|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Um mundo de guerras
Sem receber um só tiro, sem
pressentir um só inimigo nas
redondezas da mata tranquila, a
coluna se sentiu sob ataque incontrolável, os soldados em fuga
desordenada, muitos largando
suas armas sofisticadas para se
proteger. Horas depois, estavam
todos com penosos e longos efeitos
de envenenamento. Invalidados
para novas ações por um enxame
de abelhas. Abelhas venenosas.
Estas foram cenas comuns, por
muito tempo, em todo o delta do
Mekong, Vietnã, sem que os americanos entendessem o que acontecia. Era apenas um silvo breve,
um assobio mesmo, e abelhas enfurecidas atacavam tudo o que se
movesse no seu território. Foram
condicionadas de modo muito
simples: um pequeno silvo e logo
uma pedrada, uma agressão, na
colméia. Em pouco tempo, bastava o silvo e já a colméia, convencida da agressão imediata, se esvaziava à caça do agressor. O velhinho ou a velhinha camponesa,
um daqueles cujas palhoças os
GIs depois passaram a incendiar,
emitia o assobio protegido em um
buraco na terra.
Em cima, os grandes bombardeiros B-52, os super-helicópteros
Augusta, caças fantásticos, todos
lançando bombas de napalm, incendiárias. Embaixo, o vôo de esquadrilhas de abelhas. E, depois
das abelhas, mil outras simplicidades de pessoas usando sandálias, roupa despojada e chapéu de
palha. E uma concepção de luta
não menos original: não é indispensável matar o inimigo, é indispensável tirá-lo de combate. Contra a concepção adotada pelos
militares americanos desde a Segunda Guerra: a "terra arrasada"
(por aviação e artilharia) e só depois a tropa.
Desde que os vietcongs derrotaram a mais poderosa e feroz força
bélica do mundo, toda a doutrina
clássica de guerra está por ser revista. Por extensão, e com mais
importância, os métodos de ação
internacional em situações problemáticas estão superados. A
ação conjunta de Estados Unidos
e vários países europeus na ex-Iugoslávia foi, por mais que a propaganda e a mídia propaguem
idéia oposta, um fracasso que
agravou o conflito interno em
muitos aspectos, com maiores
custos para a população. As ações
bélicas dos Estados Unidos contra
o Iraque, o Afeganistão e a Líbia
foram fracassos que ainda produzem efeitos negativos. Sem contar
que o Taleban e Osama bin Laden foram apoiados por CIA, Departamento de Estado e Pentágono, contra o governo afegão pró-URSS.
Da guerra do Vietnã para cá, o
mundo aprendeu bastante que
não há causa perdida a priori e
que há sempre um modo de enfrentar o que seja sentido como
opressão. A luta contra a discriminação social, com êxitos espetaculares mundo afora, é parte
dos efeitos que aquele aprendizado coletivo vem produzindo. Presos ainda às concepções tradicionais, não se percebe que esse movimento em todos os países ocidentais é uma luta de baixo para
cima, dos desprovidos de poder
contra os detentores do poder, seja este político ou, o que dá no
mesmo, o poder de ditar conceitos
e costumes. Não é surpreendente
que se passe o mesmo no plano da
política propriamente e da política entre países ou entre povos. Seja com motivação étnica, religiosa, territorial ou ideológica. Seja
ou não com meios e fins aceitáveis
no incerto quadro da moral pública.
Há muito mais guerras no
mundo do que os conceitos e definições convencionais dos conflitos
podem admitir. Mas o aprendizado do poder é sempre muito mais
lento do que o aprendizado dos
povos. "Não se trata só de capturar essa gente. É preciso eliminar
os santuários, eliminar os Estados" / "Vou liderar o mundo até a
vitória. Esta será uma batalha
monumental do bem contra o
mal": são frases do subsecretário
de Defesa e do próprio presidente
George W. Bush. Traduzidas para
o alemão, ficariam idênticas a
frases vociferadas na década de
30.
Gastos autorizados de US$ 40
bilhões, convocação de 50 mil reservistas além das imensuráveis
tropas americanas -imagine-se
o que ameaça vir por aí para que
a guerra continue, sob o nome
equivocado de represália, de terrorismo ou de qualquer outro.
Texto Anterior: Campinas tem seis candidatos Próximo Texto: Guerra na América: PT critica terror, mas é contra ação militar Índice
|