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ARAGUAIA, 27 ANOS
Fotografias mostram que militantes do PC do B, de paradeiro desconhecido, foram capturados vivos
Fotos sugerem destino de desaparecidos
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A fotografia de uma mulher
morta, apreendida com documentos em uma casa mantida pelo Exército em Marabá (PA), pode
revelar o destino de uma militante
comunista que participou da
guerrilha do Araguaia e ainda hoje é tida como desaparecida.
Os documentos foram apreendidos no dia 25 de julho, em cumprimento a um mandado judicial
concedido a pedido do Ministério
Público Federal, que no início daquele mês havia aberto um inquérito civil para tentar esclarecer fatos ligados à guerrilha do Araguaia, identificar ossadas de militantes e apurar os danos sofridos
pela população local.
Nesse mesmo dia, a Folha revelou que os militares ainda monitoravam os moradores com o objetivo de manter o silêncio sobre o
conflito entre Forças Armadas e
militantes do PC do B, entre 1972
e 1974, na região do Bico do Papagaio, no sul do Pará. Ex-colaboradores do Exército na região recebiam alimentos e ferramentas,
além de outros bens. O conflito teve como saldo 61 desaparecidos.
Diva Santana está quase certa de
que a pessoa da foto é sua irmã
Dinaelza Santana Coqueiro. "Bati
o olho e cheguei a chorar quando
vi a foto", afirmou Diva.
Estudante de geografia em Salvador, Dinaelza, a Maria Dina, já
estava na clandestinidade quando
ingressou na guerrilha, em março
de 1971. Na mata, ela integrava o
destacamento "B", um dos três
organizados pelo PC do B (Partido Comunista do Brasil), que
atuava entre os municípios de
Marabá e Xambioá.
"O que me chama a atenção na
foto é a fisionomia, muito parecida com a Maria Dina", afirmou o
deputado federal José Genoino
(PT-SP), que integrava a guerrilha
do PC do B e foi pego pelos militares em 18 de abril de 1972.
Genoino, que se apresentava à
população local como um camponês que fora trabalhar na construção da rodovia Transamazônica, era vizinho de Dinaelza no
destacamento "B". "Ela era bem
magra, aparentemente frágil, mas
muito dinâmica", disse.
Outra pista
Entre os familiares de desaparecidos no Araguaia, há uma outra
pista sobre a foto. Lorena Moroni
Barroso, irmã da militante Jana
Moroni Barroso, que adotou o codinome Cristina, também acha
possível ter finalmente encontrado a prova sobre o destino dado a
sua familiar.
"Há possibilidade de ser minha
irmã. Tem pele clara e cabelos escuros. Mas precisamos levantar
outros indícios, porque a foto está
muito ruim", disse Lorena.
Obtida com exclusividade pela
Folha, a fotografia estava dentro
do livro "Guerrilha do Araguaia",
uma publicação do PC do B sobre
o movimento, no escritório do
Exército em Marabá.
Apesar de pouco nítida, a fotografia traz alguns indícios de que
poderia ser de uma das guerrilheiras comunistas:
1) Exibe uma mulher branca e
longilínea, que destoa do tipo físico predominante na região (pessoas pardas e mais baixas);
2) há marcas de violência no
corpo e provavelmente um tiro
no pescoço, que, segundo técnicos, teria sido disparado de trás
para a frente;
3) é antiga.
Mas existem outros dados que
colocam dúvidas sobre quem seria realmente a mulher morta registrada na foto. No canto direito
superior, vê-se uma garrafa no
chão, possivelmente de plástico.
Esse tipo de embalagem só começou a chegar ao país, importado,
em 1975, quando a guerrilha do
Araguaia já havia acabado.
As roupas que vestem a mulher
também não são típicas de guerrilheiros. Em geral, eles usavam calças jeans e camisas escuras. A blusa branca registrada na fotografia
não era comum: sujava fácil na
mata e chamava a atenção.
Revelações
Outras duas fotos inéditas, obtidas pela Folha, mostram que os
militantes Antonio de Pádua Costa, conhecido como Piauí, e Daniel Ribeiro Callado, o Doca, ainda hoje desaparecidos, foram presos vivos pelos militares.
As fotos foram obtidas pelo vereador de Belém Paulo Fonteles
Filho (PC do B) com a população
local. A do militante Piauí foi encaminhada à Comissão de Mortos
e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça em 1996.
"As fotografias mostram que a
responsabilidade pela vida dessas
pessoas é das Forças Armadas.
Mas a Comissão não fez nada até
hoje", acusou o vereador.
Piauí foi fotografado sozinho
em um dos locais chamados de
"buraco do Vietnã". Eram cadeias
improvisadas, escavadas no meio
da mata, onde os guerrilheiros
capturados eram mantidos até serem encaminhados à sede do Departamento Nacional de Estradas
de Rodagem (DNER), conhecida
como Casa Azul, o quartel general
dos militares, em Marabá.
Santa Cruz
Outra fotografia mostra o militante Doca bebendo água, observado de perto por um militar à
paisana, o sargento João Santa
Cruz -que também participou
da prisão de Piauí.
O sargento Santa Cruz disse que
a foto foi tirada no Estado do Maranhão, para onde teria seguido
de carro à procura de Doca. "Fiquei quatro dias com ele. Vi que
não tinha nada a ver com o peixe e
o liberei perto de Xambioá", disse
Santa Cruz à Folha.
Aos 69 anos, o sargento participou das três campanhas militares
na região (que tiveram início em
abril de 1972 e acabaram definitivamente em 1974), foi para a reserva em 1977 e jura pelos seus 21
filhos que nunca matou ninguém.
"Nossa missão era capturar vivo
ou morto. Nós não sabíamos se
[os superiores militares" mandavam para Brasília ou se sacrificavam", declarou, frisando que os
guerrilheiros que viu mortos foram abatidos em combate.
Há 11 dias, sob sigilo, Santa Cruz
prestou depoimento à Comissão
de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados.
"É o relato mais importante que
temos até agora: confirma que
guerrilheiros foram mortos pelos
militares e que há corpos enterrados na serra das Andorinhas",
disse o deputado federal Luiz
Eduardo Greenhalgh (PT-SP),
coordenador do grupo permanente da comissão que investiga a
guerrilha do Araguaia.
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