São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

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O candidato na estante


Levantamento da Folha mostra o que ler sobre Luiz Inácio Lula da Silva e José Serra e também o que os presidenciáveis escreveram


FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Fantasma de Fernando Henrique Cardoso durante os oito anos de mandato do presidente, a memória bibliográfica agora espreita também os candidatos finalistas à sua sucessão, o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o tucano José Serra.
Por mais que FHC a tenha renegado, a frase "esqueçam o que escrevi" está colada à sua biografia. Por mais que Lula e Serra cuidem para não incorrer no mesmo deslize daquele que podem suceder, dezenas de livros dos dois candidatos ou sobre eles recheiam prateleiras pelo Brasil afora, a lembrar-lhes que sua história é muito anterior à sua candidatura.
O levantamento dessas obras ateve-se ao formato livro e à publicações sobre os candidatos. Dessa forma, foram excluídos livretes diversos, como cartilhas, discursos e até folhetos de cordel, e as dezenas de publicações -inclusive estrangeiras- sobre os seus partidos (PT e PSDB).
No caso de Lula, sobressai o que os outros escreveram sobre ele, especialmente biografias do ex-metalúrgico. A história do líder operário seduz autores desde 1980, ano da famosa greve de 41 dias do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo.
Desde o frade dominicano Frei Betto -que dormia na casa de Lula na noite que o então sindicalista foi preso, episódio que descreve no breve "Biografia Política de um Operário"- ao sociólogo Florestan Fernandes -que situa Lula e o PT como protagonistas de uma "ruptura com o passado colonial" no livro de perfis "A Contestação Necessária"-, passando pelo escritor Antonio Sampaio -autor de uma crônica romanceada da lendária paralisação em "Lula e a Greve dos Peões"-, pelo menos dez diferentes penas já dissecaram o candidato petista.
Dentro desse propósito, o trabalho mais substancioso é "O Filho do Brasil - De Luiz Inácio a Lula", de Denise Paraná, baseado na tese de doutorado que a autora defendeu no departamento de história da USP em 95.
Construído sobre extensas entrevistas de Lula e seus irmãos à própria Denise, o livro usa a relação familiar como chave para a compreensão da personagem política do presidenciável.
"Os Silva [a família de Lula] são um retrato do Brasil, até no sobrenome. A história deles reflete tão perfeitamente as contradições desse país que, se fosse ficção, pareceria mal-feita", compara a historiadora, que prepara o roteiro de um filme baseado em seu livro.
Além das biografias -que têm como ponto comum muita ode e pouca crítica a Lula-, há os livros escritos pelo petista, todos em parceria com técnicos e/ ou colegas de partido e sempre referentes à propostas para o país. Estas publicações, que superam uma dezena, foram editadas em sua maioria pelas ONGs Governo Paralelo e Instituto da Cidadania.
Há ainda livros que relatam as campanhas anteriores de Lula à Presidência e a sua experiência nas "caravanas da cidadania".
Quando o assunto é Serra, o próprio tucano é o autor da maior parte das publicações. Há pelo menos 15 livros que esmiuçam a trajetória e as idéias do ex-ministro de FHC, principalmente por meio de ensaios e artigos.
Sobre a vida de Serra há poucos registros. O mais extenso é também o mais recente, a biografia-entrevista "O Sonhador que Faz", lançada por ocasião da candidatura do tucano e escrita pelo jornalista Teodomiro Braga, com a supervisão do próprio Serra.
O livro traz informações e "causos" da infância do tucano na Mooca, da atuação na política estudantil, do exílio chileno, da carreira de parlamentar e ministro.
Braga, entretanto, considera insuficientes as informações bibliográficas sobre a vida do colega. "Fizemos em pergunta e resposta porque uma biografia normal exigiria muita pesquisa e um tempo que não tínhamos. O livro foi feito para suprir uma lacuna, mas ainda acho que a biografia dele é muito pouco conhecida."
Mais regulares, os livros de artigos e ensaios de Serra abordam especialmente temas econômicos (como milagre brasileiro, dependentismo e orçamento) e políticos (ele faz a defesa recorrente do parlamentarismo e da reforma política). Em 2000, foi publicado "Ampliando o Possível", reunião de textos do tucano sobre saúde pública, referentes à sua gestão como ministro da Saúde.
Possivelmente a obra de maior repercussão de Serra é o artigo "Além da Estagnação ", em parceria com a economista Maria da Conceição Tavares, hoje no PT, e publicado no livro "Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro", de 1972.
A análise feita pelos dois -de que as economias latino-americanas podiam se desenvolver mesmo dependentes do capital estrangeiro- foi compartilhada e ampliada por FHC e Enzo Faletto em "Dependência e Desenvolvimento na América Latina".
Autor mais constante que Serra e Lula, o atual presidente -que escreveu 23 livros até virar candidato ao Planalto pela primeira vez, em 94- foi questionado por ter "traído" o pensamento esquerdista que norteou "Dependência" e outras obras.
As críticas surgiram principalmente após a polêmica da frase "esqueçam o que eu escrevi", que teria sido dita por ele quando ainda era ministro da Fazenda -FHC negou tê-la proferido.
É curioso observar a aproximação entre petistas e tucanos nos livros: além de escrever com Maria da Conceição, Serra publicou um ensaio num livro de Luiz Gonzaga Belluzzo (hoje ligado ao PT) e é entrevistado noutro organizado por Guido Mantega, principal assessor econômico de Lula.
Um problema para o (e)leitor curioso é que parte dos livros antigos referentes à Lula e Serra está fora de catálogo, restando aos interessados a alternativa de se embrenhar por bibliotecas -as de faculdades de Ciências Humanas e de Economia são uma opção.
No caso de Lula, há um facilitador: quase a totalidade das obras de ou sobre o candidato está reunida na Fundação Perseu Abramo, fundada pelo PT. O material está disponível para a consulta na sede da entidade, na rua Francisco Cruz, 234, Vila Mariana, São Paulo-SP, ou, de forma parcial, no site (www.fpabramo.org.br).


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