São Paulo, domingo, 16 de setembro de 2001

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ARAGUAIA, 27 ANOS

Fotografias mostram que militantes do PC do B, de paradeiro desconhecido, foram capturados vivos

Fotos sugerem destino de desaparecidos

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A fotografia de uma mulher morta, apreendida com documentos em uma casa mantida pelo Exército em Marabá (PA), pode revelar o destino de uma militante comunista que participou da guerrilha do Araguaia e ainda hoje é tida como desaparecida.
Os documentos foram apreendidos no dia 25 de julho, em cumprimento a um mandado judicial concedido a pedido do Ministério Público Federal, que no início daquele mês havia aberto um inquérito civil para tentar esclarecer fatos ligados à guerrilha do Araguaia, identificar ossadas de militantes e apurar os danos sofridos pela população local.
Nesse mesmo dia, a Folha revelou que os militares ainda monitoravam os moradores com o objetivo de manter o silêncio sobre o conflito entre Forças Armadas e militantes do PC do B, entre 1972 e 1974, na região do Bico do Papagaio, no sul do Pará. Ex-colaboradores do Exército na região recebiam alimentos e ferramentas, além de outros bens. O conflito teve como saldo 61 desaparecidos.
Diva Santana está quase certa de que a pessoa da foto é sua irmã Dinaelza Santana Coqueiro. "Bati o olho e cheguei a chorar quando vi a foto", afirmou Diva.
Estudante de geografia em Salvador, Dinaelza, a Maria Dina, já estava na clandestinidade quando ingressou na guerrilha, em março de 1971. Na mata, ela integrava o destacamento "B", um dos três organizados pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil), que atuava entre os municípios de Marabá e Xambioá.
"O que me chama a atenção na foto é a fisionomia, muito parecida com a Maria Dina", afirmou o deputado federal José Genoino (PT-SP), que integrava a guerrilha do PC do B e foi pego pelos militares em 18 de abril de 1972.
Genoino, que se apresentava à população local como um camponês que fora trabalhar na construção da rodovia Transamazônica, era vizinho de Dinaelza no destacamento "B". "Ela era bem magra, aparentemente frágil, mas muito dinâmica", disse.

Outra pista
Entre os familiares de desaparecidos no Araguaia, há uma outra pista sobre a foto. Lorena Moroni Barroso, irmã da militante Jana Moroni Barroso, que adotou o codinome Cristina, também acha possível ter finalmente encontrado a prova sobre o destino dado a sua familiar.
"Há possibilidade de ser minha irmã. Tem pele clara e cabelos escuros. Mas precisamos levantar outros indícios, porque a foto está muito ruim", disse Lorena.
Obtida com exclusividade pela Folha, a fotografia estava dentro do livro "Guerrilha do Araguaia", uma publicação do PC do B sobre o movimento, no escritório do Exército em Marabá.
Apesar de pouco nítida, a fotografia traz alguns indícios de que poderia ser de uma das guerrilheiras comunistas:
1) Exibe uma mulher branca e longilínea, que destoa do tipo físico predominante na região (pessoas pardas e mais baixas);
2) há marcas de violência no corpo e provavelmente um tiro no pescoço, que, segundo técnicos, teria sido disparado de trás para a frente;
3) é antiga.
Mas existem outros dados que colocam dúvidas sobre quem seria realmente a mulher morta registrada na foto. No canto direito superior, vê-se uma garrafa no chão, possivelmente de plástico. Esse tipo de embalagem só começou a chegar ao país, importado, em 1975, quando a guerrilha do Araguaia já havia acabado.
As roupas que vestem a mulher também não são típicas de guerrilheiros. Em geral, eles usavam calças jeans e camisas escuras. A blusa branca registrada na fotografia não era comum: sujava fácil na mata e chamava a atenção.

Revelações

Outras duas fotos inéditas, obtidas pela Folha, mostram que os militantes Antonio de Pádua Costa, conhecido como Piauí, e Daniel Ribeiro Callado, o Doca, ainda hoje desaparecidos, foram presos vivos pelos militares.
As fotos foram obtidas pelo vereador de Belém Paulo Fonteles Filho (PC do B) com a população local. A do militante Piauí foi encaminhada à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça em 1996.
"As fotografias mostram que a responsabilidade pela vida dessas pessoas é das Forças Armadas. Mas a Comissão não fez nada até hoje", acusou o vereador.
Piauí foi fotografado sozinho em um dos locais chamados de "buraco do Vietnã". Eram cadeias improvisadas, escavadas no meio da mata, onde os guerrilheiros capturados eram mantidos até serem encaminhados à sede do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), conhecida como Casa Azul, o quartel general dos militares, em Marabá.

Santa Cruz
Outra fotografia mostra o militante Doca bebendo água, observado de perto por um militar à paisana, o sargento João Santa Cruz -que também participou da prisão de Piauí.
O sargento Santa Cruz disse que a foto foi tirada no Estado do Maranhão, para onde teria seguido de carro à procura de Doca. "Fiquei quatro dias com ele. Vi que não tinha nada a ver com o peixe e o liberei perto de Xambioá", disse Santa Cruz à Folha.
Aos 69 anos, o sargento participou das três campanhas militares na região (que tiveram início em abril de 1972 e acabaram definitivamente em 1974), foi para a reserva em 1977 e jura pelos seus 21 filhos que nunca matou ninguém.
"Nossa missão era capturar vivo ou morto. Nós não sabíamos se [os superiores militares" mandavam para Brasília ou se sacrificavam", declarou, frisando que os guerrilheiros que viu mortos foram abatidos em combate.
Há 11 dias, sob sigilo, Santa Cruz prestou depoimento à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
"É o relato mais importante que temos até agora: confirma que guerrilheiros foram mortos pelos militares e que há corpos enterrados na serra das Andorinhas", disse o deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), coordenador do grupo permanente da comissão que investiga a guerrilha do Araguaia.


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