São Paulo, sexta, 16 de outubro de 1998

Texto Anterior | Índice

CELSO PINTO
O "efeito caipirinha"

Se o Brasil entrar em colapso cambial, a Argentina também entrará?
A resposta quase automática para essa pergunta, no Brasil, é que sim. É impressionante, no entanto, o número de analistas no mercado internacional, nas agências de avaliação de risco e nas instituições multilaterais que acham que a Argentina resistiria.
Existem razões para ceticismo. Quase um terço das exportações argentinas vão para o Brasil e as economias estão cada vez mais integradas. Além disso, ao ver o real cair, parte do mercado aumentaria a desconfiança sobre o peso, que tem paridade fixa em relação ao dólar.
Essas questões preocupam os argentinos há muito tempo. Em março do ano passado, o presidente do banco central argentino, Pedro Pou, chamou alguns economistas brasileiros para uma rodada de conversas reservadas. O tema: qual o impacto de uma eventual desvalorização brasileira sobre a Argentina e sua moeda.
A Argentina passou num primeiro teste de seu regime de "currency board" em 95, com o efeito "tequila" da crise mexicana. O país perdeu 20% dos depósitos bancários, o PIB despencou, mas a moeda foi mantida. Houve disposição política para reduzir salários e preços para tornar a economia mais competitiva.
Pode-se argumentar, contudo, que a inflexibilidade do regime argentino renova o teste da credibilidade a cada crise. Sem poder mexer no câmbio, a fuga de dólares gera uma contração na moeda, os juros sobem, a economia cai, os salários e preços são reduzidos.
O fato, contudo, é que a Argentina, desde 95, reforçou bastante suas armas de defesa contra novas crises externas. Desnacionalizou seu sistema bancário, para reforçá-lo. Criou um seguro de depósitos. Aumentou o nível de liquidez exigida, que chega a quase metade do total de depósitos, e de capital por ativos, de 11,5%. Montou uma rede de liquidez externa, com um grupo de bancos, utilizável em caso de necessidade.
Mais do que isso, a Argentina se amarrou, legalmente, com a disciplina. O câmbio só pode ser mudado por lei e o BC é independente. Além disso, um projeto de lei, já aprovado no Senado e à espera de votação na Câmara, fixa o teto legal para o déficit público em 1% do PIB.
A rigor, nem precisaria do teto legal. Como a moeda só cresce se as reservas cambiais crescerem, o BC só pode financiar um déficit emitindo títulos. Se o mercado acha o déficit exagerado, não financia e obriga ao ajuste.
O déficit fiscal é hoje de apenas 1% do PIB e, depois da crise asiática, vários cortes foram feitos no orçamento. A inflação média dos últimos três anos foi de 0,6% ao ano. O estoque de investimentos subiu de US$ 14 bilhões no início dos anos 90 para US$ 38 bilhões. O PIB cresceu, em média, 6,5% ao ano de 90 a 98.
Mesmo depois da Ásia, observou Pou num seminário recente, o PIB cresceu 7,1% no primeiro semestre, a inflação foi zero, houve ganho de depósitos de 24% até a crise da Rússia (e estabilidade depois) e não houve perda de reservas. Vai haver custos: o PIB deve crescer 4,5% neste ano e talvez 3% em 99. A escassez de dólares obrigou a Argentina a montar um colchão de recursos garantindo o financiamento externo até o final do primeiro trimestre de 99.
Isso, contudo, foi feito com sucesso, com o anúncio de um apoio de US$ 5,7 bilhões de instituições multilaterais. Apoio, aliás, anunciado na reunião anual do FMI em que, abrindo um precedente, o presidente Carlos Menem discursou na abertura, na semana passada, logo depois de Bill Clinton, num golpe de mestre de relações públicas junto à comunidade financeira.
Desde o plano de estabilização, em 91, a Argentina mantém um acordo com o FMI, que vem sendo cumprido quase sem tropeços. Está claro que, se não for possível segurar o Brasil, a linha de resistência, com apoio internacional, se mudará para a Argentina.
A diretora para América Latina da agência de avaliação de risco Standard & Poors, Lacey Gallagher, justifica a melhor cotação da Argentina em relação ao Brasil pelos melhores fundamentos econômicos. Se o Brasil capotar, ela acha que o PIB argentino cai, o déficit fiscal sobe, as exportações são abaladas, mas a conversibilidade será mantida.
Os argentinos, em geral, vão além. No limite, se a pressão sobre o câmbio for insuportável, é mais provável que a Argentina dolarize inteiramente sua economia do que abra mão do câmbio fixo. O risco é virar um Panamá, pelo "efeito caipirinha".




Texto Anterior | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.