de suas decisões.
"É uma guerra de desgastes. O momento político exige cautela e ir para casa, agora, será o terceiro recuo", afirmou Lucídio Ravanello, da direção nacional do MST, que, no entanto, não descarta desistir da idéia de invasão da fazenda. "Nós temos de manter a cabeça fria e estamos avaliando a situação do ponto de vista político, pois não podemos correr riscos, cair no isolamento e perder o apoio da opinião pública."


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