São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2005 |
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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ANÁLISE Especialistas ouvidos pela Folha respondem sobre o uso de caixa dois pelo PT, o funcionamento das CPIs e a eleição de Aldo Rebelo Crise está longe do fim, dizem analistas
RODRIGO RÖTZSCH Não saber do "mensalão" isentaria Lula de culpa? Reis - O fato de ignorar não o
isentaria de culpa ou responsabilidade. É difícil saber o que seria
pior: um presidente que se dispusesse deliberadamente a patrocinar ou tolerar práticas impróprias
e mesmo ilegais ou um presidente
desatento e alheio a suas responsabilidades a ponto de não tomar
conhecimento de práticas desse
tipo mesmo quando envolvem altos escalões não só do seu partido,
mas aparentemente também do
seu governo. Figueiredo - Não o isenta. Ele é o
responsável pelo seu governo, em
última instância. O conceito da
"accountability" deve ser respeitado: o governante tem o dever de
prestar contas de seus atos. Rodrigues - Ignorância não isenta ninguém de culpa. Mas há uma
preliminar: mesmo levando em
conta que o presidente passa muito tempo fora do país, ele teria que
ser muito alienado dos assuntos
nacionais para ignorar as denúncias envolvendo seus velhos amigos. Teríamos que acreditar também que os fiéis companheiros
estavam o tempo todo o enganando o presidente. Weffort - Considerando que ele
não soubesse, não. Não o isento
de responsabilidade, seja por
ação, seja por omissão. Fausto - Duvido muito que não
soubesse. Se não sabia, é incompetente. Aldé - De modo geral, é possível
atribuir ao presidente responsabilidade, mesmo parcial, pelos atos
do seu governo, como um empresário é responsável por um documento em branco assinado por
ele, mesmo que o conteúdo seja
formulado por um subordinado.
Quanto mais pessoal a delegação
de poder -cargos de confiança,
escolhidos pessoalmente, e não
atribuídos a partidos aliados-,
maior a responsabilidade. Reis -Não, não torna menos
grave, além de que as denúncias e
investigações apontam para um
esquema que parece ter assumido
proporções inéditas com o governo petista. A minimização da importância do caixa dois aparece
não só por parte do PT e do governo, mas também tem sido feita até
por importantes lideranças da
oposição: a tal história de distinguir entre o "trigo", que seria o
"meu" crime eleitoral, que não tem
importância, e o "joio", o crime
dos outros, este sim importante. Figueiredo - Trata-se de uma defesa de cunho eminentemente político, tipo "eu fiz, mas quem não
fez"? Isso não torna a acusação
menos grave. O que diferencia a
ação do PT é a ousadia, a dimensão e a sem-cerimônia com que o
esquema foi concebido e operado. Rodrigues - Sim, porque se trata
de algo que, embora ilegal do
ponto de vista da legislação partidária, já está legitimado pela prática de todos os partidos e leva a
punições mais leves. Por isso mesmo, foi a estratégia adotada pelo
PT para justificar os recursos
"não contabilizados". Weffort - Não. É ilegal. Se houve
a mesma ação no PT e no PSDB,
deve ser igualmente punida. Fausto - Repetir o modelo tucano não torna menos grave o fato
de o PT ter usado caixa dois. E essa história de reduzir o problema
a caixa dois é falso. O "mensalão"
está bastante evidenciado". Aldé - Trata-se, evidentemente,
de prática ilegal, uma vez que
quem investe pesadamente em
campanhas eleitorais o faz com
expectativa de retorno caso o
apoiado seja eleito. O PT tem a
culpa adicional de ter sempre defendido a moralização das práticas políticas. Neste sentido, justifica-se a cobrança maior por parte
da imprensa e da opinião pública. Reis -Há uma mescla de motivos para a oposição não pedir o
impeachment. É preciso admitir a
legitimidade da motivação eleitoral dentro de certos limites, e o limite crucial é justamente o de que
não haja conluios que impeçam a
aplicação da legislação vigente. Figueiredo - Neste caso, tudo indica que o cálculo político coincide com a responsabilidade. Para
as oposições, é interessante que o
governo Lula se arraste, moribundo, até as eleições do ano que
vem. Isso enfraquece Lula e desfigura o PT. Até agora não foi produzida uma prova incisiva contra
Lula. Nessa situação, iniciar um
processo de impeachment seria
pouco prudente. Rodrigues - Agir responsavelmente, ou parecer agir, pode render votos. No momento, como
não surgiu nada que envolvesse
diretamente o presidente, a oposição prefere manter ações de guerrilha contra o governo em lugar
de uma guerra aberta. Weffort - As convicções da oposição não parecem ser suficientemente fortes, do ponto de vista
político, para pedir o impeachment. E não vejo maior interesse
político da oposição em que ocorra o impeachment. Fausto - Há uma parte de responsabilidade na oposição de que
não vale levar a fundo a questão
da culpa contra o presidente, mas
há interesse nas eleições de 2006,
o que é natural da política. Aldé - Existe uma avaliação de
que o prolongamento da crise pode enfraquecer a candidatura de
Lula e do PT em geral. Por outro
lado, esta tolerância também pode contribuir para um clima de
ceticismo por parte do eleitor: se
ele avaliar que são todos iguais, farinha do mesmo saco, isto pode
equiparar as condições para a
competição em 2006. A crise está perto do fim, como diz Lula? Reis - Não creio. A eleição de
Aldo Rebelo para a presidência da
Câmara certamente representou
um resultado muito positivo para
o governo (o primeiro desde o
episódio Waldomiro Diniz). Mas
há muito trabalho pela frente para
as CPIs, o Ministério Público etc. Figueiredo - A crise já produziu
efeitos de um furacão. A aprovação do governo despencou, Dirceu caiu, o PT perdeu sua bandeira ética, parlamentares renunciaram e por aí vai. A crise só acabará
quando acabarem as CPIs com resultados satisfatórios. Na campanha eleitoral, ela será lembrada. Rodrigues - A crise não parece
próxima do fim embora possa reduzir de intensidade. Um fator
importante é a repercussão dos
fatos na opinião pública. O volume de acusações começa por banalizar os atos delituosos e a cansar. Mas, se fatos aparecerem, a
crise deve ganhar novo impulso. Weffort - A protelação da decisão da Câmara em relação aos deputados simplesmente espicha o
assunto, mas não creio que diminua o andamento da crise. Porque
uma crise deste tipo se alimenta
de informações que surgem surpreendentemente sempre. Fausto - A crise ficou abafada
por conta da acusação contra Severino Cavalcanti e da eleição na
Câmara. As investigações podem
esfriar no fim de ano devido às férias parlamentares, mas devem
ser retomadas e emendadas com
a discussão sobre as eleições. Aldé - As crises envolvendo escândalos políticos podem durar
semanas, meses ou até anos, mas
acabam. Atingem seu clímax com
a concretização de renúncias, cassações, mas podem acabar com a
dissipação do assunto. Acho que
ainda temos momentos críticos à
frente, pois as conseqüências para
os envolvidos ainda são incertas. As CPIs funcionam ou tendem para acordão? Reis - Duvido de que seja possível um acordão. Mas, além do
que há de confronto entre governo e oposição, há complexidades
legais. Se as coisas não forem bem
conduzidas, poderiam ensejar resultados que a opinião pública
perceberia como "pizza". Acho
que há incerteza quanto a isso. Figueiredo - Não existe planejamento e coordenação, embora seja indiscutível que muitos parlamentares estejam trabalhando
com afinco. Também não há pessoal técnico para checar a avalanche de dados compilados. Com a
opinião pública no "vácuo" do
Congresso, acordão seria suicídio. Rodrigues - As CPIs funcionam
mais ou menos, segundo as provas que aparecem e segundo a
composição partidária de cada
uma. Conhecendo nossa política,
resta torcer para que tudo não termine num pedido de desculpas
aos acusados, quem sabe, seguido
de uma gorda indenização. Weffort - Tem gente buscando
acordo. Há outros que buscam fazer com que a investigação termine. Não acredito em acordo que a
paralise, porque o assunto já tomou uma escala na opinião pública que a frustração com a inatividade das CPIs seria um escândalo
maior que o próprio "mensalão". Fausto - Não acredito que vá
ocorrer um acordão, mas a profundidade das CPIs é relativa. Há
duas coisas: uma é o volume de
informações. Há a parte técnica,
que não cabe a deputados. Outra é
que há um nível baixo de trabalho. Há quem só queira aparecer. Aldé - Muitos dos representantes
estão mais preocupados com sua
imagem. Nem sempre agem tecnicamente. É uma característica
de qualquer CPI, pois trata-se de
investigação política. Qualquer
resultado terá que ser concretizado, depois, na esfera do judiciário. O que é para o governo a mudança na Câmara? Reis - É um resultado positivo,
apesar do jogo "realista" de pressões, e acho que propiciou um alívio quanto aos efeitos da crise que
vêm se desenrolando, e até um ganho institucional. Do ponto de
vista da oposição, é claro que teria
sido preferível que a Câmara continuasse presidida por Severino. Figueiredo - Aldo é mais confiável que Severino. Além disso, o
governo passa a ter um dos seus
na liderança. Com várias CPIs, ter
um aliado na presidência da Câmara é um dos poucos motivos
para que o governo se sinta mais
confortável na crise, se é que algum conforto é possível agora. Rodrigues - A vitória do Aldo aumentou as chances de o governo
lograr um grande acordão. Por isso houve tanto empenho do Executivo para entregar a ele a presidência. Mas uma das conseqüências da busca de apoio de deputados do PTB, PP e PL foi acentuar
mais a descaracterização do governo como governo petista. Weffort - No caso do Aldo eleito,
há uma possibilidade de reconstituição da base, não uma certeza.
Se não vencesse, seria um fracasso
político do Lula. Vencendo o Aldo ele tem uma possibilidade de
reconstituir a base. Fausto - Só o fato de Severino ser
substituído já muda [a direção da
Câmara] para melhor. O nome de
Aldo é problemático, por estar altamente envolvido com o governo e por ter sido testemunha de
Dirceu em processo na Casa. Ele
não terá condições para ter distanciamento na presidência. Aldé - É positivo para o governo
ter um líder partidário mais previsível, como Aldo. Não parece, no
entanto, liderança disposta a se
sacrificar politicamente ou a obedecer. Resta ver seu comportamento na condução de votações
críticas e na priorização da pauta. |
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