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São Paulo, domingo, 16 de novembro de 2003

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NO PLANALTO

Planalto tem R$ 4,8 mi para cartões de crédito

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Soube-se na semana passada que a Casa Civil será dividida. As tarefas burocráticas ficarão com o Zé. A ação política, com o Dirceu. Vai aqui um conselho para o camarada Dirceu: convém pedir ao companheiro Zé para dar uma espiada nos cartões de crédito da Presidência.
Há muito gasto e pouca transparência. Coisa feia para um governo que retém pensões de fome de aposentados nonagenários e veta repasses monetários para escolas de crianças excepcionais.
Como você, caro leitor, o Planalto dispõe de cartões de crédito. O dinheiro que paga os gastos mensais sai, nos dois casos, do seu bolso. A diferença é que a fatura do seu cartão você vê e às vezes não paga. E a conta do cartão da Presidência você paga e não vê nem às vezes.
Cartão corporativo governamental é coisa recente. Foi criado (decreto de agosto de 2001) e regulamentado (instrução normativa de agosto de 2002) na gestão FHC. Mas é na era Lula que vem sendo utilizado à larga.
Diz-se que o governo Lula é igualzinho ao de FHC. Não no manuseio dos cartões. O petismo gasta mais. Muito mais.
Nos cinco meses finais do tucanato, o Planalto pagou seis faturas de cartão de crédito. Custaram R$ 709 mil (média mensal de R$ 141,8 mil). Nos dez meses iniciais de Lula, a Presidência bancou 50 faturas. Saíram por R$ 2,875 milhões (média mensal de R$ 287,5 mil).
As contas de novembro chegam no dia 26. Estima-se que deve ser rompida a barreira dos R$ 3 milhões. O Planalto empenhou até dezembro de 2003 R$ 4,8 milhões (média mensal de R$ 407 mil) para gastos com cartões.
A prática ganhou a Esplanada e o Poder Judiciário. Tudo somado, incluindo ministérios e tribunais, os cartões de crédito de Brasília aliviarão os cofres do Tesouro em R$ 5,4 milhões até dezembro.
Todos os cartões foram emitidos pelo Banco do Brasil. No caso palaciano, são geridos pela Secretaria de Administração da Presidência, apêndice da Casa Civil. Repartição que, doravante, vai merecer atenção exclusiva do campanheiro Zé.
Rezam as regras que os cartões devem ser usados na aquisição de passagens aéreas e na compra de materiais e serviços emergenciais, de baixo custo. Na prática, bancam do aluguel de automóveis a diárias de hotel.
Os portadores são funcionários de denominação pomposa. Chamam-nos "ecônomos". Têm delegação para gastar em todo o território nacional.
Sob FHC, a fatura mais gorda venceu em 26 de novembro de 2002: R$ 180.836,50. Sob Lula, o gasto mais robusto veio numa fatura de 26 de maio de 2003: R$ 516.226,66. Em junho de 2003, a soma de dois cartões (R$ 356.293,39 e R$ 304.667,61) custou ao erário R$ 660.961,00.
O que une os dois governos nessa matéria é o hermetismo das despesas. Consultando-se o Siafi, o sistema informatizado que registra os gastos governamentais, descobre-se apenas o valor global de cada fatura. Não há vestígio do detalhamento dos dispêndios. Nem sinal dos nomes dos autores das despesas. Nada sobre a quantidade de cartões em circulação.
Ouvido, o Planalto informou que os cartões "racionalizaram" as despesas. Evitam que funcionários saiam às ruas com os bolsos fornidos. Cobrem despesas dos gabinetes de Lula e dos ministros que, como ele, despacham no Planalto. Aí incluídos o camarada Dirceu e o companheiro Zé.
O grosso dos gastos está relacionado com "deslocamentos do presidente". Nada a ver com as viagens internacionais, custeadas pelo Itamaraty.
Quanto à (falta de) transparência, mantiveram-se práticas do governo anterior. Cabe ao TCU (Tribunal de Contas da União) a tarefa de "auditar os gastos". O histórico não é tranquilizador.
Deu-se em agosto de 2001 a última visita dos auditores do TCU à contabilidade da Secretaria de Administração da Presidência. Não havia ainda a novidade dos cartões. Despesas de pequena monta eram executadas em dinheiro vivo.
Detectaram-se de "compra de alimentos e utensílios domésticos" à "construção de uma guarita". Fracionavam-se despesas para driblar a obrigatoriedade de licitação. Foi o que ocorreu em sucessivas aquisições de "material para instalações telefônicas, [...] em geral no mesmo conjunto de empresas".
Bancaram-se pagamentos de "diárias para funcionários em serviço" aos sábados e domingos. Houve quem dispensasse as diárias, mas não as passagens. Em muitos casos não ficou "efetivamente comprovado" que os servidores "deslocaram-se a serviço da Presidência".
Renata Zacarelli Lopes, por exemplo, viajava semanalmente de Brasília para São Paulo. Sua missão oficial era a de "assessorar o ministro Ângelo Andrea Matarazzo", seu chefe. Em compromissos que "envolviam o final de semana".
Os auditores recomendaram a devolução do dinheiro. Levado ao plenário do TCU, o relatório virou pó. Os ministros deram de ombros para sugestões de punição. Limitaram-se a encaminhar ao Planalto um conjunto de recomendações.
Aguarda-se com incontida expectativa a auditagem dos gastos do governo do ex-PT, às voltas com o mundo encantado dos cartões de crédito.


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