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CELSO PINTO
O "efeito caipirinha"
Se o Brasil entrar em colapso
cambial, a Argentina também
entrará?
A resposta quase automática
para essa pergunta, no Brasil, é
que sim. É impressionante, no
entanto, o número de analistas
no mercado internacional, nas
agências de avaliação de risco
e nas instituições multilaterais
que acham que a Argentina resistiria.
Existem razões para ceticismo. Quase um terço das exportações argentinas vão para o
Brasil e as economias estão cada vez mais integradas. Além
disso, ao ver o real cair, parte
do mercado aumentaria a desconfiança sobre o peso, que tem
paridade fixa em relação ao
dólar.
Essas questões preocupam os
argentinos há muito tempo.
Em março do ano passado, o
presidente do banco central argentino, Pedro Pou, chamou
alguns economistas brasileiros
para uma rodada de conversas
reservadas. O tema: qual o impacto de uma eventual desvalorização brasileira sobre a Argentina e sua moeda.
A Argentina passou num primeiro teste de seu regime de
"currency board" em 95, com o
efeito "tequila" da crise mexicana. O país perdeu 20% dos
depósitos bancários, o PIB despencou, mas a moeda foi mantida. Houve disposição política
para reduzir salários e preços
para tornar a economia mais
competitiva.
Pode-se argumentar, contudo, que a inflexibilidade do regime argentino renova o teste
da credibilidade a cada crise.
Sem poder mexer no câmbio, a
fuga de dólares gera uma contração na moeda, os juros sobem, a economia cai, os salários e preços são reduzidos.
O fato, contudo, é que a Argentina, desde 95, reforçou
bastante suas armas de defesa
contra novas crises externas.
Desnacionalizou seu sistema
bancário, para reforçá-lo.
Criou um seguro de depósitos.
Aumentou o nível de liquidez
exigida, que chega a quase metade do total de depósitos, e de
capital por ativos, de 11,5%.
Montou uma rede de liquidez
externa, com um grupo de bancos, utilizável em caso de necessidade.
Mais do que isso, a Argentina
se amarrou, legalmente, com a
disciplina. O câmbio só pode
ser mudado por lei e o BC é
independente. Além disso, um
projeto de lei, já aprovado no
Senado e à espera de votação
na Câmara, fixa o teto legal
para o déficit público em 1% do
PIB.
A rigor, nem precisaria do teto legal. Como a moeda só cresce se as reservas cambiais crescerem, o BC só pode financiar
um déficit emitindo títulos. Se
o mercado acha o déficit exagerado, não financia e obriga ao
ajuste.
O déficit fiscal é hoje de apenas 1% do PIB e, depois da
crise asiática, vários cortes foram feitos no orçamento. A inflação média dos últimos três
anos foi de 0,6% ao ano. O estoque de investimentos subiu
de US$ 14 bilhões no início dos
anos 90 para US$ 38 bilhões. O
PIB cresceu, em média, 6,5% ao
ano de 90 a 98.
Mesmo depois da Ásia, observou Pou num seminário recente, o PIB cresceu 7,1% no primeiro semestre, a inflação foi
zero, houve ganho de depósitos
de 24% até a crise da Rússia (e
estabilidade depois) e não houve perda de reservas. Vai haver
custos: o PIB deve crescer 4,5%
neste ano e talvez 3% em 99. A
escassez de dólares obrigou a
Argentina a montar um colchão de recursos garantindo o
financiamento externo até o final do primeiro trimestre de
99.
Isso, contudo, foi feito com
sucesso, com o anúncio de um
apoio de US$ 5,7 bilhões de instituições multilaterais. Apoio,
aliás, anunciado na reunião
anual do FMI em que, abrindo
um precedente, o presidente
Carlos Menem discursou na
abertura, na semana passada,
logo depois de Bill Clinton,
num golpe de mestre de relações públicas junto à comunidade financeira.
Desde o plano de estabilização, em 91, a Argentina mantém um acordo com o FMI, que
vem sendo cumprido quase sem
tropeços. Está claro que, se não
for possível segurar o Brasil, a
linha de resistência, com apoio
internacional, se mudará para
a Argentina.
A diretora para América Latina da agência de avaliação
de risco Standard & Poors, Lacey Gallagher, justifica a melhor cotação da Argentina em
relação ao Brasil pelos melhores fundamentos econômicos.
Se o Brasil capotar, ela acha
que o PIB argentino cai, o déficit fiscal sobe, as exportações
são abaladas, mas a conversibilidade será mantida.
Os argentinos, em geral, vão
além. No limite, se a pressão
sobre o câmbio for insuportável, é mais provável que a Argentina dolarize inteiramente
sua economia do que abra mão
do câmbio fixo. O risco é virar
um Panamá, pelo "efeito caipirinha".
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