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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ARTIGO
A vitória da empulhação e do PT
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Passado o período das confissões e dos constrangimentos, o governo Lula e o PT adquirem uma arrogância que não
seria exagero comparar à de Maluf nos seus bons tempos: nada foi
provado, somos os perseguidos,
vocês nos devem desculpas, a imprensa nos ataca e este governo
faz mais pelo país do que todos os
nossos adversários juntos.
As declarações do novo presidente do PT, Ricardo Berzoini,
em entrevista à Folha nesta sexta-feira, eram de uma confiança estarrecedora. Caixa dois todo
mundo faz. À pergunta do repórter, se o PT então deixava de ser
um partido diferente dos outros,
Berzoini mal respondeu.
Pior que isso.
Da parte de um partido antes
comprometido com a moralidade
pública (e hoje crítico do "denuncismo"), não se nota nenhuma
vontade de mudar as regras de financiamento das campanhas, de
superar o predomínio alienante
dos marqueteiros, de rever as
alianças espúrias do ponto de vista ideológico, como as que associaram o PT ao PTB, ao PL e ao
PP. Fora a promessa de expulsar
Delúbio Soares, nada se pensa para corrigir os erros cometidos até
aqui. Erros? Quem errou? Negar
legenda aos deputados que renunciarem ao mandato? Como
assim?
Que, depois de tudo isso, o atual
presidente do partido, Tarso Genro, celebre a eleição de Berzoini
como "a primeira etapa no processo de refundação do PT",
consta como humorismo sinistro,
no estilo da "novilíngua" orwelliana. Mas por que os petistas não
deveriam estar arrogantes?
Sociedade civil e partidos
Venceram as eleições na Câmara, vêem as CPIs emaranhadas em
investigações inconclusivas, contam com o cansaço do noticiário e
com a popularidade de Lula nos
grotões. Contam ainda com outro
fator. Desde o final dos anos 70,
acostumamo-nos a acreditar no
poder da "sociedade civil". Diz-se,
com bons motivos, que as mobilizações da sociedade civil derrubaram a ditadura e promoveram o
impeachment de Collor. Mas a
crise atual mostra a insuficiência
dessa interpretação.
A sociedade civil só se mobilizou quando tinha a seu lado algum interesse político-partidário
bastante claro. Algum partido,
fosse ele o PT, o PMDB ou o
PSDB, sempre tinha a ganhar com
as indignações da classe média.
Embora PFL e PSDB façam o
possível para tirar vantagem dos
escândalos do "mensalão", o fato
é que nenhum partido -exceto o
minoritário PSOL- pode levar
adiante um movimento de massas contra a corrupção. Todos estão envolvidos -como bem diz o
líder Berzoini- com alguma irregularidade; punições em profundidade e moralizações não interessam a ninguém...
Sem partidos por perto, e especialmente sem o PT velho de
guerra, a sociedade civil se torna
órfã, entregue a uma espécie de
revolta desmobilizada, que lembra os anos anteriores ao processo
de redemocratização.
Talvez, na prática, ninguém se
oponha de fato à atual situação.
Basta ver como as pessoas reagem
ao referendo sobre a comercialização de armas. Ligamos a TV, e
lá estão os mesmos programas
cheios de boa vontade, os mesmos locutores de olhar sincero, os
mesmos apelos ao Brasil, à paz, e
sobretudo, "a você, cidadão": toda a linguagem marqueteira, a xaropada de artistas cheios de esperança e de suposta "gente do povo" cheia de histórias para contar,
todo o mesmo sistema comunicacional baseado em caríssima patacoada publicitária, está de volta.
E não há quem reclame: de boa
fé, discutimos os argumentos de
um lado e de outro, torcemos por
determinado resultado eleitoral, e
não perguntamos quem financia
mais esse espetáculo.
Não importa qual a posição seja
a mais correta no caso do referendo: só de ver aquela falação, as
musiquinhas, os apresentadores,
as mãos acenando, a vontade de
ser empulhado renasce. O PT pode comemorar sua vitória.
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