São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

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ELIO GASPARI

O homem da Bear Sterns cantou a pedra

O pensamento único está sempre condenado a ficar burro. O pensamento burro está condenado a cair na superstição e o pensamento supersticioso está condenado a ser desmascarado. E assim vai contada em poucas palavras a história da sabedoria da ekipekonômica do tucanato.
Arruinaram o país e olham para a choldra com um ar superior, sugerindo que ou ela não sabe votar, ou o candidato que ela parece estar prestes a escolher ainda não entendeu como funcionam "os mercados". Um consolo para Lula: os sábios dos "mercados" ainda não disseram dele metade do que já disseram de José Serra.
A alta dos juros para 21% ao ano foi apresentada como algo inevitável, quase benfazejo. Quem tem dinheiro ganha sem trabalhar. Quem não tem pelo menos deve aplaudir, do contrário passa por duro e burro. Esses juros lunares vão derrubar a economia, aumentar o desemprego e, sem dúvida, comprometerão o primeiro semestre de gestão econômica do próximo governo. Mesmo assim, não havia nada melhor à mão. Mesmo admitindo que essa turma esteja certa, a sua maneira de pensar não é a única.
Aqui vão algumas opiniões de David Malpass, economista-chefe da casa Bear Sterns, de Nova York. (Conta a lenda que, no tempo do dólar de R$ 1,20, foi a Bear Sterns quem colocou, de brincadeira, uma Bentley com chofer a serviço de uma personalidade brasileira a quem desejava agradar.)
Em junho passado, quando se festejava o empréstimo-salvador do FMI, Malpass advertia, num artigo no "Wall Street Journal": "É difícil entender como um programa econômico assentado numa taxa de juros de 18% possa funcionar".
Quando os sábios da ekipekonômica começavam a por em circulação a teoria do "risco Lula", Malpass denunciava sua falsidade. Dizia que se dava o contrário: anos seguidos de juros altos e moeda fraca geraram um "problema de crescimento" que explicava a popularidade do candidato. Lembrava que a renda per capita dos brasileiros estava em US$ 3.100, contra US$ 3.200 em 1990.
Para Malpass, o Brasil só sai da crise se crescer. Sem crescer, não sai. Quando "os mercados" festejavam os US$ 10 bilhões do FMI, ele dizia que "juros altos, a incerteza cambial e o peso da dívida servirão apenas para manter as baixas taxas de crescimento, não importa quem venha a ser eleito. O crescimento débil agravará o problema da divida, criando um círculo vicioso". Ele previa uma rachadura no estratagema para depois da eleição. Aconteceu antes. Chegou-se a outubro com o real valendo menos e os juros valendo mais.
Isso com os dois candidatos a presidente dizendo que vão aumentar as exportações, respeitando os acordos com o FMI. Malpass lembra que o Brasil terá que disputar mercados e investimentos com China, México, Coréia e Taiwan, países com moedas estáveis, juros baixos, dívida controlada e "livres da má orientação econômica do FMI".
Malpass terminou seu artigo com um parágrafo que deveria ser incorporado à versão 1.0.2 da "Carta ao Povo Brasileiro" de Lula:
"Os Estados Unidos se orgulham de ter um dólar forte e estável, juros baixos e carga tributária declinante. Esses conceitos são vitais para criação de um clima atraente aos investimentos e ao crescimento econômico. Diante da estrutura da dívida brasileira e da urgência de sua crise, eles são particularmente adequados para o país. Com o FMI injetando dinheiro no Brasil para demonstrar o seu apoio, o que se deveria encorajar era estabilidade cambial e crescimento, não austeridade".


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