São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

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REGRAS DO JOGO

Velhos e novos caciques

LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

A cada eleição, o diagnóstico imediato e ufanista é sempre o mesmo: o resultado das urnas modifica o retrato político do país... A tese esboçada depois de 6 de outubro é a de que o eleitor, sábio e cansado, decidiu aposentar velhos caciques. Maluf perdeu, Collor perdeu, Quércia perdeu, logo, o Brasil é outro.
Mas os resultados podem ser observados diferentemente.
Se Quércia tivesse pavimentado seu retorno à cena política como candidato a deputado teria uma votação consagradora e seria hoje um interlocutor poderoso, sobretudo em caso de vitória de Lula. Erro de estratégia. Erro que também adia a volta de Collor aos salões da democracia.
Em relação ao esvaziamento da candidatura de Maluf -na verdade ele venceu uma única eleição majoritária em toda a sua vida-, é preciso lembrar que os seus dois principais adversários se apropriaram de seus ideais de segurança pública: Alckmin e Genoino, cada qual a seu modo, são hoje um pouco malufistas.
Quando se analisa o crescimento do PT, é bom lembrar que o crescimento do PMDB e do PSDB, em passado não muito distante, também foi saudado pela mídia como grande renovação. Pois há quem diga que em Mato Grosso do Sul a atmosfera política não é muito diversa da que se respira na Bahia ou no Maranhão...
O coronelismo, aliás, continua vivo e vai muito bem.
ACM volta ao Senado. Seu filho é seu suplente de novo e, como novidade, aparece na Câmara, o seu neto, também chamado ACM, sem experiência e sem ocupação informada -pelo menos no site do TSE-, eleito com 400 mil votos. É o que se pode chamar de renovação na própria casa.
Jader Barbalho volta ao Congresso, com enorme votação, e elege um filho deputado estadual.
Garotinho entrega o governo para a mulher. Isso sem falar na posição constrangedora das igrejas evangélicas, na incrível rotina de distribuir votos de cabresto.
Como revela a reportagem da jornalista Cynara Menezes, velhas dinastias permanecem intactas e novas dinastias políticas estão se formando. Inclusive no PT.
E não se pode esquecer da assustadora votação de Enéas. Uma das explicações correntes é a da inviabilização do voto de protesto pela urna eletrônica. Mas o voto em Enéas pode ser visto como um voto consciente de quem quer uma alternativa real a políticos tradicionais ou de quem simplesmente acredita em Enéas.
A análise do cientista político Fernando Limongi é impecável. O crescimento do Prona é legítimo. Em eleição proporcional, a votação em um candidato beneficia outros do mesmo partido que nominalmente receberam menos votos. É a regra do jogo, vale para todos os concorrentes e, em tese, serve para fortalecer a legenda.
Resta saber se com outro sistema de eleição haveria espaço para esse desenho mal-humorado da realidade política.
O voto distrital misto, a alternativa que se cogita para o Brasil, teria o efeito, segundo os críticos, de fortalecer o caciquismo na direção dos partidos e de acentuar o caráter paroquial das disputas.
Pode ser. Mas a paróquia talvez seja o território ideal para o embate entre o novo e o velho. Ainda que o velho comece vencendo -como hoje vence. Ainda que demore para o novo vencer.

lfcarvalhofilho@uol.com.br


LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO, advogado criminal e articulista da Folha, escreve às quartas nesta coluna


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