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JANIO DE FREITAS
Pelo sim, pelo não
A empolgação de contrários
e defensores do comércio legítimo de pequenas armas chega
ao ponto de não permitir o silêncio individual. Um indício, em
princípio, de participação numérica admirável, como convém
aos referendos que transferem
decisões à própria população.
Mas o que deveria ser debate sério entre as posições diferentes,
como convém aos referendos,
mais uma vez cedeu o lugar ao
passionalismo de gênero futebolístico: a discussão sem idéias e
sem objetividade.
De repente, parece que há lojas
de armas em cada esquina brasileira. A classe média passou a ser
responsável também pelo armamento crescente da marginalidade. Parece que cada família
compra um novo revólver a cada
salário recebido, para substituir
o revólver deixado ao alcance do
ladrão no mês anterior.
A cidade onde moro é dada pela mídia da pacífica e carinhosa
São Paulo como exemplo definitivo de criminalidade urbana
armada. Embora o exagerado
passar dos anos me dê razoável
conhecimento dessa cidade
abandidada, sou incapaz de dizer onde encontrar no Rio uma
loja de armas, uma que seja.
Mais ainda, não sei de uma só
pessoa, e me dei a conhecer a
mais pessoas do que me desejariam conhecer, que tenha comprado uma arma nos muitos últimos anos.
As distorções do referendo não
vêm da falta do que debater sobre comércio de armas. E mesmo
sobre fabricação no Brasil. A distorção inicial está na simplificação de um problema repleto de
nuances, como se não houvesse o
que distinguir, por exemplo, entre compra/posse/uso de arma
em cidade ou na complicada
vastidão do interior, e de tantos
ermos não tão interiores. Localizar com seriedade o abastecimento de armas criminosas levantaria uma questão muito
acima do comércio convencional: a polícia sabe que armas
apreendidas de marginais são,
em grande número, armas que
logo vão abastecer a mesma
marginalidade, no comércio inconvencional.
Há alguns anos, uma ativa oficina de preparação, para venda,
de armas tomadas a marginais
foi identificada na própria oficina de armeiros de um quartel da
PM no Leblon. Há poucas semanas, ficou comprovado o desvio
de armas entregues, para destruição, à Campanha do Desarmamento. Foi, desculpe a citação, em São Paulo (atenuante
rápida: deve ter sido coisa de carioca infiltrado). Estão sob investigação, nestes dias, os feitos
de uma quadrilha formada por
agentes da Polícia Federal, vendedores de cocaína apreendida,
ladrões de dinheiro apreendido
de criminosos, e por que não haveria quadrilha ativa no comércio de armas apreendidas?
Diante dos tantos problemas
graves do abastecimento de armas à criminalidade, apresentar
o fechamento de poucas lojas como "desarmamento do nosso
país" não é coisa séria. Foi por
esse método que a campanha pelo "sim" ampliou as distorções,
chegando a cúmulos como a
afirmação de que o "Brasil será
feliz" se proibida a venda legal
de armas. A publicidade do
"não" teve bem menos audácia
contra a boa-fé alheia, mas o
modo como explora o discutível
envolvimento da liberdade dos
cidadãos, na possível compra legal de armas, enquadra-se no
exagero que é da natureza mesma da publicidade. Acontece
que um referendo com implicação constitucional não é um sabão que lava mais branco (péssimo, portanto, para roupa de cor)
nem o copo de cerveja que seduz
todos os louváveis bumbuns da
praia.
Há argumentos muito fortes
tanto em favor do "não" como
do "sim". Não foram postos, porém, em debate. Ou só arranhados, em uma ou outra ocasião.
Muitas das ONGs que têm úteis
papéis contra a violência são, no
entanto, responsáveis pelo descaminho e pelo passionalismo
tão prejudicial ao referendo e a
seus propósitos originais. É uma
ocorrência ainda mais lamentável porque este poderia ser, como
muitos esperam, o primeiro de
muitos referendos que alargassem os limites tão estreitos da
participação e da democracia no
Brasil.
Já que a discussão tomou ares
futebolístico, nesta matéria minha posição não admite concessões: Flamengo, e tenho dito.
Ninguém mais leva o meu voto.
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