São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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JANIO DE FREITAS

Um mundo de guerras

Sem receber um só tiro, sem pressentir um só inimigo nas redondezas da mata tranquila, a coluna se sentiu sob ataque incontrolável, os soldados em fuga desordenada, muitos largando suas armas sofisticadas para se proteger. Horas depois, estavam todos com penosos e longos efeitos de envenenamento. Invalidados para novas ações por um enxame de abelhas. Abelhas venenosas.
Estas foram cenas comuns, por muito tempo, em todo o delta do Mekong, Vietnã, sem que os americanos entendessem o que acontecia. Era apenas um silvo breve, um assobio mesmo, e abelhas enfurecidas atacavam tudo o que se movesse no seu território. Foram condicionadas de modo muito simples: um pequeno silvo e logo uma pedrada, uma agressão, na colméia. Em pouco tempo, bastava o silvo e já a colméia, convencida da agressão imediata, se esvaziava à caça do agressor. O velhinho ou a velhinha camponesa, um daqueles cujas palhoças os GIs depois passaram a incendiar, emitia o assobio protegido em um buraco na terra.
Em cima, os grandes bombardeiros B-52, os super-helicópteros Augusta, caças fantásticos, todos lançando bombas de napalm, incendiárias. Embaixo, o vôo de esquadrilhas de abelhas. E, depois das abelhas, mil outras simplicidades de pessoas usando sandálias, roupa despojada e chapéu de palha. E uma concepção de luta não menos original: não é indispensável matar o inimigo, é indispensável tirá-lo de combate. Contra a concepção adotada pelos militares americanos desde a Segunda Guerra: a "terra arrasada" (por aviação e artilharia) e só depois a tropa.
Desde que os vietcongs derrotaram a mais poderosa e feroz força bélica do mundo, toda a doutrina clássica de guerra está por ser revista. Por extensão, e com mais importância, os métodos de ação internacional em situações problemáticas estão superados. A ação conjunta de Estados Unidos e vários países europeus na ex-Iugoslávia foi, por mais que a propaganda e a mídia propaguem idéia oposta, um fracasso que agravou o conflito interno em muitos aspectos, com maiores custos para a população. As ações bélicas dos Estados Unidos contra o Iraque, o Afeganistão e a Líbia foram fracassos que ainda produzem efeitos negativos. Sem contar que o Taleban e Osama bin Laden foram apoiados por CIA, Departamento de Estado e Pentágono, contra o governo afegão pró-URSS.
Da guerra do Vietnã para cá, o mundo aprendeu bastante que não há causa perdida a priori e que há sempre um modo de enfrentar o que seja sentido como opressão. A luta contra a discriminação social, com êxitos espetaculares mundo afora, é parte dos efeitos que aquele aprendizado coletivo vem produzindo. Presos ainda às concepções tradicionais, não se percebe que esse movimento em todos os países ocidentais é uma luta de baixo para cima, dos desprovidos de poder contra os detentores do poder, seja este político ou, o que dá no mesmo, o poder de ditar conceitos e costumes. Não é surpreendente que se passe o mesmo no plano da política propriamente e da política entre países ou entre povos. Seja com motivação étnica, religiosa, territorial ou ideológica. Seja ou não com meios e fins aceitáveis no incerto quadro da moral pública.
Há muito mais guerras no mundo do que os conceitos e definições convencionais dos conflitos podem admitir. Mas o aprendizado do poder é sempre muito mais lento do que o aprendizado dos povos. "Não se trata só de capturar essa gente. É preciso eliminar os santuários, eliminar os Estados" / "Vou liderar o mundo até a vitória. Esta será uma batalha monumental do bem contra o mal": são frases do subsecretário de Defesa e do próprio presidente George W. Bush. Traduzidas para o alemão, ficariam idênticas a frases vociferadas na década de 30.
Gastos autorizados de US$ 40 bilhões, convocação de 50 mil reservistas além das imensuráveis tropas americanas -imagine-se o que ameaça vir por aí para que a guerra continue, sob o nome equivocado de represália, de terrorismo ou de qualquer outro.


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